Efeito borboleta: Bluff de Trump levou Reginaldo de Taipé para Pequim
Aos 21 anos, o são-tomense Reginaldo Trindade foi apanhado pelo efeito borboleta: um bluff do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou-o de Taipé para Pequim, arrastado pelas correntes da geopolítica mundial.
© Reuters
Mundo Reportagem
"Foi tudo da noite para o dia", recorda à agência Lusa Trindade, que até março passado estudava numa universidade de Taiwan, com uma bolsa de estudo oferecida pelo governo local.
Taiwan, a ilha onde se refugiou o antigo governo chinês depois de o Partido Comunista (PCC) tomar o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China, mas Pequim considera-a uma província chinesa e ameaça usar a força caso declare independência.
São Tomé e Príncipe era um dos poucos países que mantinha relações diplomáticas com o território, mas em dezembro passado anunciou o reconhecimento da República Popular da China, rompendo com Taiwan.
Reginaldo Trindade, e dezenas de outros jovens são-tomenses que estudavam em Taiwan, foram imediatamente notificados de que as suas bolsas seriam canceladas.
"O pânico instalou-se", recorda. "Ligávamos para São Tomé e ninguém sabia dizer nada".
Reginaldo tinha aterrado em Taiwan dois anos e meio antes e era ali que via o seu futuro: "Já tinha a minha vida ali. Universidade, amigos, namorada."
No início, pensou em ficar. Mas, se o fizesse, "teria que contar com a ajuda da família. E isso era algo que queria evitar".
Em março, após concluir o ano letivo e já resignado e de malas feitas, foi surpreendido: "Dois dias antes de sairmos de Taiwan fomos informados de que iriamos para a China", conta. "Nada estava previsto".
Por detrás da reviravolta na vida do jovem são-tomense surge o agudizar das relações entre Taipé e Pequim, em torno de um bluff do então presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
Dezoito dias antes de São Tomé cortar relações diplomáticas com Taipé, a presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, telefonou a Trump a felicitá-lo pela vitória nas eleições, assumindo assim o estatuto de chefe de Estado, à revelia de Pequim, que não considera Taiwan uma entidade política soberana.
A chamada durou pouco mais de dez minutos, mas quebrou com um protocolo de quase 40 anos e gerou expetativas em Taipé de uma maior cooperação com Washington.
Pequim protestou, mas Trump parecia decidido a fazer da questão de Taiwan uma moeda de troca para travar o que considera serem práticas comerciais injustas por parte da China.
Em entrevista à Fox News, poucos dias depois da conversa com Tsai, Trump afirmou: "Não sei porque temos de estar limitados à política `Uma só China` a menos que façamos um acordo com a China sobre outras coisas, incluindo o comércio".
Após assumir o cargo, contudo, o novo inquilino da Casa Branca voltou atrás e reafirmou o seu compromisso com aquela política, não voltando a tocar no assunto.
Mas a audácia de Tsai teria de ser punida e Pequim jogou então com o seu peso económico para atrair São Tomé, num "óbvio castigo" para a líder taiwanesa, como referiu então um jornal do PCC.
Reginaldo aprendeu depressa que a política está em todo o lado, mas no seu caso garante que foi para o lado melhor.
"Oportunidades é o que não falta na China", conta. "Sinto que estou no lugar certo, na altura certa".
Antes de aterrar em Pequim, no entanto, o jovem são-tomense vinha receoso, imaginando o país como um lugar poluído e governado por um Estado repressivo, onde "a polícia andava sempre na rua a apanhar pessoas e fazer perguntas".
"Estava completamente enganado", admite. E se alguém lhe perguntar hoje se deve ir para a China, responde: "Vem, não penses muito, é o lugar certo para vir".
Quanto ao que sente mais falta em Pequim, Reginaldo aponta sem hesitar: "Família, praia e comida".
Apesar de a capital chinesa ser "boa para ganhar dinheiro, falta qualidade de vida", admite.
"A população em São Tomé chega a ser quase o equivalente a um bairro em Pequim", diz. "Em São Tomé vivia a dez minutos da praia. Aqui, acordo, abro a janela e vejo prédios e prédios".
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