Morreu o dramaturgo e encenador João Silva
O dramaturgo e encenador João Silva, fundador do Grupo de Teatro Terapêutico do Hospital Júlio de Matos, morreu na segunda-feira, em Lisboa, anunciou esta estrutura na sua página no Facebook.
© Facebook/ Grupo de Teatro Terapêutico
País Teatro
'É com pesar que comunicamos a todos os nossos amigos o desaparecimento do nosso Encenador, João Silva. Iremos prestar as condolências, na igreja da Nossa Senhora de Fátima', em Lisboa, lê-se na mensagem do Grupo de Teatro Terapêutico (GTT), que adianta a realização do funeral, hoje, às 14h00, no Cemitério dos Olivais, onde será feita a cremação.
João Silva nasceu em Lisboa, iniciou a carreira teatral na Casa da Comédia, onde se estreou como ator na 'Farsa de Inês Pereira', em 1964, e de onde partiu para criar o Grupo de Teatro Terapêutico do Hospital Júlio de Matos (GTT), em 1968, há 50 anos, por convite de um grupo de médicos e de doentes da instituição.
Quando questionado sobre a idade, a resposta era imediata: 'Esquece lá isso'.
A estreia do grupo e de João Silva, como encenador, ocorreu em dezembro de 1968, com 'Óleo', do dramaturgo Eugene O'Neill, a que se seguiu, poucos meses depois, 'Torno', de Luigi Pirandello.
Foi o início de uma colaboração que se manteve até à morte de João Silva, uma colaboração quase exclusiva, segundo a Base de Dados do Centro de Estudo de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e que teve o último ato na estreia de 'Casulo', no passado mês de abril, uma 'leitura-análise' de discussões e conversas dos utentes do GTT, concebida pelo encenador.
Depois da estreia dos dois primeiros espetáculos, a companhia sobreviveu com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que permitiu, em 1970, a montagem de 'Caleidoscópio', de Eduardo Gama.
Seguiram-se, em 1972, 'A traição do padre Martinho', de Bernardo Santareno, projeto suspenso pela censura da ditadura, e, em 1973, a adaptação de 'Calígula', de Albert Camus, que só após o 25 de Abril de 1974 seria levada a cena, na versão integral.
'Médico à força', de Molière, que João Silva interpretara na Casa da Comédia, deu continuidade ao GTT, em 1976, antes de 'O Principezinho', em 1978, a primeira produção sem apoios externos ao Hospital Júlio de Matos, que assinala igualmente a estreia da companhia em palcos externos, com a representação no Teatro da Comuna, segundo a cronologia do grupo.
'Perseguição e Assassinato de Jean Paul Marat', de Peter Weiss, abriu a década de 1980, que contou com 'Murmúrios do Capuchinho Vermelho', texto de João Silva inspirado no conto tradicional, 'As sete notas mágicas' e 'Neblina', apresentada em 1988, no Teatro Maria Matos, a partir de 'Frei Luis de Sousa', de Almeida Garrett, e 'Carmen em tragicomédia no Luna Parque', sobre Prosper Merimée.
Em 1991-1992, João Silva concebe 'As Magnólias', projeto levado à cena em diferentes instituições e salas de espetáculo, cujo texto, da sua autoria, resultou por inteiro de sessões de grupo.
O processo teve continuidade em 'Memórias de Bichos e Gente', peça estreada na Culturgest, em 1994, 'Tolerar os Tolos' (1997), 'A Muralha' (2001), 'Sonhos sem Freud' (2002), 'Tordos à deriva' (2004), 'A Borralhona' (2005), 'A nossa quinta' (2006), 'No cais' (2008), 'Noturnos' (2013), 'Torcicolo' (2017) e, por fim, 'Casulo' (2018).
Em 2009, 'Limiar' - sobre o limiar da doença e da loucura - levou o GTT e João Silva, pela primeira vez, ao palco do Teatro Nacional D. Maria II.
Em abril, o GTT contava 18 elementos, metade homens e metade mulheres, entre os 22 e os 60 anos de idade, pessoas em regime de internamento ou de tratamento ambulatório, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, e ex-doentes da unidade hospitalar.
'Cada peça de teatro é trabalhada em criatividade e em idêntico profissionalismo como as demais', mas sem nunca descurar o lado terapêutico, disse então João Silva à agência Lusa. O projeto 'é simultaneamente uma terapia e uma libertação pela arte, o teatro'.
O realizador Rui Simões dirigiu o documentário 'Teatro de Sonhos', sobre João Silva e o trabalho do grupo.
Em 2016, João Silva publicou a peça 'Vigilantes', na editora Cavalo de Ferro.
Hoje, os atores ofereceram a João Silva '50 rosas que celebram este projeto', uma por cada ano do GTT, do qual foi fundador e líder.
'Estamos todos aqui, unidos, para dar continuidade ao seu trabalho exemplar', lê-se na mensagem.
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