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Tancos: Um "soco no estômago" do Exército e um general demitido

O furto de material de guerra dos paióis de Tancos foi um "soco no estômago" para o Exército e provocou ondas de choque que culminaram na demissão do general chefe, cuja gestão do caso foi contestada.

Tancos: Um "soco no estômago" do Exército e um general demitido
Notícias ao Minuto

13:45 - 06/11/18 por Lusa

País Justiça

O "mistério" de Tancos começa em 29 de junho de 2017, quando o Exército revelava que tinham desaparecido granadas de mão, munições e explosivos dos Paióis Nacionais, no distrito de Santarém, assumindo a violação do perímetro de segurança e o arrombamento de dois paiolins.

O então chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, foi o primeiro a admitir publicamente que o material tenha sido furtado com "informação do interior", porque os paióis tinham sido "escolhidos a dedo", uma alegação que caberá à investigação judicial verificar.

Dois dias depois do furto, o general Rovisco Duarte anuncia a exoneração "temporária" dos comandantes das cinco unidades responsáveis pela segurança dos paióis, que era assegurada através de rondas móveis.

O argumento usado foi a necessidade de não interferirem com investigação que decorria, uma explicação que não foi compreendida no meio militar, registando-se baixas de peso na estrutura superior do Exército.

O comandante das forças terrestres, general António Menezes, e o comandante do pessoal, general Antunes Calçada, demitem-se em discordância com a decisão de Rovisco Duarte que, 15 dias depois, renomeou os comandantes exonerados, para as mesmas funções.

Na mesma semana, o jornal online El Español divulgou a primeira lista pormenorizada do material declarado em falta pelo Exército português, na qual se incluíam munições, explosivos, fio detonador, granadas anti-carro, explosivos e granadas de gás lacrimogéneo.

Assumindo o caso como "um soco no estômago" para o Exército, o então chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Pina Monteiro, salientava que o material que foi roubado valia só 34 mil euros e que parte dele, como as munições anti-carro, estava selecionado para abate, colocando em questão "a possibilidade de ser usado com eficácia" por terroristas ou quem quer que fosse.

Em meados de julho de 2017, foram admitidas pelo Exército falhas na supervisão e vigilância das instalações. O Chefe do Estado-Maior mandou instaurar inquéritos ao funcionamento do sistema de videovigilância, à intrusão nas instalações e à gestão de cargas e acabou por decidir a desativação dos paióis de Tancos.

O material militar armazenado na base de Tancos foi transferido para Santa Margarida, que beneficiou de obras para reforço da segurança do perímetro e das instalações, e para os paióis da Marinha, em Marco do Grilo, operação que foi concluída no final de outubro do ano passado.

Quando anuncia a conclusão da transferência, numa operação delicada e bem-sucedida, das cargas de Tancos para outros paióis, Rovisco Duarte apresenta-se, em conferência de imprensa, como um general satisfeito.

A maior parte do material furtado em junho tinha sido recuperado pela PJM quinze dias antes e Rovisco Duarte anuncia que tinha até sido recuperada, no descampado na Chamusca, uma caixa de petardos "a mais", que não constava da lista do material em falta.

Em janeiro deste ano, foram concluídos os processos disciplinares abertos na sequência do furto, por "incitamento a falsas declarações" e "ausência de rondas". Para o Exército, o caso era dado como encerrado.

Num relatório entregue ao parlamento em março, Azeredo Lopes remetia as respostas sobre "quem, quando, porquê e como" para o fim da investigação em curso pelo Ministério Público e fez o historial das instalações militares de Tancos, desde a origem, nos anos oitenta do século passado, e as suas "constantes dificuldades e insuficiências".

Sob contestação interna e críticas por parte do CDS-PP, Rovisco Duarte mereceu sempre o apoio do ex-ministro da Defesa Nacional.

Em julho, nova contradição e novo embaraço para o Exército era noticiada pelo semanário Expresso, que citava um recurso interposto pelo Ministério Público em que os procuradores afirmavam que ainda havia explosivos e granadas por recuperar.

Chamado ao parlamento, Rovisco Duarte recusou revelar a lista completa do que a PJM encontrou, alegando que não compete ao Exército revelar dados que se encontram em segredo de justiça e desabafou que não sabia o que estava ali a fazer, face à ausência de dados novos.

O CDS-PP exigiu a demissão do general que viria a concretizar-se três meses depois, na sequência dos desenvolvimentos de uma investigação da PJ à operação da PJM que levou à recuperação do material furtado.

Por seu lado, Azeredo Lopes admitia não saber se o material militar recuperado em outubro de 2017 corresponde ao furtado quatro meses antes dos paióis de Tancos. "Não digo nem que sim, nem que não", afirmou.

A resposta surgiu através de um requerimento da comissão de Defesa Nacional à Procuradoria-Geral da República. O procurador que conduz a investigação, João de Melo, respondeu aos deputados que não via problema em que fossem divulgadas as duas listas, a do material furtado e a do material que foi recuperado.

As listas confirmam que faltam recuperar cinco granadas e mais de 30 cargas de explosivos, para além de 1450 munições e 9mm.

Tancos é agora não um, mas dois casos: o do furto do material e o das circunstâncias em que voltou a aparecer. Quem roubou, quem encenou a recuperação e porquê e se houve encobrimento de suspeitos são perguntas que continuam sem resposta.

Tal como Rovisco Duarte, a atuação de Azeredo Lopes face ao furto foi contestada pela oposição que considerou insatisfatórias e insuficientes todas os esclarecimentos prestados ao longo de sucessivas audições parlamentares.

O ministro reclamou que o Governo fez o que tinha de fazer perante a situação, mandando abrir inquéritos internos e reforçando a segurança das instalações e remeteu para a Justiça as respostas ao "quem, como e porquê".

Um dia depois do furto ter sido revelado, Azeredo Lopes dizia que "sem menosprezar minimamente a gravidade dos factos", o caso não corresponde à maior quebra de segurança do século e que "há quebras e falhas de segurança muito superiores".

Contudo, foi uma frase numa entrevista ao DN e à TSF a suscitar a perplexidade da oposição e no comando do Exército quando Azeredo Lopes admitiu que, face à falta de provas, podia não ter havido furto nenhum.

Azeredo Lopes apresentou a demissão a 12 de outubro passado na sequência dos desenvolvimentos da investigação da PJ à recuperação do material furtado, vendo o seu nome ligado a uma alegada encenação da PJM para recuperar o material e negando ter tido conhecimento de qualquer encobrimento de suspeitos do furto.

Dois dias depois da posse do novo ministro, João Gomes Cravinho, Rovisco Duarte apresentou a resignação, invocando "razões pessoais" perante o Presidente da República mas, na rede interna do Exército, afirmou que "circunstâncias políticas assim o exigiram". Foi substituído pelo general Nunes da Fonseca, que estava colocado na GNR.

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