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"Achei que sozinho podia mudar o mundo. O mundo mudou-me a mim"

A vida de Hugo Ernano mudou radicalmente há nove anos, no dia em que baleou mortalmente um adolescente que o pai havia levado para um assalto. O militar da GNR foi condenado a prisão com pena suspensa e suspenso de funções durante oito meses. Já voltou ao trabalho e está a começar a vida do zero: "Sinto-me com 18 anos a começar a vida, a querer ganhar asas".

"Achei que sozinho podia mudar o mundo. O mundo mudou-me a mim"
Notícias ao Minuto

08:30 - 11/08/17 por Goreti Pera

País Hugo Ernano

Há precisamente nove anos, a 11 de agosto de 2008, uma perseguição policial para travar um assalto em Santo Antão do Tojal, em Loures, mudou a vida de Hugo Ernano.

Numa tentativa de travar uma carrinha Ford Transit usada para levar a cabo um assalto a uma vacaria, o militar da GNR disparou mortalmente sobre uma criança de 13 anos, de etnia cigana, que se encontrava no interior. O menor havia sido levado para o assalto pelo pai, fugido da prisão de Alcoentre há oito anos, sem que a GNR se tivesse apercebido de que o rapaz estava presente.

No próximo mês de setembro cumprem-se 18 anos desde que Hugo Ernano iniciou a carreira militar na GNR. Foi a primeira vez, e foi também a última, que usou a arma de serviço. Fê-lo na convicção de que era o necessário para cumprir a missão a que está destinado: “Garantir a segurança das pessoas, cumprir a Constituição da República”.

Mas a morte do adolescente acabou por mudar o rumo da história de vida deste militar, agora com 38 anos. Hugo foi condenado em 2013, pelo Tribunal de Loures, a nove anos de prisão efetiva. O Tribunal da Relação de Lisboa reduziu a punição para quatro anos com pena suspensa e isso mesmo foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, que fixou a indemnização a pagar aos pais do menor em 55 mil euros (44 mil à mãe e 11 mil ao pai). Acabou por ser condenado pelo crime de homicídio por negligência grosseira.

“Fui vítima de uma decisão sem fundamento, fui punido como se fosse um cidadão normal que tivesse disparado contra alguém. O tribunal isolou a situação do disparo e não viu o antes nem o depois”, lamenta, em entrevista ao Notícias ao Minuto.

“A palavra ‘injustiçado’ faria muito mais sentido se não fosse o povo português que acreditou sempre em mim e me ajudou. Sem a ajuda nunca iria conseguir. Mas claro que a nível judicial nunca verei a verdadeira justiça”, desabafa. 

Apesar de se sentir verdadeiramente agradecido a todos os que o ajudaram ao longo do processo, Hugo Ernano não se revê na “figura de herói”, que alguns lhe atribuem. “Eu sou um agente da autoridade que faz o que tem de fazer, que é defender as pessoas”, assegura.

Começar do zero e ganhar asas

Entre o incidente e a decisão que resultou do último recurso interposto, Hugo manteve-se ao serviço da GNR. Em abril de 2016, recordou, “a ministra da Administração Interna ordenou uma suspensão por oito meses. Não foi uma decisão tomada pela GNR, mas pela ministra Constança Urbano de Sousa”.

“No primeiro mês, recebi 16,38 euros de ordenado porque me tiraram tudo e mais alguma coisa. Em média, nos restantes recebia na ordem dos 200 euros. Perdi a casa que estava a acabar de pagar (em seis anos e dois meses, mudei de casa quatro vezes) e o carro (que foi vandalizado e ficou completamente destruído). Mas já consegui pagar as custas judiciais e as indemnizações, graças à ajuda das pessoas”, congratula-se.

Conhecida a decisão da justiça, amigos e colegas de profissão criaram grupos de apoio e campanhas de angariação de fundos que, em poucos dias, permitiram angariar os 55 mil euros necessários para indemnizar os pais da criança.

Em 2015, quando lançou o livro ‘Bala Perdida’, Hugo Ernano escrevia: “Independentemente do que venha a acontecer, financeiramente este processo deu-me cabo da vida”. Hoje, o seu discurso é mais otimista: “Consigo a partir de agora começar uma nova vida. Sinto-me com 18 anos a começar a vida, a querer ganhar asas”.

“Achei que só dependia de mim para fazer seja o que for, mas ninguém é forte para sobreviver sozinho. Eu sempre pensei que sozinho conseguia mudar o mundo e afinal e o mundo é que me mudou a mim”, acrescenta.

“A minha carreira foi a única coisa que não consegui recuperar. Neste momento deveria ser guarda principal e para o ano cabo. Foi-me tirada essa oportunidade”, lamenta. Mas, mesmo perante as dificuldades, sair da GNR nunca foi uma possibilidade: “Nunca. Era dar razão a quem não a tinha. Se ingressei na GNR foi porque amo o que faço”. 

Evitar um desfecho trágico

A 22 de dezembro de 2016, apresentou-se no posto da Pontinha, onde está ao serviço do Grupo de Intervenção da Ordem Publica (GIOP). “Todos os dias nós treinamos a utilização da arma de fogo e de todos os mecanismos que temos à nossa disponibilidade (bastão extensível, taser, etc.)”. E se um dia se deparar com uma situação semelhante à de 11 de agosto de 2008? “Espero ter o discernimento para saber atuar o mais corretamente possível”.

“Só utilizei a arma de fogo porque sabia que no largo para onde se dirigia a carrinha estavam três autocarros com uma banda filarmónica de adolescentes. Tinha de fazer parar o veículo, senão tenho a certeza de que o desfecho seria muito mais trágico. Deixa-me muito triste pensar que se perdeu uma vida, quando a verdadeira razão de ter utilizado a arma de fogo era para que não acontecesse nenhuma fatalidade. O verdadeiro culpado é, sem dúvida, o condutor da viatura que também é o pai do menor”, explicou.

As mudanças na vida são indisfarçáveis, mas o modo de operar ao serviço da Guarda Nacional Republicana mantém-se. Foi assim nos meses que se seguiram à fatalidade, é assim nove anos depois.

“O meu modo de estar sempre foi o mesmo desde que saí do curso da GNR, foi trabalhar, trabalhar, trabalhar. Se tivesse telhados de vidro, teria sido tudo descoberto e publicado pela comunicação social. Mas não tenho, nunca fiz nada que pudesse pôr em causa a minha dignidade. O que mudou essencialmente é que eu fiquei a ser conhecido por todos, não só por aqueles que me abordam com uma palavra de apoio como por alguns dos suspeitos que detenho. Assim é muito mais difícil trabalhar”, remata.

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