"Rússia não é tão forte quanto era a União Soviética", diz analista
O analista político europeu Paul Ivan defendeu que o regresso à Guerra Fria está longe de acontecer, uma vez que a Rússia, apesar de insatisfeita com o seu papel na ordem mundial, não tem o poderio da União Soviética.
© Reuters
Mundo Paul Ivan
Em entrevista à Agência Lusa, o analista sénior de política do Centro de Política Europeia, um think tank' (grupo de reflexão) independente baseado em Bruxelas, refutou a ideia de que "uma segunda Guerra Fria, ou uma Guerra Fria 2.0" possa estar iminente, apesar de reconhecer que a tensão entre o ocidente e a Rússia aumentou "exponencialmente" nos últimos meses.
"Existem diferenças importantes relativamente à Guerra Fria: a Rússia não é tão forte e poderosa quanto o era a União Soviética. E, ao contrário da Guerra Fria, não deseja espalhar uma ideologia, como a União Soviética tentou fazer com o comunismo. Ao mesmo tempo, a Rússia oferece alguns dos mesmos desafios que a URSS colocava. Basta pensarmos nesta crescente militarização, no incremento da presença militar, no desenvolvimento de um novo sistema de mísseis, o apoio a regimes amigos", analisou.
Para Paul Ivan, a Rússia não desgosta do uso do termo Guerra Fria, porque "eleva o seu perfil". É "parte da estratégia russa estabelecer o diálogo de alto nível que a URSS tinha com os Estados Unidos na Guerra Fria. [O termo] faz referência a um período no qual a Rússia, na sua encarnação como URSS, era um protagonista mais forte do que é hoje", sustentou.
O especialista advogou que é claro que a Rússia "parece já não estar satisfeita com a ordem mundial instituída e que quer estabelecer-se como um dos superpoderes ou, pelo menos, como um poder global nesta ordem mundial", com Moscovo a estar disposto a quebrar, inclusive, a lei internacional.
"A Rússia está a apelar a um mundo multipolar, no qual quer assumir-se como um dos polos", completou. De acordo com o analista, é nesse sentido que se inscreve a ação do presidente russo na Síria. "[Vladimir] Putin quer preservar uma das poucas alianças que tem nessa parte do Mundo e impor-se nesse dossier, demonstrando que nenhuma solução pode ser alcançada sem a participação da Rússia no processo de decisão", esclareceu.
Apesar dos focos de conflito recentes entre o Governo russo e o norte-americano, nomeadamente com o intervenção militar de Estados Unidos, França e Reino Unido na Síria, Paul Ivan não acredita numa escalada substancial da tensão entre as partes.
"De uma perspetiva europeia, uma eventual escalar na tensão entre os Estados Unidos e a Rússia reduziria o papel da União Europeia (UE), o que não seria bem-vindo. Nessa situação, a agulha voltar-se-ia para a capacidade militar, para a segurança, e essas não são áreas em que a UE possa estar necessariamente orgulhosa de si própria. Não espero que a UE sirva de mediadora [em caso de uma nova Guerra Fria], porque os Estados Unidos e a Rússia têm a capacidade de negociar e dialogar entre eles", alertou.
Para o especialista da área das relações comunitárias com o Leste, as divisões existentes entre os 28 Estados-Membros quanto à postura que o bloco comunitário deve adotar na relação com a Rússia condiciona a ação da UE.
"Diria que, na generalidade, a UE está interessada em desenvolver boas relações com a Rússia. Qualquer sanção adotada é imposta de maneira limitada, de modo a enviar uma mensagem à Rússia, mas não ao ponto de hipotecar as trocas comerciais. Há muitas trocas comerciais que os Estados-Membros vão querer preservar. A UE importa cerca de um terço do seu gás da Rússia e isto coloca alguns desafios", disse à Lusa.
Paul Ivan defendeu ainda que o envenenamento do ex-espião russo Serguei Skripal e da filha, Yulia, em solo britânico, que provocou uma das piores crises nas relações entre a Rússia e o ocidente desde a Guerra Fria e conduziu a uma vaga histórica de expulsões recíprocas de diplomatas, expôs as divisões existentes entre os 28.
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