Fundada em 1945 na sequência da vitória dos 'partisans' comunistas sobre o ocupante alemão e italiano, a Jugoslávia surgiu como uma federação descentralizada onde as seis repúblicas constituintes (Eslovénia, Croácia, Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedónia) e duas "regiões autónomas" em território da Sérvia (Kosovo e Voivodina), detinham ampla autonomia linguística e administrativa.
Mas a federação 'titista', orgulhosa do seu "não-alinhamento", da sua abertura ao ocidente, permaneceu centralizada em Belgrado, a forma de assegurar o funcionamento dos diversos componentes deste mosaico étnico, cultural e religioso. Após a morte de Tito (1980), a solução encontrada a nível federal -- presidência anual rotativa entre as seis repúblicas e as duas regiões autónomas -- revelou-se frágil.
Logo em 1981 os nacionalistas albaneses do Kosovo exigiram mais poderes a nível federal. Violentos protestos eclodiram em Pristina e em outras cidades da província, a presidência jugoslava declarou o estado de emergência e o balanço final foi de 11 mortos e milhares de detenções.
As tensões internas intensificaram-se ao longo dessa década, em particular a partir de 1989, também como consequência dos novos ventos provenientes do leste europeu após a queda do Muro de Berlim. No país dos "eslavos do sul", dirigido pela Liga dos Comunistas da Jugoslávia (LCJ), partido único, coincidiu com a degradação de uma economia até então assente no modelo da "autogestão" socialista.
O Governo federal do primeiro-ministro croata bósnio Ante Markovic (março 1989 - dezembro 1991) tentou contrariar o aumento da dívida externa e a inflação galopante através de um programa de reformas que incluiu privatizações e foi muito criticado internamente.
Em paralelo, aumentaram os protestos das repúblicas prósperas do "norte" (Eslovénia e Croácia), principais contribuintes do orçamento federal, também distribuído pelas repúblicas "indolentes" do "sul", como censuravam Ljubljana ou Zagreb.
Círculos políticos e intelectuais ativos nas principais repúblicas, que germinaram durante o titismo e foram sempre reprimidos, mobilizaram-se em nome do nacionalismo, das reformas, da democracia, do multipartidarismo.
Um dos momentos cruciais terá sido a reunião que decorreu em 16 de setembro de 1985 num restaurante de Ljubljana entre representantes das elites nacionais e culturais da Eslovénia e da Sérvia. Estava em marcha a destruição da "ideia" de Jugoslávia. E surgiram os "programas nacionais".
O Manifesto redigido em 1986 por destacados intelectuais sérvios de Belgrado foi uma das consequências desse encontro. O documento, conhecido por Memorando da Academia Sérvia de Ciências e Artes (SANU Memorandum), considerava os sérvios como o povo mais vitimizado e oprimido da Jugoslávia e constituía um libelo contra o arranjo federal titista.
O Memorandum admitia mesmo o direito de todas as nações jugoslavas concretizarem "as suas aspirações e desejos nacionais" ou a união "num só Estado" dos territórios com maioria de população étnica sérvia.
Na principal república da federação começou a destacar-se Slobodan Milosevic, dirigente da Liga Comunista local e eleito presidente da República da Sérvia em 1989. No poder, assumiu diversas recomendações do Memorandum, associadas à "unidade da Jugoslávia".
Milosevic desencadeou uma "revolução antiburocrática", garantindo como aliados as novas lideranças do Kosovo, Voivodina e Montenegro, aboliu as autonomias das províncias, aproximou-se das correntes nacionalistas.
Ainda em 1989, um milhão de sérvios celebraram no dia 28 de junho em Kosovo Polje, perto de Pristina, os 600 anos da Batalha do Kosovo (1389), que implicou a queda do reino medieval sérvio e o início da prolongada presença otomana.
No discurso Gazimestan, nome do monumento, Milosevic alertou para o perigo da desintegração da federação, mas com veladas críticas à herança de Tito, o croata-esloveno acusado de enfraquecer a Sérvia à custa das restantes repúblicas socialistas.
O perigo da "hegemonia sérvia" teve reflexos decisivos no XIV congresso extraordinário da LCJ, em janeiro de 1990, a última reunião magna antes da sua dissolução e onde foi decretada uma economia mista e o multipartidarismo.
As delegações eslovena e croata abandonaram os trabalhos e tudo se precipitou, perante a total inação e as divisões internas na então Comunidade Económica Europeia (CEE, atual UE).
As eleições de abril de 1990 na Eslovénia deram início a sucessivas vitórias das forças de oposição face à formação comunista jugoslava. As novas lideranças organizaram referendos sobre a independência, com resultados esmagadores.
Na Croácia, onde a minoria sérvia boicotou a consulta, a ultraconservadora União Democrática Croata (HDZ) de Franjo Tudjman passou a dominar o cenário político, envolveu-se no tráfico de armas e preparou-se para a rutura. Com Milosevic, tornou-se no expoente do nacionalismo emergente de uma federação moribunda.
Em maio de 1990, violentos confrontos entre adeptos do Dínamo de Zagreb e do Estrela Vermelha de Belgrado no estádio Maksimir tinham já interrompido o campeonato de futebol jugoslavo, que nunca seria reatado.
Na Bósnia, os nacionalistas muçulmanos de Alija Izetbegovic foram o partido mais votado, na Macedónia preparava-se a secessão que seria declarada em setembro de 1991, no Montenegro os aliados de Belgrado confirmaram o poder. E o estatuto das minorias sérvias fora da Sérvia ficou por resolver.
A identificação nacional e religiosa, a rejeição do "outro" comprometeram em definitivo uma federação assente no conceito de "irmandade e fraternidade". Para as elites nacionalistas que tentavam formar Estados "etnicamente puros" a Jugoslávia era um obstáculo.
Neste processo de desagregação, o Exército Popular Jugoslavo (JNA) prevaleceu como a única instituição associada à velha federação e foi enviado para as regiões da Croácia onde eclodiram os primeiros confrontos interétnicos.
Em clima de pré-guerra, a separação foi consumada em 25 de junho de 1991, quando a Eslovénia e a Croácia católicas declararam em simultâneo a independência, que a Alemanha e o Vaticano reconheceram quase de imediato. A então CEE apenas anunciaria essa decisão em janeiro de 1992.