Paris dividida entre dever de memória e necessidade de esquecer atentados
Dois anos depois dos atentados de Paris e Saint Denis, as pessoas que passam junto aos locais atacados estão divididas entre o dever de memória e a necessidade de esquecer o que aconteceu.
© Reuters
Mundo Dois anos
Em frente ao Bataclan, os rostos detêm-se entre alguns segundos e vários minutos diante da fachada colorida e da placa em mármore que relembra as 90 pessoas que ali morreram vítimas de um comando terrorista.
Há quem tire fotografias, há quem feche os olhos e baixe o rosto e há quem passe de bicicleta e pare algum tempo para contar a um amigo turista o que ali aconteceu.
"É um local muito importante para a memória e é preciso passar à frente para explicar onde aconteceu, em que bairro. Sou bastante jovem e já todos bebemos um copo ou vimos um concerto no Bataclan. É um acontecimento que nos traumatizou a todos, a mim particularmente", contou à Lusa Romain Ussel, o jovem de 24 anos que visita o centro de Paris de bicicleta com o amigo alemão.
A passar alguns dias de férias na capital francesa, Martine Cauden, de Bordéus, também fez do Bataclan uma passagem obrigatória porque se deve "pensar nestas pessoas que perderam a vida nesse dia".
"Não podemos vir a Paris sem passar diante do Bataclan, sem ter uma lembrança e pensar em tudo o que se passou. Quando se vem a Paris, é uma cidade mágica, é só felicidade e não imaginamos que tudo pode mudar em cinco minutos. Aqui vimos ver espetáculos, vimos divertir-nos e, de repente, tudo pode mudar", afirmou a francesa de 52 anos.
Também de férias em Paris, Fabrice Coppini e a família, de Marselha, quiseram ver com os próprios olhos e tirar 'selfies' junto ao Bataclan, admitindo "alguma curiosidade" porque "ver as imagens na televisão e passar à frente (...) é completamente diferente".
Laurence Gueguen trabalha na ruela que contorna uma das fachadas laterais do Bataclan e, ainda hoje, sente "o mesmo efeito" ao passar ali, com "o coração a bater muito forte" e "calafrios no corpo", prevendo levar uma flor no segundo aniversário dos atentados "em memória das pessoas desaparecidas".
"Não estamos protegidos. Nunca estaremos protegidos. Pode acontecer a qualquer altura. Mas não podemos parar de viver. Depois do ataque saímos menos, mas a vida retoma o seu curso. Só que não desaparece da cabeça que pode acontecer a qualquer altura, sobretudo nas estações de metro, de comboio", considerou a francesa.
Nos restaurantes Le Carillon e Le Petit Cambodge, perto da Praça da República, foram 15 as pessoas que morreram quando estavam na esplanada e hoje os habitantes e trabalhadores do bairro tentam esquecer o que se passou, enquanto os funcionários dos restaurantes pedem à Lusa para não filmar de perto.
"Passo muitas vezes e sou cliente, nomeadamente, do Le Carillon. Com o tempo, pensamos menos [nos ataques], ainda que o simples facto de passar à frente e de ser cliente nos lembre, de vez em quando, o que se passou", comentou Alexi Pineau, de 25 anos.
A almoçar em frente à esquina onde estão o Le Carillon e o Le Petit Cambodge, David Polonia também continua a ser cliente, mas as palavras e o olhar furtivo revelam que não é fácil não pensar nas pessoas que ali foram assassinadas.
"Não se pensa mais nisso, não se pensa. Quer dizer, tenta-se não pensar e quando se pensa, mudamos de pensamento", contou o parisiense de 33 anos.
No café e restaurante La Bonne Bière, também próximo da Praça da República, morreram cinco pessoas vítimas de tiros de kalashnikovs e, mais uma vez, quem ali mora não consegue esquecer.
"Agora começo a habituar-me, porque sou do bairro e passo aqui todos os dias. Mas não me impede de pensar nisso e ainda não voltei ao Bataclan. Não consigo. Passo muitas vezes em frente, mas não consigo ir ver um espetáculo. É ainda muito recente", afirmou Françoise Aumoitte, de 65 anos.
Uma "dor de coração" é a forma como Nicolic Darinka, de 70 anos, descreve o que sente sempre que passa em frente à placa evocativa dos cinco mortos no jardim a alguns metros do café La Bonne Bière.
"Foi muito difícil quando isto aconteceu, olhámos pelas janelas, ouvimos os disparos... Durante vários dias não quisemos sair, com medo. É uma catástrofe e é muito triste para estes jovens que perderam a vida. Em todo o lado, há ataques", lamentou a reformada sérvia que vive em Paris desde 1973.
No 11.º bairro, os que vivem perto do café La Belle Équipe repetem frases que soam a outras já ouvidas quando entrevistados junto a uma placa em que se lê que 21 pessoas ali morreram a 13 de novembro de 2015.
"Claro que pensamos sempre no que se passou, mas a vida continua. É engraçado porque almoçámos as duas no La Belle Equipe há três semanas. Claro que ainda pensamos nisso, mas eles não vão ganhar o nosso ódio", indicou, sorridente, Debora Feder, de 33 anos, enquanto a amiga Fabiola Marcia, de 32 anos, completa que é inevitável pensar no 13 de novembro "ainda por cima, há atentados ainda todos os dias em todo o mundo".
Michel Robert, de passagem por Paris, conclui: "A vida continua, felizmente. Toda a gente sai, toda a gente passeia, vi os restaurantes, La Belle Equipe, Le Carrillon e as pessoas voltam a viver, felizmente. Não se pode ceder ao Daesh e companhia, que querem absolutamente que nos tranquemos em casa".
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