Presidente moçambicano quer manter legado de ex-arcebispo da Beira
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, recordou hoje a "inteligência e perspicácia" de Jaime Gonçalves, nas cerimónias fúnebres do arcebispo emérito da Beira e mediador católico do Acordo Geral de Paz, expressando o desejo de manter vivo o seu legado.
© Lusa
Mundo Filipe Nyusi
"Na divulgação da fé e da esperança, na missão que abraçaste, interagiste com a sociedade despertando a consciência coletiva dos moçambicanos para a necessidade de construirmos uma sociedade de igualdade, justiça, harmonia social, paz e reconciliação. Queremos ser continuadores da tua obra e manter vivo o teu legado", declarou Filipe Nyusi na última homenagem a Jaime Gonçalves, na igreja de Nossa Senhora de Fátima, na cidade da Beira.
O ex-arcebispo da Beira morreu na quarta-feira na Beira, aos 79 anos, tendo sido, na qualidade de mediador da Conferência Episcopal moçambicana e do Vaticano, um dos principais obreiros do Acordo Geral de Paz, assinado a 04 de outubro de 1992, em Roma, e que encerrou 16 anos de guerra civil entre o Governo da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana).
Dirigindo-se ao "sagrado bispo" e "querido D. Jaime", o chefe de Estado invocou a "inteligência e personalidade, frontalidade, influencia, perspicácia e paciência" do líder religioso e afirmou que, apesar das suas origens em Sofala, a sua morte era chorada em todas as províncias do país.
"A unidade dos moçambicanos reclama a tua morte como obra de reconciliação e a esperança de paz que sempre procuraste", assinalou Nyusi.
Além do chefe de Estado, a cerimónia de homenagem a Jaime Gonçalves juntou o ex-Presidente Joaquim Chissano, signatário do entendimento histórico de Roma, líderes religiosos e representantes dos três maiores partidos moçambicanos.
Chissano recordou, por sua vez, os encontros com Jaime Gonçalves, na longa caminhada que antecedeu o Acordo Geral de Paz, observando que, apesar das muitas discussões que mantiveram, as diferenças nunca os afastaram.
"Com coragem, somos capazes de resolver os nossos problemas e trazer a paz ao país", afirmou o ex-Presidente moçambicano, quando Moçambique volta a viver instabilidade política e militar, mais de duas décadas após as negociações de Roma.
O presidente da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), Afonso Dhlakama, fez-se representar pelo secretário-geral do maior partido de oposição, Manuel Bissopo, alegando falta de condições de segurança para abandonar o seu refúgio algures na serra da Gorongosa, onde se encontra desde o final do ano passado.
Na sua última entrevista, divulgada pela Lusa a 18 de fevereiro, Jaime Gonçalves defendeu que o entendimento de Roma ainda é a solução para os conflitos no país e deve ser revisitado pela Igreja nesta nova fase de crise.
"O documento do Acordo Geral de Paz continua a ser o mais atual e ainda é a luz para a solução dos conflitos em Moçambique", sustentou o autor do livro "A Paz dos Moçambicanos".
Para Jaime Gonçalves, os acontecimentos recentes em Moçambique deixaram claro que "o Acordo de Paz não está a ser praticado pela Frelimo", argumentando que a linha dura do partido se recusou a integrar os homens armados da Renamo, que ficou um "movimento descamisado", e que há um plano para eliminar o seu líder, Afonso Dhlakama.
Jaime Pedro Gonçalves nasceu em Nova Sofala a 26 de novembro de 1936, tendo frequentado o seminário em Zobué, província de Tete, e prosseguido os estudos em Maputo, Namaacha, Canadá e Roma.
Assumiu a diocese da Beira em março de 1976, menos de um ano após a independência de Moçambique.
Condecorado pelo Estado moçambicano, em 2014, voltou a juntar-se aos signatários dos acordos de Roma, Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama, num evento da Universidade Católica, em setembro de 2015, na Beira, acusando os políticos de ameaçarem a paz com seu "orgulho e medo" e de promoverem uma democracia de ódio.
"Estão todos os dias enchendo a boca a dizer paz, paz, paz! Qual paz? Paz de vergonha? Onde está a paz?", questionou.
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