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"Riqueza não é desonra"

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, socio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

"Riqueza não é desonra"
Notícias ao Minuto

11:00 - 16/06/18 por Notícias ao Minuto

País Artigo de opinião

"A Espanha continua na agenda dos juízes, desta feita pela decisão recentemente proferida pelo Tribunal Supremo daquele país sobre o Caso Nóos, também conhecido como 'Torre de Babel', que teve por protagonista Iñaki Urdangarin, ex-duque consorte de Palma de Maiorca, título nobiliárquico concedido 'ad personam', e não recebido por herança da Casa de Bourbon, à qual pertence a família real espanhola.

O processo, que começou oficialmente em 2010, incidiu em complicadíssimas investigações sobre emaranhadas teias de negócios do mencionado Iñaki Urdangarin, marido da infanta Cristina de Bourbon e Grécia, no Instituto Nóos, uma organização sem fins lucrativos que o genro do rei emérito Juan Carlos utilizou para desviar 4,5 milhões de euros provenientes dos governos das comunidades autónomas de Valência e das Ilhas Baleares. E essas emaranhadas teias de negócios consistiram, sobretudo, em estratégias de arregimentação de empresas, patrocínios, desporto e responsabilidade social, contratualizando a prestação de serviços de organização de acontecimentos que nunca foram realizados.

Uma das empresas da rede, a Aizóon, gerida pelo próprio Iñaki Urdangarin, serviu para desviar fundos do Instituto Nóos e para pagar despesas particulares do casal, entre quais as da aquisição de um luxuoso palacete no chiquíssimo bairro barcelonês de Pedralbes.

Pelos crimes cometidos, Iñaki Urdangarin foi agora condenado a pena de prisão de cinco anos e dez meses. O repertório é vasto: "malversación" (peculato); "prevaricación" (denegação de justiça e prevaricação); "fraude a la administración" (administração danosa); "delitos contra la hacienda pública" (fraude fiscal); e "tráfico de influências" (tráfico de influência). Além disso, foi ainda condenado na pena acessória de sete anos e seis meses de inabilitação para emprego ou cargo público, e numa multa no valor de 512.553,68 euros.

Por seu turno, Cristina de Bourbon e Grécia, colaboradora ativa do marido nos negócios da Nóos, sofreu apenas uma condenação leve, por ter sido responsável civil, a título lucrativo, dos crimes por ele praticados, sendo obrigada a devolver a quantia de 136.950 euros.

Embora condenado a cumprir pena, a entrada na prisão de Iñaki Urdangarin pode não ser imediata, para isso beneficia de dois procedimentos dilatórios previstos na lei penal.

Em face da grave situação em que se encontra, Iñaki Urdangarin poderá requerer, por exemplo, um indulto real. O indulto é um ato de clemência, no caso vertente, do monarca (que também é seu cunhado), o qual, a ser concedido, extinguirá o cumprimento da pena. A proposta terá de chegar ao rei, acompanhada de parecer favorável do Ministério da Justiça. A interposição do requerimento de indulto não suspende automaticamente a entrada na prisão, e a decisão da manutenção da liberdade até à decisão do indulto pertencerá sempre à Audiencia Provincial (Tribunal Judicial) das Ilhas Baleares, Juízo de Palma de Maiorca.

Em caso de recusa do indulto, o recurso de amparo para o Tribunal Constitucional constitui o último procedimento para a suspensão da execução da pena, até que os tribunais decidam sobre a admissão do dito recurso. Aqui prefiguram-se três hipóteses, a saber: não admitir, pura e simplesmente; admitir, mas não suspender a execução da pena, por esta ser superior a cinco anos; admitir e suspender a execução da pena.

Os tempos do absolutismo há muito que já lá vão, e se quiserem sobreviver têm de se portar como a mulher de CésarConjecturas e formalidades à parte, escolha-se o lado que se escolher respeitante à defesa de Iñaki Urdangarin, o certo é que o Caso Nóos esteve perto de derrubar a monarquia espanhola, e talvez tenha mesmo estado na origem da abdicação do agora rei emérito Juan Carlos a favor de seu filho Filipe, que viria a ser proclamado o sexto na ordem daquele nome.  

O já então Filipe VI, pressionado pela imprensa e pela força das circunstâncias, decretou em junho de 2015 a revogação do título de duquesa de Palma de Maiorca (irrelevante nos pergaminhos seculares da Casa de Bourbon), afastando o casal de todos os atos oficiais, exceto nos que revestiam cariz fúnebre. Esperava-se que, no seguimento de ato tão indigno perpetrado por alguém que se encontra em 6.º lugar na linha de sucessão ao trono do seu país, a infanta Cristina abdicasse dos seus direitos dinásticos (sucessórios), tanto para ela como para os seus descendentes, o que não fez, escorada no amparo da família real, além do seu pai e da sua mãe, a tão auscultada quanto discreta e amada pelos espanhóis Sofia da Grécia.

A exigência de transparência nas relações e negócios da família real de Espanha levou à interdição de os seus membros trabalhem para empresas privadas e de aceitarem ofertas que, pelo seu elevado valor económico, possam eventualmente vir a pôr em causa a dignidade da própria identidade monárquica.

Recebendo a Coroa e a Casa Real dotações públicas, o mínimo que delas se pode exigir é que sejam instituições as mais transparentes possível de todas quantas existem nos países onde vigoram. Numa palavra: transparência na vida pública, dando a conhecer os seus interesses e o património de todos quantos, no dia-a-dia, gerem ou influenciam os destinos dos dinheiros que generosamente lhes são concedidos.

Se as monarquias não forem transparentes continuarão a ser implacavelmente castigadas por suspeitas de corrupção, verdadeiras ou falsas. E isto é tanto mais verdade quanto é sabido que, nos tempos que correm, se encontram cada vez mais sob escrutínio da opinião pública, de nada lhes servindo reinar como se estivessem acima e tudo e de todos. Os tempos do absolutismo há muito que já lá vão, e se quiserem sobreviver têm de se portar como a mulher de César, isto é, mostrando-se exemplares no contacto com as coisas deste mundo. Só assim poderão sobreviver.

Se a seriedade e prudência imperarem, os males por que actualmente passa a Coroa espanhola não voltarão a repetir-se. O Caso Nóos quase que lhe foi fatal. Esperemos agora que, doravante, os seus membros, ativos e retirados, tenham presente que o dinheiro deve ser ganho com honestidade e que, desse modo obtido, a riqueza não é desonra."

 

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