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Hana nasceu (para sobreviver) num berço chamado Holocausto

Com 71 anos, Hana Moran ainda é uma bebé, por ser uma espécie de 'filha do Holocausto'. Nasceu em abril de 1945 em pleno campo de concentração nazi, contrariando todas as hipóteses de sobrevivência.

Notícias ao Minuto

08:08 - 31/07/16 por Notícias Ao Minuto

Mundo Testemunhos

Na Alemanha nazi, ser judia e estar à espera de bebé era um crime contra Reich (Hitler) e uma senha para a morte. A maior parte dos recém-nascidos em campos de concentração eram mortos nas câmaras de gás ou entregues ao médico para executar experiências macabras.

Hana falou com o Notícias ao Minuto e contou-nos a sua história de vida, que deu origem ao livro da jornalista Wendy Holden "Os bebés de Auschwitz: Nascidos para Sobreviver".

Recuemos no tempo. Priska, uma professora de línguas, e Tibor, um jornalista judeu, conheceram-se em 1941 em Bratislava. Poucos meses depois, casaram-se. Apesar de nessa altura já se fazerem sentir as leis contra os judeus, mantiveram sempre um "espírito positivo", nunca pensando ser possível que a Eslováquia adotasse as leis de Nuremberga.

Contudo, lentamente foram sentindo na pele o anti judaísmo, o que os fazia sentir dia após dia menos humanos.

"O meu pai recusou-se a esconder-se em 1942, quando os judeus começaram a ser levados para campos de concentração", conta.

Foi, aliás, esse o momento da verdade para Priska e Tibor, "quando a irmã mais velha da minha mãe foi levada em março de 1942 e quando os meus avós maternos e paternos foram levados no verão desse ano. Nenhum destes membros da minha família voltou", sublinha. Priska engraviou no verão de 1944.

"Quando a minha mãe engravidou de mim, estava convencida de que ia finalmente ser mãe, uma vez que tinha perdido as gravidezes anteriores". No final dessa estação, acontece o pior. A 27 de setembro, Priska e Tibor foram levados para a estação de comboios para seguirem para os campos de concentração. "Depois de um dia num campo de concentração Eslovaco, levaram-nos, e a outros judeus, para Auschwitz, Treblinka", relata.

À entrada para o campo de concentração, onde as mulheres eram obrigadas a despir-se e divididas consoante o estado de saúde e a condição de estarem ou não de esperanças, perante o médico, conhecido como o 'anjo da morte' (Josef Mengel) Priska negou estar grávida e essa coragem salvou-lhe a vida - estava dado o primeiro passo da longa jornada de sobrevivência.

"Enquanto isso, o meu pai foi levado para outra parte do campo. A última vez que se viram foi nas vésperas de as mulheres saudáveis e capazes seguirem para uma fábrica para trabalho escravo, o campo de concentração de Freiberg, na Alemanha"

Priska nunca mais viu Tibor. Acredita-se que tenha sido morto em Auschwitz a 25 de janeiro de 1945. "A minha mãe, e eu, conseguimos sobreviver graças a um vestido largo que lhe permitiu esconder a gravidez. Isso e a força e a determinação emocional: mantinha bons pensamentos e imaginava como seria quando eu nascesse, matendo viva a esperança de voltar a encontrar o meu pai", diz-nos Hana, que hoje vive na Califórnia, tem um filho e dois netos.

Hana conta que a mãe desejava que o seu bebé tivesse aspeto alemão, com olhos claros e cabelos loiros. "Ela queria que se eu me parecesse com a raça areana para que tivesse melhor sorte no futuro", recorda com lamento.

Com nove meses de gravidez, Priska pesava pouco mais de 30 quilos, tal era o estado de desnutrição causado pela quase inexistente alimentação (apenas uma água suja que nem chegava a ser café e pão) e pelos trabalhos forçados, na altura em Mauthausen, na Áustria.

Hana Moran nasceu a 12 de abril de 1945, em cima de uma mesa, na fábrica. Não passava de um 'rato enrugado', nasceu com cerca de 1,5 quilos, subnutrida e sem grandes hipóteses de sobrevivência. Carregada de infeções e de piolhos desde o dia em que nasceu, ninguém acreditava que viesse a sobreviver.

O grande golpe de sorte, ou a tacada final no caminho pela sobrevivência, aconteceu no dia 5 de maio, quando estava previsto que todos os judeus daquele campo fossem gaseados (não foram porque acabou o gás nesse dia). O campo fora libertado pelos norte-americanos e Hana salva por um médico, LeRoy Petersohn, que viria a fazer questão de reencontrar já em adulta, como acabou por acontecer em 2009. 

Priska morreu aos 90 anos, no dia 12 de outubro de 2006, em Bratislava.

Ressentimentos em relação ao povo alemão?

"Não os odeio, o que eu odeio é a ideologia que permite convencer pessoas a agir tão desumanamente", responde assertivamente Hana, frisando que o grande perigo da humanidade é a indiferença.

"Isso assusta-me. Quando não fazemos nada, quando nos transformamos noutra coisa quando vemos o sofrimento dos outros, quando assistimos a atos horrendos perpretados contra gente inocente, cuja a única culpa é serem de uma cor diferente ou terem uma fé diferente da do poder dominante".

Hana diz que nunca se sentiu mais especial do que qualquer pessoa. "Mas o tempo voa, as testemunhas do Holocausto mais velhos estão todos a deixar-nos e só pelo facto de ter nascido lá faz com que pertença ao grupo dos sortudos que sobreviveram. "A nossa responsabilidade é continuar a falar do Shoah (palavra em judeu para designar Holocausto), manter viva a memória, contar a história vergonhosa àqueles que estão agora na escola".

Preocupada com a possibilidade de crimes de ódio poderem regressar à Europa, Hana reforça que devemos enfatizar que não fazer nada quando se vê coisas tão más a acontecer é quase tão mau quanto a participação nesse crime. "E por isso vou continuar a falar nas escolas para que possam lembrar-se", conclui.

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