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"Um cidadão não pode estar sempre com um rótulo de condenação na testa"

O Vozes ao Minuto foi ao encontro de Narciso Miranda. O ‘Senhor Matosinhos’ quer regressar à vida política e ser presidente no concelho que diz conhecer “como a palma das mãos”.

"Um cidadão não pode estar sempre com um rótulo de condenação na testa"
Notícias ao Minuto

08:15 - 20/09/17 por Goreti Pera

Política Narciso Miranda

Há 12 anos longe dos destinos do concelho, Narciso Miranda regressa com uma candidatura como independente à Câmara Municipal de Matosinhos. Diz-se com “legitimidade moral para ter o estatuto de independente” e admite não gostar de ser apelidado de ‘dinossauro’ autárquico.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o antigo autarca socialista justifica a candidatura pelo “ambiente de crispação que se vive no universo partidário” e garante que não voltará ao Partido Socialista, pelo qual liderou o município durante mais de 20 anos.

Sobre o processo judicial em que se viu envolvido, depois das eleições autárquicas de 2009, Narciso Miranda não se alonga em explicações. Admite que não é “perfeito” e que “o assunto está encerrado”, recusando que lhe seja colado “rótulo de condenação na testa”.

A que se deve o regresso de Narciso Miranda à vida política?

Acho que se respira um certo ambiente de crispação no universo partidário que não é saudável nem para o poder local nem para a democracia. As divisões nos maiores partidos são absolutamente óbvias e, portanto, senti um grande chamamento da população, aproveitando a minha experiência e o meu grau de conhecimento elevadíssimo da sociedade matosinhense. Conheço Matosinhos como as palmas das minhas mãos, conheço todos os dossiers. Pediram-me para vir dar o meu contributo e eu dou o meu contributo desta forma extraordinariamente serena, sincera, com sentido de humildade política. É uma candidatura independente, tem pessoas de todos os partidos e ideologias. É uma candidatura onde cabem todas e todos, independentemente das suas condições sociais. Estou a trabalhar de uma forma positiva e construtiva.

Com 10 anos sem atividade político-partidária, já tenho legitimidade moral para ter o estatuto de independenteA família socialista tem tido dificuldades em entender-se em Matosinhos?

Constata-se isso, mas eu não sou dessa família. Há 10 anos que não tenho vida partidária, que saí do PS. Com 10 anos sem atividade político-partidária, já tenho legitimidade moral para ter o estatuto de independente. É diferente de uma pessoa sair de um partido para ser candidato e, mais grave ainda, ser candidato contra um partido, ser eleito independente e depois voltar a ser candidato pelo mesmo partido, o que dá a entender que a ideia é assegurar lugares. Não é o meu caso. Há pessoas que há quatro anos abandonaram o seu partido para serem candidatos independentes, atacaram duramente o seu partido, receberam o voto das pessoas e, quatro anos depois, a maior parte deles volta ao partido para ser candidato. Estes zigue-zagues não ficam bem a ninguém e justificam o grau preocupante de abstenção. Há quatro anos, em Matosinhos, votaram 73 mil pessoas mas ficaram em casa 76 mil. 

Como é agora a sua relação com o PS? Chegou a ponderar um regresso?

Fui sucessivamente abordado, solicitado, para regressar ao Partido Socialista e resisti sempre a esses apelos. Este ano fui desafiado publicamente pelo líder da distrital, que é da confiança do líder nacional, para regressar ao partido mas disse que não. Não tenho nada contra o PS, mas não faz sentido voltar.

Podem sair, atacar violentamente o PS e a seguir são chamados para voltarChegou a ser expulso do Partido Socialista por concorrer às autárquicas como independente em 2009?

Cheguei a ser limpo dos cadernos de contactos do PS, como foram imensas pessoas, e a partir daí deixei de receber comunicações. Mas acha que isso tem algum relevo depois de terem aparecido pessoas que disseram tão mal do Partido Socialista, que o derrotaram e que agora são candidatas com a cobertura do secretário-geral? Criou-se no PS um precedente que passou a ser regra: podem sair, atacar violentamente o partido e a seguir são chamados para voltar. Foi o que aconteceu em Matosinhos. Só que eu resisti, não volto, sou independente.

Admite a possibilidade de vir a aliar-se a algum partido político no futuro?

Não, não, não. A minha participação na vida político-partidária terminou, tenho muito orgulho do que fiz, mas é uma etapa que terminou. Tenho muito respeito pelos partidos, mas são uma página que virei. Agora o meu partido é Matosinhos.

Narciso Miranda é, a par de nomes como Isaltino Morais e Valentim Loureiro, um dos ‘dinossauros’ que volta à política como independente. Acha que serão tão bem recebidos nestas eleições como foram durante anos?

A candidata do PS está na vida política há 25 anos (entre o cargo de vereadora e o cargo de deputada). Mais, um candidato da lista do PS de Matosinhos, que é o vereador da cultura, é um dos autarcas mais antigos do país (foi meu vereador durante 16 anos e manteve-se durante mais 12 anos após a minha saída). Esse senhor não perdeu o direito a ser candidato. Não posso responder de forma mais efetiva do que esta.

Por 'dinossauros' refiro-me a presidentes de câmara.

Um autarca para mim é aquele que está a tempo inteiro (presidente, vice-presidente e vereador). Um autarca que está há 28 anos ao serviço tem todo o direito de ser candidato, a não ser que tenha perdido qualidades. Não critiquei, não critico nem criticarei uma recandidatura de alguém que está há 28 anos no cargo. Um vereador pode ser eleito toda a vida, até morrer.

Não me interessa alimentar esse tipo de análise que me coloca como 'dinossauro'Refere-se à lei de limitação de mandatos, que incide sobre os presidentes de câmaras municipais e de juntas de freguesia, mas que não abrange vice-presidentes ou vereadores. Há, a seu ver, uma injustiça?

Há uma constatação. Não sei se é justo ou injusto nem me interessa discutir isso. Não me interessa alimentar esse tipo de análise que me coloca como ‘dinossauro’. Não sou autarca nem tenho nenhum cargo político há 12 anos. Não saí há quatro anos por causa de um impedimento da lei e agora voltei.

Deixou de se identificar com a ideologia socialista?

Repare, o António Barreto, que é uma pessoa que admiro muito, foi militante ativo do PS, agora não é, mas é respeitado. O Medeiros Ferreira, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares, foi militante do PS, deputado do PS e até foi deputado independente contra o PS. Há pouco tempo morreu e foi homenageado e bem. Não perdeu o direito de se identificar ideologicamente com a família do socialismo e da social-democracia por ter saído do PS. Eu também não, sou de uma esquerda democrática inspirada na ideologia de Willy Brandt, François Mitterrand, Olof Palme e obviamente Mário Soares.

Tenho muito respeito pelos partidos, mas são uma página que vireiConsidera que pode ter mais a ganhar se concorrer como independente ou está de costas voltadas com o Partido Socialista enquanto organização?

Não estou de costas voltadas com nenhum partido porque acho que os partidos são importantes para a democracia. Há quatro anos não fui candidato e até votei no PS, numa lista onde estavam António Paradas (cabeça de lista) e Luísa Salgueiro (que estava em quinto lugar). Qual é o problema? É a vida. Eles os dois, que estavam na mesma lista, até estão agora um de cada lado.

Quem meteu Luísa Salgueiro na política fui euSe votou neles é porque considerava que seriam bons autarcas. Acha que perderam qualidades ao longo destes anos?

Quem meteu Luísa Salgueiro na política fui eu, foi minha vereadora durante oito anos. Eu não renego esse passado e trato-a pelo nome, com respeito, consideração e estima. Não tenho nem constrangimentos nem complexos, sou um homem de espírito aberto. A doutora Luísa Salgueiro não tinha nada a ver com o Partido Socialista, foi convidada por mim para integrar a minha equipa como independente. E mais: quem a propôs para entrar na lista de deputados em 2005 foi um senhor chamado Narciso Miranda.

Acha que Luísa Salgueiro desempenhou um bom trabalho?

A grande questão é essa. É que ser um bom vereador não quer dizer que se seja um bom presidente, ser um bom presidente não quer dizer que se seja um bom deputado e ser um bom deputado não implica ser um bom autarca. Esse é o problema que a maior parte das pessoas não entende. Não falo exclusivamente da Luísa Salgueiro, mas de uma forma genérica. Um bom ministro pode ser um péssimo autarca, um bom vereador pode nunca ser um bom presidente de câmara. Vou ganhar as eleições e vou convidá-los a todos [os restantes candidatos à Câmara de Matosinhos] para me virem ajudar. Não tenho problema nenhum nisso, tenho experiência e provas dadas.

E tem capacidade de diálogo para ter vereadores de todos os partidos a trabalhar consigo?

Nem preciso de responder a essa questão porque a obra fala por mim. Tenho experiência testada no terreno.

É tão digno ser presidente de junta como ser primeiro-ministro, como ser vereador ou presidente de câmaraSe não for eleito presidente, pensa aliar-se ao candidato escolhido pelos eleitores e ser vereador?

Se não for eleito presidente, serei eleito vereador. Estou a trabalhar para ser presidente de câmara mas, no plano dos princípios, tenho de admitir qualquer hipótese. Nunca virei as costas às minhas funções, porque é tão digno ser presidente de junta como ser primeiro-ministro, como ser vereador ou presidente de câmara.

Quais as prioridades para o mandato a que se propõe?

A mobilidade e os transportes são uma prioridade, por ser onde há mais fragilidades. Quero aumentar as linhas do metro, aplicar um plano de transportes integrado, acabar com os engarrafamentos diários entre a Exponor e a AEP, construir um eixo Norte-Sul.

No que toca à segurança, noto que quando saí de presidente da câmara tínhamos oito esquadras, neste momento temos quatro. Os polícias foram reduzidos drasticamente, mas ter esquadras e polícias é muito importante. No emprego, quero apostar no apoio às micro, pequenas e médias indústrias e no comércio tradicional. E quero também apostar na economia do mar, porque, sempre que Matosinhos se virou para o mar, cresceu e desenvolveu-se.

Por fim, aponto como prioridades o turismo e a saúde. Pretendo retomar projetos que foram parados há vários anos, como centros de saúde, e implementar unidades de serviços continuados. Há uma franja da população que não tem soluções para a reta final da sua vida.

Matosinhos é agora um concelho diferente daquele que deixou em 2005, quando saiu da Câmara Municipal?

Tenho muito respeito pelo trabalho feito e esforço desenvolvido por quem me sucedeu. Não queria ser eu a fazer a avaliação. Fizeram o que souberam e o que podiam e empenharam-se. Se isso é suficiente para o meu grau de avaliação e exigência, prefiro dizer que quero ter um Matosinhos de excelência num futuro próximo.

Um cidadão, mesmo que cometa erros, não pode estar permanentemente a levar com um rótulo de condenação na testaPediu aos matosinhenses maioria absoluta. Admite que a confiança dos eleitores em si tenha caído depois de ter sido condenado por usar em proveito próprio 37.500 euros da subvenção estatal à sua candidatura em 2009?

Qualquer pessoa pode cometer um erro, que nem é o caso, mas admito que não sou perfeito. O assunto está encerrado. À justiça o que é da justiça, à política o que é da política. Encerrei esse assunto. Um cidadão, mesmo que cometa erros, não pode estar permanentemente a levar com um rótulo de condenação na testa. Senão as regras de reinserção constitucionalmente definidas não faziam sentido nenhum.

Cometeu um erro depois da candidatura de 2009?

Não. Se admitisse isso estava a fazer uma condenação brutal à comissão que analisa as contas de campanha e ao Tribunal Constitucional, que as fiscaliza e aprova. Não faço isso.

Se não cometeu um erro, considera que foi condenado injustamente?

Não tenho de fazer apreciações desse género. Respeitei a justiça e ponto final. Não faço juízos de valor sobre o Tribunal Constitucional, que aprova contas. As contas da minha campanha de 2009 foram aprovadas inequivocamente. São factos. Não posso dizer que houve um tribunal que chamou incompetente a outro tribunal.

As contas foram aprovadas após a campanha eleitoral, mas a condenação surgiu anos mais tarde, em 2015.

Mas surgiu sobre as contas que estão aprovadas. Isso quererá dizer que o Tribunal de Contas aprovou as contas mal, mas não entro por essa discussão. Não posso fazê-lo porque sou um homem responsável. Prefiro dizer que num caso expliquei bem e justifiquei bem documentalmente e que no outro caso, em diálogo, se calhar não expliquei bem. Respeito as decisões, não concordo nem discordo.

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