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"Estudar cerveja é estudar história, é estudar economia"

Beatriz Carvalho, primeira sommelier portuguesa, revelou ao Lifestyle ao Minuto um pouco do vasto mundo da cerveja.

"Estudar cerveja é estudar história, é estudar economia"
Notícias ao Minuto

08:00 - 21/10/17 por Vânia Marinho

Lifestyle Beatriz Carvalho

No fim de semana em que se realiza o The Beer Call, evento que junta especialistas em cerveja, profissionais da restauração e amantes da ‘bebida dos Vikings’ em provas, workshops e conferências na Lx Factory, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Beatriz Carvalho, primeira beer sommelier portuguesa.

O que é que faz um sommelier de cerveja?

Um sommelier de cerveja divulga a cultura da cerveja, conhece o seu processo de produção, os vários estilos de cerveja, sabe recomendar nos pontos de venda. Serve muito de interface entre a produção e o mercado, que são dois mundos às vezes um pouco distantes.

Acho que se tivesse de definir de forma sucinta diria que é comunicar a cerveja.

Está sempre a estudar a cerveja ou conhecer os vários tipos de cerveja é suficiente para as conhecer a todas?

Sou júri bjcp e para tirar esse curso estudei vários temas ligados à cerveja. Existe um guia de estilos, onde estão mais de 117 estilos, e cada um deles está descrito em termos de especificações, como concentração, teor de álcool, amargo, cor, aparência, aroma, sabor, etc.

Se uma pessoa conhecer essas regras consegue provar e identificar qualquer cerveja. Eu não penso muito em marcas, penso no estilo da cerveja.

Por exemplo, se for uma cerveja IPA (India Pale Ale) é uma cerveja intensa, amarga, aromática, seca. Ao provar uma marca, mais do que a marca estou a pensar no estilo da cerveja e tento fazê-lo da forma mais isenta possível.

Como surgiu a ideia de se dedicar à cerveja? Era uma paixão antiga?

Não, foi por acaso. Eu sou engenheira química e inscrevi-me num estágio e chegou-me a casa uma carta com a indicação que seria na Unicer [empresa portuguesa de negócio de cervejas e águas engarrafadas que detém a marca Super Bock]. Eu nem sabia o que era a Unicer. Vivia em Lisboa e sempre disse que não queria sair daqui e muito menos queria ir para uma empresa que eu não conhecia, mas depois fui lá visitar e gostei tanto que fiquei. Ai trabalhei as áreas técnicas todas.

Vivia num mundo muito técnico, mas depois decidi fazer o curso de sommelier e aí dei o salto que mudou o meu percurso. Foi quase uma porta aberta para o exterior. Aos poucos comecei a fazer trabalho com chefs e a comunicar as cervejas às cervejas também através da comida.

Comecei a desenvolver outros trabalhos na área na própria cultura da cerveja, a trabalhar conceitos… Portanto, penso muito a cerveja. Ainda assim sei muito pouco.

A cerveja tem muita história…

Estudar cerveja é estudar a história de vários países, é estudar economia também…

A mim interessa-me muito estudar como é que os estilos apareceram, como é que mudaram. A cerveja vai-se moldando aos tempos e não tem só a ver com os ingredientes disponíveis. Todas as condições económicas, sociais, culturais, etc., tiveram um grande impacto. E o cervejeiro, no fundo, adapta-se tentando fazer a melhor cerveja tendo em conta as circunstâncias em que se encontra.

A seguir à revolução industrial a ciência chegou às fábricas e apareceu o estilo Pilsner e a partir daí a globalização e os melhores transportes ajudaram essa cerveja a massificar-se e o mercado ficou muito homogéneo.

Mas cerca da década de 80 começou a aparecer o movimento ‘craft’ nos Estados Unidos. É muito engraçado que este movimento nasce com a internet. Ou seja, o movimento craft é uma reação à digitalização, como em várias áreas, foi uma forma de humanização. Nesta quarta revolução industrial as coisas quase que andaram um pouco para trás e com muita criatividade.

As pessoas começaram a pesquisar e a ganhar interesse de experimentar fazer a sua própria cerveja. É interessante que este movimento tenha surgido nos Estados Unidos porque como lá tiveram a lei seca, em tempos havia quem fizesse a sua cerveja em casa e, no fundo, a internet trouxe esse bichinho de volta.

Nos Estados Unidos os concursos de cerveja movem e apaixonam mesmo muitas pessoas.

Porque é que há tantas cervejas diferentes? Depende dos ingredientes?

Depende dos tipos de malte utilizados, dos grãos, dos tipos de lúpulos e das suas quantidades, do próprio momento em que se acrescentam os ingredientes. Depende se é usado centeio, trigo ou outros ingredientes sem ser o malte. Também depende do processo de confeção, da própria levedura, pois a estirpe influencia a cerveja pela fermentação de açúcar, podendo torná-la mais ou menos doce. Há um sem fim de possibilidades para criar cerveja e por isso existem tantos tipos.

Sendo que há grandes marcas que já têm opções artesanais ou edições especiais, como é que se distingue uma cerveja industrial de uma cerveja artesanal?

Quando se fala em cerveja industrial, acho que se pensa mais em cerveja ‘mainstream’. Uma cerveja mais indiferenciada, mais leve, uma Pilsner. Em todo o mundo as cervejas mais vendidas são cervejas assim. No início do século XX havia três estilos de cerveja, essencialmente: Brown German Lager, Pale American Lager e British Pale Ale.

No fim do século a quantidade do tipo American Lager, que leva grãos crus, invadiu o mercado. Os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido produziam muito essa cerveja, mas neste momento essa fatia reduziu muito e temos países como a China, o México, etc a produzir e se olharmos de longe para a produção mundial quase só vemos cerveja Pilsner. Isso também provocou a reação, esta reação craft. Porque as pessoas começaram quase a esquecer-se de que havia outras cervejas.

As mais vendidas continuam a ser essas mais indiferenciadas, mas existe espaço para as outras.

As pessoas associam muito a cerveja industrial a essa cerveja, mas eu posso fazer qualquer cerveja artesanal de forma industrial.

O industrial é visto de uma forma negativa e eu não tenho essa opinião. Tenho a experiência industrial, mas também a experiência de pequena dimensão. O processo básico é muito semelhante, independentemente da escala.

Acho difícil, não por razões de qualidade mas de custos, uma grande cervejeira fazer milhares de litros de uma cerveja artesanal mais diferenciada e de nicho porque o mercado não escoa a produção.

Como em tudo na vida a massificação dá-se mais nas coisas que são mais consensuais. É assim com a cerveja, com a música, etc.

São mundos que não são opostos nem se excluem um ao outro. Há espaço para cervejas mais indiferenciadas e também para cervejas mais especiais.

Incluiria as edições especiais das marcas mais vendidas em Portugal na categoria de artesanais ou elas criam uma categoria intermédia?

É difícil estar a dar a minha opinião quando fui eu que as desenvolvi. Mas sei como é que foi feito, em que escala é que foi feito, como foi o processo de confeção e não vejo por que razão é que não será considerada cerveja artesanal. Psicologicamente, as pessoas se calhar pensam que não é por ser produzida numa grande fábrica, mas aquilo é um enclave numa fábrica. Se for à fábrica e visitar a instalação vê que as caldeiras e as cubas destas cervejas especiais são muito mais pequenas.

Não é fácil para uma marca grande aparecer com a veste artesanal, mas eu sei o que lá está e o que foi investido em termos de tempo e atenção à cerveja.

Mas há uma grande diferença em relação ao preço de outras cervejas artesanais…

Isso são as vantagens de ser grande… Consegue-se fazer uma cerveja especial sem ter custos tão elevados e isso claro que afeta o preço. Uma empresa que compra toneladas de malte claro sai-lhe a um preço que não tem nada a ver com uma empresa que compra 500 quilos de malte. É uma questão de escala. No entanto, os lúpulos e os tipos de malte que são usados nas cervejas especiais das marcas grandes não são os mesmo dos que são usados nas cervejas produzidas em grande escala.

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