Meteorologia

  • 19 ABRIL 2024
Tempo
15º
MIN 14º MÁX 21º

A missão (quase) impossível de arranjar um lar para um animal abandonado

Se encontrar um animal perdido ou abandonado na rua, prepare-se para as (muitas) dificuldades que poderá sentir até lhe encontrar um novo lar. As entidades competentes não têm condições para receber mais animais e a resolução do problema fica, assim, nas mãos de quem encontra os patudos.

A missão (quase) impossível de arranjar um lar para um animal abandonado
Notícias ao Minuto

07:55 - 12/11/17 por Goreti Pera

País Redes Sociais

Fabiana Oliveira chegava ao local de trabalho, nos arredores de Lisboa, quando encontrou um cão perdido ou abandonado. O mau cheiro, a magreza e o estado do pelo do animal denunciavam os poucos cuidados a que era sujeito desde há vários meses.

O primeiro contacto que travou foi com o SEPNA. O Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente é a secção da GNR que se dedica à proteção ambiental e que está capacitada para fazer a recolha de animais. Para que tal aconteça, porém, é preciso que haja um canil com espaço disponível para receber os patudos.

Coube, então, à jovem de 26 anos encontrar um espaço que acolhesse o animal que encontrou. A primeira tentativa recaiu, por conselho do SEPNA, sobre o canil municipal de Lisboa, que dá pelo nome de Casa dos Animais de Lisboa. Mas a resposta foi pouco animadora: por falta de espaço, seria impossível efetuar a recolha.

Dado que se encontrava no Prior Velho, pertencente ao concelho de Loures, fez uma segunda tentativa junto do canil do município. A resposta deixou-a surpreendida: as instalações estavam cheias e, por esse motivo, os funcionários não tinham condições para recolher a cadela. Isto apesar de a legislação ditar que os canis são os responsáveis por recolher os animais encontrados na sua zona de jurisdição.

Durante vários anos, Fabiana dedicou-se ao voluntariado em associações animais. Mas estava longe de imaginar as dificuldades com que se deparam as pessoas que, por casualidade, encontram animais perdidos na rua.

Notícias ao MinutoKatty, após ser encontrada na rua© Fabiana Oliveira

A impotência das autoridades

“Depois de ligar para dois canis, contactei a PSP, que encaminhou o meu pedido para a esquadra da zona. Lá, disseram-me que naquela esquadra já acolhiam um animal que haviam recolhido há vários dias e que não tinham a quem entregar. Tentei ligar para a SOS Animal, mas não foi sequer possível fazer a chamada. Entretanto, nas redes sociais, entrei em contacto com o IRA (grupo de Intervenção e Resgate Animal), o PAN (Partido Pessoas-Animais-Natureza) e a associação Animais de Rua. Deram-me informações úteis, mas que, na prática, não me serviram de muito”, contou, em declarações ao Notícias ao Minuto.

“Liguei novamente para o SEPNA, que, depois de saber de todos os contactos que travei, fez uma denúncia de maus tratos/abandono de um canídeo no Comando Metropolitano de Lisboa da PSP. No final do dia, recebi um e-mail a informar-me que iriam ser tomadas as devidas diligências. Mais tarde, a queixa foi arquivada”, relatou.

Esta é apenas uma das várias Kattys que todos os dias podem ser encontradas por mim ou por qualquer um de nós na estrada. E, quando isso acontece, sentimo-nos impotentes. As informações estão dispersas e os organismos competentes, apesar da legislação, não têm capacidade para dar seguimento aos casos. Ainda há muito a fazer em Portugal no que toca aos animaisA resolução do problema que tinha em mãos era, contudo, premente. A cadela encontrada numa rua do Prior Velho encontrava-se num espaço vazio do prédio da empresa onde Fabiana trabalha, para evitar que lhe perdessem o rasto. Mas estava coberta de pulgas e precisava de cuidados para poder ser colocada num espaço digno.

Juntamente com a mãe de um colega de trabalho, Fabiana deslocou-se a uma clínica veterinária para ler o microchip do animal, tosquiá-lo e desparasitá-lo. A despesa rondou os 40 euros e teve de ser suportada por ambas. Depois de saber quem era o dono do animal encontrado, a veterinária travou o contacto.

Após algumas dificuldades de coordenação, a cadela Katty passou uma noite na casa de Fabiana (que é dona de um labrador) e pôde ser devolvida, no dia seguinte, à família. Tem um ano e três meses, havia sido roubada em Castelo Branco no verão passado e, no Natal, deverá regressar com os donos a França.

Notícias ao MinutoO durante e o após a visita de Katty ao veterinário© Fabiana Oliveira

Encontrei um animal na via pública. O que devo fazer?

Se encontrar um animal abandonado ou perdido na rua, poderá ter em mãos “um problema de muito difícil resolução”. O alerta é dado pelo bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, convicto das dificuldades que atravessam praticamente todos os centros de recolha oficiais (vulgarmente chamados canis) espalhados pelo país.

“Por princípio, têm obrigação de recolher os animais, mas não têm capacidade para o fazer, porque estão sobrelotados. É triste, porque não têm como cumprir a lei”, explicou Jorge Cid ao Notícias ao Minuto.

Os relatos que chegam à Ordem dos Médicos Veterinários são pouco animadores. “Quando uma pessoa encontra um animal, toda a gente lhe fecha as portas. Ninguém tem capacidade de o receber, sobretudo se for de grande porte. Nem mesmo as associações. Está tudo sobrelotado”.

Os alertas do representante dos veterinários, do Projeto Defesa Animal da PSP e do PAN – Pessoas-Animais-Natureza permitem elaborar um conjunto de conselhos que devem ser seguidos por aqueles que encontrem animais de estimação na via pública.

O primeiro passo é deslocar-se ao canil municipal da zona onde foi encontrado o animal para registar a denúncia e verificar se tem microchip. Mas, uma vez que é grande a probabilidade de o centro de recolha oficial não o poder acolher, poderá analisar o chip instalado no pescoço do animal em qualquer clínica veterinária.

No caso de haver microchip, são os funcionários do canil quem deve contactar os donos e certificar-se de que o cão ou gato lhes é devolvido. Caso tenha recorrido a um veterinário, a entrega deve ser mediada pela pessoa que o encontrou.

Há, porém, situações em que não é possível identificar os donos, como constata o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários. “Além de haver animais sem chip, alguns não têm dono associado. Uma dificuldade adicional é o facto de haver duas bases de dados distintas: uma do sindicato e outra do Estado, que não comunicam entre si”, referiu Jorge Cid.

Nos casos em que não é possível identificar ou contactar o dono do animal, é a pessoa que o encontrou que fica como sua responsável e que tem de encontrar uma associação que o acolha ou alguém que o adote.

Porém, nas situações em que há suspeitas de maus-tratos ou abandono, deve ser feita uma denúncia à PSP ou GNR, cabendo às autoridades investigar o caso. A confirmarem-se as suspeitas, a pessoa que encontrou o animal pode recusar-se a entregá-lo ao dono. Mas pode haver lugar a um processo judicial (dependente de provas) caso o dono do animal reclame a devolução.

Canis municipais não conseguem receber mais animais

Esta realidade não é nova e já foi, de resto, relatada pelo Notícias ao Minuto. Em meados de outubro, duas jovens encontraram uma cadela abandonada quando faziam uma caminhada em Carnide. Após contactar a Casa dos Animais de Lisboa e de terem sido informadas de que “a lotação estava esgotada”, conseguiram encontrar uma pessoa que adotasse Nita.

Segundo Cristina Rodrigues, coordenadora do gabinete de ação jurídica do PAN, “há muitas situações em que não há centros de recolha oficial ou em que estes estão sobrelotados. Assim, o que têm feito é definir prioridades. Um animal que está em perigo ou que é um perigo para os outros animais ou pessoas é prioritário em relação a outro que, por exemplo, seja alimentado pelos habitantes de um bairro”.

No partido com representação parlamentar, a convicção que prevalece é que “este problema deriva de vários problemas” e não se resolve “de um dia para o outro, mas com tempo e com uma sensibilização das pessoas contra o abandono, contra os maus-tratos e a favor da esterilização”.

O caminho tem sido “acatar cada dificuldade isoladamente, com o objetivo final de reduzir a sobrepopulação de animais em Portugal. Proibimos o abate a animais nos canis, impusemos uma política de esterilização e apresentámos uma iniciativa com vista à regulação da compra e venda de animais”, afirmou, em declarações ao Notícias ao Minuto, Cristina Rodrigues.

Segundo a representante partidária, foi ainda “aprovada uma verba de um milhão de euros a ser distribuída pelos municípios que não tenham centros de recolha ou cujos centros precisem de obras. 500 mil euros já estão consignados e as câmaras têm até 15 de novembro para se candidatarem a receber cinco mil euros para compras de equipamento para esterilizações ou para obras de melhoria nos canis. Até ao final do ano serão liberados os restantes 500 mil euros”.

A representante do PAN refere ainda que, no período de apresentação de propostas para o Orçamento do Estado para 2018, será sugerida uma campanha nacional de esterilização de animais, que incidirá não apenas sobre os animais errantes mas sobre todos aqueles cujos donos tenham poucas capacidades financeiras.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório