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Fado de professora portuguesa está a correr mundo com famosa série

Fadista há mais de 25 anos e professora de Educação Visual a tempo inteiro, Piedade foi surpreendida ao ver a sua música 'Fado Boémio e Vadio' integrar a banda sonora do novo sucesso da Netflix, 'A Casa de Papel'. Em entrevista ao Notícias ao Minuto confessa que soube "por acaso" e não é dinheiro que quer, mas sim "espetáculos". Para já mudanças só na sala em que dá aulas.

Fado de professora portuguesa está a correr mundo com famosa série
Notícias ao Minuto

07:00 - 07/03/18 por Tiago Miguel Simões

Cultura Netflix

A série espanhola produzida pela Antena 3 começou por fazer sucesso em Espanha até que a Netflix adquiriu os direitos de distribuição e a levou a 190 países e a mais de 100 milhões de espetadores por todo o mundo. Mas não foi apenas o flamenco que 'A Casa de Papel', que retrata um assalto à Casa da Moeda Espanhola em Madrid, levou neste passeio global. Levou também o fado. Mais concretamente, o ‘Fado Boémio Vádio’ cantado por Piedade Fernandes, e um dos temas que integra a banda sonora do novo sucesso da Netflix.

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com Piedade que, tal como os fãs da série, foi surpreendida com a escolha do seu tema. A fadista, atriz e professora de Educação Visual, de 53 anos, revelou mesmo ter descoberto a escolha da canção lançada há 20 anos “por acaso”.

Eu nem sabia que isto estava a passar porque eu não tinha Netflix. A Câmara de Setúbal está a fazer algumas entrevistas com pessoas conhecidas em Setúbal, e uma das pessoas que estava a filmar perguntou-me se eu tinha Netflix. Eu disse que não. ‘Então e A Casa de Papel não lhe diz nada?’ Não por acaso não. ‘Então procure, porque eu vi a série e a certa altura no quinto episódio aparece um fado e eu acho que é a Piedade a cantar”, revelou Piedade, contando depois a história deste tema.

“Este fado [que abre o quinto episódio da série] pertence a um CD que gravei há uns anos [1998] para uma editora belga que já nem existe. Mudaram para outra editora e depois venderam os direitos à Universal. Todo o CD ficou integrado numa plataforma onde se pode ir buscar músicas. Na altura foi-me dado um cachet, ainda em escudos, para eu cantar aquele CD. A ideia foi do Nuno Nazaré Fernandes. Ele gostava muito da minha voz e fez um trabalho para mim, um CD inteiro, onde ele compôs a maior parte das letras, outras são do Henrique Amoroso, que já faleceu, e do Nuno Gomes dos Santos”, recordou, adiantando que não foi informada nem ganhou um único cêntimo com a inclusão da música numa das séries mais famosas do momento.

E porquê? “Eu assinei um contrato em que prescindia dos direitos de publishing. Foi-me pago um cachet para dar a voz para ser interprete daqueles temas e nunca me passou pela cabeça que isto tivesse o alcance que teve”, reconheceu.

Assim sendo, e uma vez que não recolhe quaisquer dividendos deste sucesso, Piedade Fernandes continua a dar aulas de Educação Visual e à espera de concertos que teimam em não chegar. Da série, só conseguiu falar com o produtor Alejandro Bazzano via Facebook. “Eu já me tornei amiga de um dos produtores da série e ele apenas me disse que gostou muito da música, que eu tinha uma voz muito bonita e que aquele fado se adequava porque ali, naquela cena que é muito dramática, ele queria um fado e queria um fado que não fosse muito triste, que fosse ameno, para suavizar um pouco a situação dramática que estava a acontecer”, confidenciou. 

Notícias ao Minuto"Até agora nada", confidenciou Piedade que não quer dinheiro, apenas concertos© Facebook/ Piedade Fernandes

Ao que parece, esta não é a primeira vez que a fadista é surpreendida devido a este tema, mas nunca com esta dimensão. “Em Portugal já fez parte da banda sonora da novela ‘Baía das Mulheres’ e já apareceu noutras novelas como o ‘Amor Maior’, em ‘Bem-Vindos a Beirais’, e também no Jogo Duplo que está a passar na TVI. Já fez parte de um anúncio de automóveis. Já me disseram que ouviram num filme”, tudo sem que fosse informada e é aqui que entra a ‘guerra’ burocrática. 

Eu como autora não posso reivindicar nada porque não sou autora. Eu só posso reivindicar através de GDA - a Gestão do Direito dos Artistas, como criadora porque aquilo foi feito para mim, fui a primeira pessoa a cantar, fui eu que dei a voz e só nos canais portugueses. A GDA em relação a anúncios, em relação a estações estrangeiras só através do gabinete jurídico. Esta é uma série espanhola feita pela Antena 3 e que depois foi divulgada pela Netflix para todo o mundo. Em relação à televisão por cabo a GDA também não pode fazer nada”, lamentou Piedade, acrescentando ainda assim que a escolha “é prestigiante e eu agradeço o reconhecimento. Nesta plataforma de músicas do mundo deve haver muitos fados e pessoas a cantar”. 

Piedade nunca tinha ouvido falar da série mas tornou-se inevitavelmente fã, confessou ao Notícias ao Minuto. “Vi a primeira temporada toda de uma vez, agora estou ansiosa para ver o resto. Eu não quis ver só o episódio em que entro a cantar, falavam tanto desta série que eu quis ver do princípio”, afirmou, confessando depois: “Fui ao quinto episódio só para ver aquele princípio onde cantava, mas depois comecei a ver do princípio”. 

Notícias ao Minuto"Até já olham para mim assim com outro ar", disse a professora de Educação Visual sobre os seus alunos© Facebook/ Piedade Fernandes

O sucesso da sua música tornou-se global. Curiosamente, foi na sala de aulas onde sentiu o maior impacto da integração do ‘Fado Boémio Vadio’ na famosa série espanhola. “Eles [alunos] são seguidores da série, mesmo aqueles assim mais pintas, mais crescidos perguntam-me: ‘Oh stôra é mesmo a stôra a cantar na 'Casa de Papel’? Até já olham para mim assim com outro ar. É engraçado como isto mexe com as pessoas e comigo também”. 

Sobre o impacto que esta surpresa poderá ter fora da escola onde leciona, Piedade Fernandes só pede uma coisa: concertos. “Não quero dinheiro. Não estou à espera de tirar dividendos disto, mas pelo menos, com esta visibilidade, que apareçam os espetáculos. Falta-me a máquina”, explicou, confidenciando depois que “ainda não me apareceu nada”

Ainda assim, a fadista pretende dar tempo ao tempo. “Isto é tudo muito recente. O Nuno Nazaré Fernandes está com muita vontade de regravar o CD. Falar com a Universal, falar com o Tozé Brito para ver se há algum interesse nisso. O CD tem músicas lindíssimas e que estão perfeitamente atuais”. 

Muitos dos seguidores da série podem não conhecer o nome de Piedade Fernandes, mas a sua carreira já leva mais de 25 anos. “Eu fiz muita televisão, depois de 1993, ano em que concorri à Eurovisão. Entrei em dois episódios do Lá Féria quando ele fez o ‘Cabaret’. A minha carreira começou pelo teatro em Setúbal, depois participei no Festival da Canção, gravei um CD de música ligeira, gravei depois este para o estrangeiro. Também participei noutro CD de músicas do mundo. Até há bem pouco tempo cantava em Lisboa todas as noites, agora nem tanto. Já tenho ido ao Casino do Estoril às quartas-feiras de Fado. Trabalhei com o Luis Aleluia, na revista, onde cantava este fado”, contou-nos a professora fadista que também já deu vários concertos em Espanha. “De 2000 a 2011 fiz espetáculos em Espanha. Eram os melhores espetáculos da minha vida. Corri Espanha de Norte a Sul”, recorda. 

Com 'A Casa de Papel’ a voz de Piedade carimbou passaporte para 190 países. Uma vitória da artista e do fado. Em troca, apenas pede que venham de lá os concertos, a sua "máquina".

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