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"Temos uma sociedade tolerante mas que não perdoa infidelidade da mulher"

Um artigo de opinião sobre justiça e os crimes de adultério - que aborda, nomeadamente, o homicídio do triatleta Luís Grilo - assinado por Dantas Rodrigues, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

"Temos uma sociedade tolerante mas que não perdoa infidelidade da mulher"
Notícias ao Minuto

14:30 - 10/10/18 por Notícias Ao Minuto

País Artigo de opinião

"O rótulo que costuma ser posto na mulher que mata o marido com a ajuda do amante, é o de que cometeu um homicídio por dinheiro para ficar com o seguro, com a casa, enfim com a fortuna. Por norma, esta visão estigmatizante omite a personalidade egocêntrica, narcisista, violenta e complexada do marido, que tornou a vida da sua mulher num inferno.

Quem assassina o cônjuge e, de imediato, não consegue explicar ou justificar convincentemente a desproporcionalidade da sua conduta, vai para prisão preventiva por suspeita de autoria no crime de homicídio qualificado, sujeitando-se à pena máxima de 25 anos, aplicada, de igual forma, a quem mate por impulso, ocasionalmente ou em série, uma família ou várias famílias.

Depois, e só depois, no contexto investigativo, é que é analisado o ato praticado, o qual se apresenta como a soma de elementos biológicos, psicológicos e sociais. A triangulação do apurado estabelecerá, em seguida, o porquê do crime.

Desde os primórdios da humanidade que é conhecida a existência de crimes passionais, independentemente da classe social de quem os pratica. A História está cheia deles, desde os mais destemidos e afortunados patrícios ao mais ignoto e humilde dos plebeus.  Os crimes passionais derivam da violência de género, tipo de violência que passa despercebida, por a família fechar as portas da sua casa e, desse modo, ficar sozinha.

A morte do marido às mãos da sua mulher supõe o ponto final de uma série de maus-tratos físicos e psíquicos que precedem o crime motivado por intensa insuportabilidade da vida em comum.

A falta de afeto e de carinho levam à procura de relações paralelas, cujo desmascaramento é sempre desagradável (e perigoso), causando um natural e compreensível sentimento de revolta na pessoa traída. Este calvário de sentimentos de rejeição desperta, por conseguinte, frustrações e ódios que podem terminar com a morte trágica de quem atraiçoou.

Temos uma sociedade tolerante que aceitou o casamento de pessoas do mesmo sexo, que respeita a diversidade sexual, mas que não perdoa a infidelidade da mulher. A justiça é misógina para com os amores que matamO homicídio de Vila Franca de Xira – excluindo raríssimas exceções – acredito que derive de anos e anos de obstáculos de vária ordem. O homicídio existiu, sem dúvida, mas a culpa de quem o cometeu é de outra intensidade, mesmo que, para tanto, tenha contado com a ajuda do seu amante.

O direito penal é condescendente para com o desespero, para com a violência e para com o calvário de humilhações que levam ao planeamento da morte. Todavia, quando os crimes se revestem de um cariz de infidelidade conjugal, o mesmo direito penal indiretamente aponta consequências ao adultério, tem uma matriz machista, não aceitando a deslealdade de um cônjuge em relação ao outro, com uma outra pessoa de permeio.

Temos uma sociedade tolerante que aceitou o casamento de pessoas do mesmo sexo, que respeita a diversidade sexual, mas que não perdoa a infidelidade da mulher. A justiça é misógina para com os amores que matam.

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