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"Os piratas portugueses não querem pagar, são 'chicos espertos'"

António Paulo Santos, presidente da Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Os piratas portugueses não querem pagar, são 'chicos espertos'"
Notícias ao Minuto

08:40 - 17/04/18 por Patrícia Martins Carvalho

País António Paulo Santos

Vários peritos internacionais estiveram, na sexta-feira, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, para debater a crise que os direitos de autor atravessam.

A esse propósito, conversámos com o presidente da Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores que nos revelou algumas das conclusões do Relatório de Atividades da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais que constam de um estudo recente.

Nesta entrevista, António Paulo Santos destaca o facto de não haver “nenhum país no mundo que tenha bloqueado tantos sites piratas como nós”, admitindo que a pirataria “nunca vai acabar”. O que se pode fazer, sublinha, é dirimir as consequências causadas por este “roubo”.

Quando se fala em pirataria, defende, não se pode esquecer a violação dos direitos de autor dos jornalistas, já que o Google, por exemplo, disponibiliza os conteúdos na internet sem que haja uma “compensação” a quem de direito.

Quais são as principais conclusões do Relatório de Atividades da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais ?

O relatório mostra-nos que temos um número absolutamente extraordinário, no que diz respeito ao combate à pirataria, com o bloqueio de mais de mil milhões de links que apontavam para igual número de obras audiovisuais. O memorando de entendimento que possibilitou estes bloqueios é um sistema de autorregulação que é um verdadeiro instrumento de prevenção criminal.

Pode dizer-se que é um instrumento de sucesso?

É, inclusive, um exemplo apontado como a melhor prática a nível internacional com resultados excelentes, pois metade dos sites bloqueados acaba por sair da internet. É preciso ver que os sites com conteúdos ilegais configuram um crime de usurpação e o que estamos a fazer é, sem recorrer à via judicial, bloqueá-los sem que ninguém seja constituído arguido. E estamos a falar de um projeto que não trouxe qualquer conflitualidade, pois há um cuidado enorme na recolha e identificação dos conteúdos.

Os grandes motores de busca/players da rede faturam milhões em publicidade à conta de conteúdos jornalísticos, cinematográficos, musicaisQuando se fala em ataques à propriedade intelectual na internet estamos a referir-nos concretamente ao quê?

Quando se fala em ataques não nos referimos apenas à pirataria, estamos também a falar do direito de autor na sociedade de informação. Os grandes motores de busca/players da rede faturam milhões em publicidade à conta de conteúdos jornalísticos, cinematográficos, musicais, etc. Eles faturam milhões porque são milhões de horas de obras audiovisuais, por exemplo, que todos os anos são colocadas na rede sem que os titulares de direito, isto é, aqueles que as criaram, produziram e estiveram envolvidos no processo de elaboração sejam compensados.

O que está em discussão sobre esta questão?

Por um lado, o que se pretende com esta discussão é que estes prestadores de serviços em rede tenham uma ação mais proativa e preventiva na identificação de conteúdos ilegais, impedindo logo à priori a entrada destes conteúdos na rede. Por outro lado, é que seja criado um mecanismo de compensação para aqueles que vivem da e na indústria cultural, obrigando estas entidades a pagar-lhes uma licença de utilização. O que está em discussão é basicamente isto: estas entidades faturam milhões à conta de obras de terceiros que não são compensados pelos seus trabalhos.

Não deveria existir uma entidade responsável pela regulação deste setor?

Estou convicto de que não há capacidade de investigação e identificação global para uma situação destas. Até porque a rede tem uma natureza transnacional, portanto posso estar a colocar filmes na Turquia para ver em Portugal e assim estou a prejudicar o mercado nacional. O que se pode fazer é tentar minimizar os prejuízos e corresponsabilizar estas entidades pelo uso de conteúdos ilegais.

Antes de responsabilizar o consumidor individual…

A ideia é responsabilizar ao mínimo o consumidor individual. Estamos a falar de crime, mas não perseguimos ninguém, o que fazemos é bloquear os acessos. Nada mais. Chama-se prevenção criminal.

Não há país nenhum no mundo que tenha bloqueado tantos conteúdos como nósA solução passa apenas por bloquear os sites?

Não. A solução para acabar com a pirataria não é só bloquear, mas a verdade é que este mecanismo foi o que se revelou mais positivo e eficiente. E estamos a falar a nível mundial. Não há país nenhum no mundo que tenha bloqueado tantos conteúdos como nós. Quando foi criado este mecanismo foi também criado um portal de ofertas legais e foram feitas campanhas para alertar para esta situação, porque a literacia também é um fator importante a ter em conta.

E o streaming?

Nós temos problemas de pirataria no streaming gravíssimos relativamente às exibições desportivas de futebol. Isto é de tal maneira grave que há mais acessos ilegais do que acessos legais.

Mas não ajudou a diminuir a taxa de pirataria?

Nos acessos legais claro, pois havendo acesso facilitado a conteúdos legais a pirataria baixa e a verdade é que as vendas digitais do mercado da música subiram extraordinariamente, exatamente como reflexo direto da descida na pirataria da música. Quanto aos filmes ainda não estamos nesse estádio, mas para lá caminhamos também.

A pirataria, tal como o crime, nunca vai acabar. O que é importante é combatê-la no sentido de minimizar os efeitos perversos que temA pirataria vai eventualmente acabar?

Não, a pirataria, tal como o crime, nunca vai acabar. O que é importante é combatê-la no sentido de minimizar os efeitos perversos que tem, pois a pirataria coloca em causa a manutenção de postos de trabalho e de empresas da área. É isto que se pretende salvaguardar. Mas sabemos que não há soluções mágicas para o que quer que seja. Enquanto houver sociedade vai haver crime.

Qual é o setor mais visado pela pirataria?

Filmes e música, claramente. Depois, os jogos de futebol também têm um papel importante e os jornais têm problemas gravíssimos com a publicação de notícias pelo Google. Há ainda o roubo de sinal de canais de televisão também a ser muito importante.

Disse que quanto maior é a oferta legal, menor é a taxa de pirataria. Então porque é que essa oferta ainda é escassa?

É preciso ver que todos os conteúdos que são pirateados são disponibilizados legalmente. Mas o que motiva a pirataria de filmes não é só o ter acesso, é ver em primeiro lugar, porque quanto mais depressa as pessoas virem determinado filme melhor. As pessoas não querem esperar que aquela série dos Estados Unidos chegue legalmente a Portugal.

Identificada a origem da pirataria não deveria estar a ser pensado um sistema que...

Se fosse assim tão simples já haveria um sistema.

Interesses instalados digo-lhe já que não há, o que há é roubo instalado e isso não podemos tolerar

É uma questão de não ser simples ou há interesses instalados?

Interesses instalados digo-lhe já que não há, o que há é roubo instalado e isso não podemos tolerar. Um filme português, por mais pequeno que seja, dá emprego a 200 ou 300 pessoas e tem de ser rentabilizado. Neste momento já não se coloca a questão de não haver filmes disponíveis em plataformas legais, agora, gratuitos… temos pena! Podem haver alguns, mas só se os titulares dos direitos assim o quiserem. Isto é uma questão ética e de cidadania.

Os piratas portugueses são pessoas que têm poder de compra, têm dinheiro, mas que não gostam de pagarQuem são os piratas portugueses?

São pessoas que têm poder de compra, têm dinheiro, mas que não gostam de pagar. São os chamados ‘chicos espertos’, os que querem ver em primeira-mão, porque este é um dos principais motores da pirataria.

A literacia é um fator crucial?

A literacia continua a ser muito importante. Há pessoas que recorrem à pirataria porque não sabem, nem têm consciência, das consequências que isso acarreta. Acredito seriamente que muitas das pessoas que recorrem a sites de filmes ilegais estão convictas de que não estão a cometer qualquer ilegalidade exatamente por falta de informação. Estou convicto de que há pessoas que, a partir do momento em que souberem que é ilegal, não voltam a fazer. A esmagadora maioria das pessoas é seria.

É uma questão geracional?

Sim, também é. As gerações mais novas habituaram-se à gratuitidade da internet e agora é difícil convencer estas pessoas, que toda a vida fizeram o download de filmes da internet, que não é correto. Apesar de dizer que a pirataria nunca vai acabar, estou convencido de que vai baixar por evolução social.

Sem proteção da propriedade intelectual não há criatividadeO que beneficiaria as indústrias culturais.

Isto é importante porque as indústrias culturais em Portugal são responsáveis por quase 3% do PIB e são responsáveis por mais de 200 mil postos de trabalho. É muita gente que vive disto, tem a ver com as nossas famílias, com as empresas à nossa volta. Se não se der alguma proteção a estas questões corremos o risco de ver algum familiar ou amigo desempregado.

E mais: sem proteção da propriedade intelectual não há criatividade.

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