No livro "A grande rutura - Olhares cruzados sobre Lutero e a Reforma protestante", coordenado pelo teólogo Porfírio Pinto e editado recentemente pela editora Paulinas, é explicado que as 95 teses foram escritas em latim com o propósito de convocar uma disputa académica que nunca aconteceu.
Segundo o investigador Miguel Barcelos, que apresenta no livro os aspetos gerais de Martinho Lutero (o homem e a obra), a afixação das teses para disputas académicas era um procedimento normal em Vitemberga, mas o resultado de as teses virem a desencadear o movimento da reforma é mais ou menos acidental.
"Lutero, reconhecendo a necessidade urgente de reforma na igreja não pretendeu iniciá-la com a afixação das teses. Por terem sido escritas em latim teriam um grupo de leitores muito reduzido: os académicos", escreve o investigador.
Foi um convite aos fiéis para um alargado debate teológico sobre o significado da pregação das indulgências, que pretendiam garantir um acesso rápido ao paraíso, e que visavam a angariação de fundos para custear os trabalhos de conclusão da basílica de São Pedro.
Em todo o caso, Lutero expediu as teses para o arcebispo de Mogúncia, acompanhadas de uma carta explicativa.
Afixadas ou não, o conteúdo das teses provocou controvérsia e revelou-se incendiário, porque Lutero questiona a extensão e os limites da autoridade papal, defendendo que o papa não tem poder para redimir as penas que não foram impostas por ele ou pela lei canónica (teses 5 e 6).
A 15 de junho de 1520, o papa Leão X emitiu a bula "exsurge domine" que concedia 60 dias para que Lutero se retratasse ou fosse declarado herege. A bula chegou a Lutero a 10 de outubro e findos os 60 dias, a 10 de dezembro, este queimou-a publicamente.
A 03 de janeiro, Martinho Lutero, foi oficialmente excomungado pelo papa.
As 95 Teses de Martinho Lutero são o marco inicial da Reforma Protestante.
Consideram os especialistas que, entre outros aspetos, a discussão em torno das indulgências, além de ter fomentado a pluralidade cristã, promoveu também uma das mais importantes conquistas da modernidade: a liberdade religiosa e de expressão.
As 95 teses de Lutero deram origem a um movimento de rutura, que levou à criação de uma nova religião cristã, o Luteranismo, identificado como um movimento protestante em relação ao catolicismo. Para o conter, a Igreja Católica promoveu um movimento de contrarreforma, sendo o Concílio de Trento (1545-1563) o mais marcante, com a criação de regras para a igreja romana.
A rutura originou confrontos sangrentos entre cristãos, motivou guerras de religiões em diversas regiões europeias, designadamente nos Principados Germânicos, em França e na Inglaterra, e abriu caminho para o surgimento de diversas vertentes do Cristianismo.
Quinhentos anos depois, o mundo assinala esta viragem.
O papa Francisco, defensor da unidade dos cristãos, participou em outubro de 2016, em Lund, na Suécia, no 500.º aniversário da Reforma de Martinho Lutero, de mãos dadas com os protestantes.
A deslocação do papa suscitou o entusiasmo dos teólogos católicos e luteranos. Para o pastor luterano Theodor Dieter, consultor principal dos trabalhos comuns, a participação de Francisco é "simplesmente sensacional".
"É preciso não esquecer que Lutero descreveu o papa como o anticristo e fez severas críticas sobre a Igreja católica romana", lembrou este dirigente do Instituto de pesquisa ecuménica de Estrasburgo ("think tank" dos luteranos).
Os tempos modernos acrescentaram também obstáculos. Nas celebrações na Suécia, o papa esteve rodeado de bispas luteranas, uma evolução do protestantismo ainda impensável na Igreja católica.