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Abraços longos e almas grandes na inauguração de memorial em Pedrógão

Em Nodeirinho, Pedrógão Grande, morreram há um ano onze pessoas. Junto à fonte onde outras tantas se salvaram, foi hoje inaugurado um memorial à vida, por entre abraços longos e elogios às "almas grandes" que ajudam no renascer daquela terra.

Abraços longos e almas grandes na inauguração de memorial em Pedrógão
Notícias ao Minuto

19:39 - 17/06/18 por Lusa

País Incêndios

Duas grandes pedras de xisto, uma maior que outra, erguem-se à frente da fonte da pequena aldeia, assentes numa fundação que esconde restos de casas e carros que arderam - marcas do fogo que passou e que causou a morte de 11 pessoas de Nodeirinho.

De lado das pedras, uma asa, atrás, os nomes das 11 vítimas que Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de ler, uma a uma, à frente, uma placa com a frase "Eis que faço novas todas as coisas", verso bíblico que ecoa na cabeça de João Viola, o autor do memorial, desde o dia em que viu a sua terra natal em chamas, há precisamente um ano.

Durante o discurso, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, elogiou João Viola, o artista local que desenhou o memorial, bem como a sua mulher, Dina Duarte, "uma alma grande como muitos outros e muitas outras", que procuram puxar "por esta ideia, para que não houvesse esquecimento".

No final do seu discurso, sublinhou que não esquece o que aconteceu.

"Eu não esqueço, vocês não esquecem, nós nunca esqueceremos", vincou o Presidente da República, dirigindo-se para os presentes, muitos mais do que os 35 habitantes que compõem a aldeia que, em tempos, chegou a ter mais de 100 pessoas, segundo os locais.

Já antes de Marcelo falar, Dina Duarte agradecia a presença do Presidente da República, não apenas hoje, mas há cerca de um ano, quando ali foi, sem a presença de jornalistas, dar um "abraço amigo, sentido" aos habitantes.

"Tem um coração como nós e sentiu a nossa dor e veio até nós. Marcou-nos a todos, marcou a aldeia, marcou todas as aldeias", disse Dina Duarte, realçando que o memorial que inauguravam era um espaço feito por todos - a solidariedade está presente na construção, nos materiais e até nas flores que despontam à volta - e "para todos".

O memorial, sublinhou, "servirá para celebrarmos a vida e lembrarmos os que pereceram nesta aldeia".

Depois da inauguração e de um momento musical, seguiram-se os abraços longos e demorados de Marcelo aos familiares das vítimas e habitantes.

Alguns deixaram-lhe cartas, outros pediram ajuda, como foi o caso de Adelino que, entre soluços e lágrimas, lá explicou que a casa onde já passava mais de metade do ano e onde nasceu, ali naquela aldeia, estava sem solução de reconstrução depois de ter ardido no fogo.

Ainda houve tempo para ir até uma mesa farta de doces e salgados, onde brindou com Vinho do Porto e recebeu um pão cozido por Dionilde, habitante de Vila Facaia.

"Este pão tem muito miolo. Sabe, em Lisboa já não há miolo", disse, Marcelo, a rir-se e dirigindo-se a alguns jornalistas que assistiam ao momento.

Antes, passou pela parte de trás do memorial, onde elogiou o monumento, "uma homenagem personalizada. Tem rostos, tem nomes e, portanto, recordações concretas e que não vão passar", disse.

O memorial foi sendo explicado ao Presidente da República por João Viola, pintor e habitante da aldeia, que momentos antes de o chefe de Estado chegar a Nodeirinho explicava aos jornalistas que o memorial não deveria existir e que ninguém deveria estar ali hoje.

"Estamos num tempo errado e num local errado", sublinhou, com a voz embargada.

Para o pintor local, de 62 anos, o monumento é "um memorial à vida, para não esquecer, para fazer lembrar as gerações futuras de que é necessário mudarmos as nossas consciências em relação ao mundo que nos rodeia".

"Não podemos olhar para uma árvore que cresce, um eucalipto, e pensar: isto é dinheiro", notou, esperando que agora, depois de mais de 100 mortos em 2017 por causa dos incêndios, haja mudanças e as vidas perdidas não tenham "sido em vão".

Um ano depois, João Viola não esquece nem quer que ninguém se esqueça do que aconteceu, mas também fala do futuro e dos sinais de regeneração.

Num território completamente devastado, que há um ano era negro, onde toda a vida - de cobras a insetos - desapareceu, começam a surgir novos sinais de um renascimento, das pessoas e da natureza.

"Noutro dia, chamei a minha mulher à rua, à noite. Fiquei muito feliz porque ouvi os grilos a cantar", vincou.

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