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Os 'media' escolhem sempre "a imagem errada" de África

Coimbra, 22 abr (Lusa) - Os media ocidentais escolhem sempre "a imagem errada" de África, optando por uma história simplificada de um continente muito complexo e diverso, diz o editor de fotografia da agência France-Presse (AFP) para África, Marco Longari.

Os 'media' escolhem sempre "a imagem errada" de África
Notícias ao Minuto

09:25 - 22/04/18 por Lusa

Mundo Marco Longari

Começou no Kosovo, em 1998, passou pelo Ruanda, cobriu o conflito israelo-palestino, testemunhou a Primavera Árabe no Egito e na Líbia, esteve em Aleppo, na Síria, e hoje coordena a fotografia para a AFP em África, sendo o trabalho naquele continente que o trouxe até Coimbra, onde tem uma exposição sobre os conflitos políticos em vários países africanos, no âmbito do festival Estação Imagem.

A trabalhar em África há largos anos, Marco Longari nota que, no que toca àquele continente, os media ocidentais optam sempre pela história altamente simplificada da realidade.

No entanto, aquilo que é apanhado pelo "topo" não reflete o fotojornalismo diário, num continente que é retratado "através das suas múltiplas dimensões e camadas, por fotógrafos africanos apaixonados e dedicados".

"Os media ocidentais escolhem sempre a imagem errada de África, a todo o maldito momento. Tu podes mesmo apostar que vão escolher sempre a imagem errada", vincou, considerando que há um esforço para procurar histórias que mostrem "a complexidade de um determinado momento, de forma precisa, cativante e com grandes camadas". Mas, no final, são escolhidas "as histórias mais simplificadas e com todos os clichés", disse à agência Lusa Marco Longari.

Como exemplo, o fotojornalista italiano aponta para as zonas pobres que existem nas metrópoles africanas: "Sim, há zonas empobrecidas e subdesenvolvidas, mas não as há em Paris, Londres ou Berlim? Isso não é só um problema de África. Mas noutras histórias, noutros temas, há dúzias de ângulos que nós conseguimos descobrir e é sempre escolhido aquele que reduz o sujeito à violência, ao racismo, etc.. Há muito mais para contar".

Sobre o fotojornalismo hoje, Marco Longari considera que, apesar de vários constrangimentos, este está de "boa saúde". Porém, o mesmo não pode dizer da forma como a sociedade lê, interpreta e consome a fotografia.

A fotografia está cada vez mais presente - "a fotografia como mero ato de fotocopiar a realidade com um objeto" - e isso, nota, pode ter graves consequências na sociedade.

"A capacidade do público para receber trabalho crítico, trabalho que requer capacidade do público para ler as imagens, baixou. Nós estamos a ser bombardeados com carradas de imagens que não fazem sentido e que são confundidas com as imagens com 'I' grande. Na escala global das coisas, há imagens que são importantes para a sociedade, para a arte, para a cultura e para a humanidade e que se perderam neste fluxo de pixels", afirmou à Lusa o fotógrafo italiano.

Num momento em que as redes sociais ganham cada vez mais força e onde as 'fake news' são cada vez mais um motivo de preocupação, Marco Longari acredita que a formação dos fotojornalistas não tem de passar por questões técnicas como o ISO (sensibilidade do sensor em relação à quantidade de luz) ou o 'shutter speed' (velocidade do obturador).

"Têm de ser treinados para serem seres humanos, informados e conscientes. É isso que precisamos. Doutra forma, será um desastre", realçou.

Além da necessidade de um foco na formação, o fotojornalista da AFP sublinha que é preciso abordar "os grandes 'elefantes na sala'", como a discriminação de género e racial na profissão, considerando que, do lado da produção, começa a surgir um espaço de diálogo sobre o tema.

No entanto, do lado das instituições "fingem-se de surdos", criticou, apontando para o "falhanço brutal" da World Press Photo, que na sua 'masterclass' anual decidiu "não incluir um único fotógrafo de África".

É de África e dos conflitos políticos que cobriu recentemente que fala a sua exposição, presente no Estação Imagem, este ano pela primeira vez em Coimbra.

Na Galeria Pedro Olayo, no Convento São Francisco, segue-se o olhar de Marco Longari por vários conflitos políticos, onde mostra as 'nuances' de um continente diverso.

Por lá, vê-se uma bailarina sul-africana que procura 'empoderar' as mulheres, o luto de uma mãe com o filho morto no chão, no Gabão, o ar ressentido de um morador de Kibera, no Quénia, com uma faca numa mão e uma catana na outra, ou a pose desafiante de uma albina, num continente onde a sua condição sempre foi um fator de isolamento.

Sobre retratar momentos com uma grande carga emotiva, como a de uma mãe ao lado do seu ente querido morto, Marco Longari conta que é preciso haver uma ligação "que é estabelecida entre o fotógrafo e a personagem principal que lidera o momento".

"Eu entro na vida de alguém da mesma forma que entro na casa de alguém: perguntando se sou bem vindo", contou.

Da sua carreira, retira o privilégio de poder "entrar na vida" das pessoas, conta o italiano que diz que não é um fotógrafo de grandes momentos.

"Tendo a escapulir dos grandes momentos. Gosto de estar nas franjas, por trás da cena, nos cantos. É aí que a vida acontece. É aí que os momentos sem guião e inesperados acontecem", resumiu.

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