Eduardo Lourenço gostou de se "rever" em 'O Labirinto da Saudade'
Um filme "extraordinário, extravagante e extraterrestre" foi como a escritora Lídia Jorge classificou hoje o documentário sobre Eduardo Lourenço que se antestreia na quarta-feira e no qual o ensaísta confessa que gostou de se "rever".
© Global Imagens
Cultura Documentário
Numa conferência de imprensa, hoje, de apresentação de 'O Labirinto da Saudade', adaptação cinematográfica da obra homónima do filósofo Eduardo Lourenço, o realizador Miguel Gonçalves Mendes, o produtor Luís Sequeira, o astrofísico José Afonso, e os escritores Lídia Jorge, Pilar del Río e Gonçalo M. Tavares falaram da experiência de contracenar com o ensaísta -- protagonista e narrador da história - e de participar num filme sobre o seu pensamento.
Partindo de um desafio de Luís Sequeira, amigo de longa data de Eduardo Lourenço, que "considerava que faltava a devida homenagem a Eduardo Lourenço e que um filme seria o ideal", Miguel Gonçalves Mendes entregou-se à "loucura de adaptar ao cinema um dos seus livros mais importantes e estruturantes", explicou o realizador.
Embora ainda não tenha visto o filme, Eduardo Lourenço, também presente na conferência de imprensa, confessa que gostou de se "rever", numa interpretação em que não teve de ser ator: "Eu fiz de ator. Não dei por nada".
Sentado sob os claustros do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, um "sítio mágico, pela História e pela arte", Eduardo Lourenço considerou que "praticamente a questão de quem somos é anulada perante a contemplação do monumento".
O ensaísta aludia aos traumas históricos que estão intrinsecamente ligados aos grandes momentos da História de Portugal e que definem aquilo que é a identidade do povo português, uma das ideias base do filme e do livro que lhe dá o nome.
"Alguma vez fomos os primeiros em alguma coisa", disse, numa referência ao "momento sem par que foi o século XVI", mas que "arrastou consigo uma sombra inapagável, que se chama escravidão".
Sobre o filme, Eduardo Lourenço classificou-o como uma "onírico" e "um pretexto para contar de outra maneira o destino de um país que viveu sempre acima das suas possibilidades", o que lhe permitiu "ter um destino inigualável, pela sua paradoxal atitude, de alguém que não se resignou a ficar num pequeno canto do mundo".
Por isso, Lídia Jorge considera que este é um filme "extraordinário, extravagante e extraterrestre", "uma espécie de viagem ao pensamento de Eduardo Lourenço" e no qual se sentiu como uma pequena peça num grande puzzle.
"Julgava impossível filmar o pensamento, mas Miguel mostrou-o, a partir do labirinto e da saudade. Separou as duas palavras e criou a saudade num duplo sentido: numa revisitação ao passado e numa perspetiva de futuro", disse, aludindo à dupla dimensão do filme, melancólica e otimista.
A jornalista e tradutora Pilar del Río, que foi mulher do escritor José Saramago e que no filme representa Espanha a seduzir Portugal para uma união ibérica, sublinhou a ideia de "um filme extraterrestre, mas muito enraizado", no qual Eduardo Lourenço foi "um grande ator de si mesmo".
Gonçalo M. Tavares evocou de forma emotiva a "experiência de estar com Eduardo Lourenço e sentir que há uma relação antiga", apesar de serem de gerações diferentes.
Elogiando a forma como Miguel Gonçalves Mendes conseguiu transformar o texto num filme, o escritor lembra, em tom de brincadeira, que durante as filmagens apanhou "Eduardo Lourenço já num modo resignado, mas uma resignação entusiasmada".
Para o astrofísico José Afonso, "foi uma surpresa e honra" participar num projeto tão afastado da sua área de saber e vida profissional, e uma "delícia" entrar num filme sobre "um dos grandes pensadores de Portugal".
"Como investigador do universo, assumo a parte do extraterrestre. Portugal teve ideias de ser grande e vivemos sempre com esta honra e com esta cruz. Já fomos grandes e nada nos impede de pensar que somos grandes, não temos barreiras à nossa volta. Esse é um dos grandes ensinamentos de Eduardo Lourenço", afirmou, sublinhando: "trazer a astrofísica para este projeto foi o meu contributo para o extraterrestre".
A ideia de "prolongar através da imagem todo o pensamento de Eduardo Lourenço" nasceu há cerca de três anos, com Ramalho Eanes e outros amigos do ensaísta, lembra Luís Sequeira, que considerou que só Miguel Gonçalves Mendes -- que realizou 'José e Pilar' (sobre Saramago) e 'Autografia' (sobre Cesariny) -- poderia fazer este filme.
"Não foi preciso grandes ensaios, foi ouvi-lo, deixá-lo falar. O filme foi feito com uma grande sensibilidade", afirmou, defendendo a sua importância para "as próximas gerações" e sugerindo que seja levado às escolas e às universidades, para mostrar quem é Eduardo Lourenço, o pensador e o homem.
A antestreia será na quarta-feira, dia em que Eduardo Lourenço faz 95 anos, no auditório principal da Gulbenkian, e na RTP1, em versão mais reduzida.
Sobre o encontro temporal do dia de apresentação do filme que o homenageia com dia em que faz anos, Eduardo Lourenço respondeu: "eu não faço nada, a vida é que faz com que eu tenha uma data".
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