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Da escuridão à luz do dia, a longa viagem que ainda espera os reféns do Hamas

Os reféns libertados na Faixa de Gaza terão de enfrentar tratamentos por desnutrição e dores inexplicáveis e, após meses sem luz solar e correntes nas pernas, reaprender rotinas como usar a casa de banho.

Da escuridão à luz do dia, a longa viagem que ainda espera os reféns do Hamas

© HENRY NICHOLLS/AFP via Getty Images

Lusa
15/10/2025 18:11 ‧ há 8 horas por Lusa

Os últimos 20 reféns vivos entregues na segunda-feira pelos islamitas do Hamas estão a iniciar um difícil caminho de recuperação, que incluirá também a reconstrução de um sentido de controlo sobre as suas vidas, de acordo com as autoridades de saúde israelitas.

 

Ao longo do percurso, cada um será acompanhado por uma equipa de médicos, enfermeiros, vários especialistas e assistentes sociais para orientar a sua reinserção na sociedade após dois anos de cativeiro na Faixa de Gaza.

Todos os reféns estavam em condições estáveis na segunda-feira após a sua libertação, alcançada no âmbito de uma trégua entre Israel e o Hamas, e nenhum necessitou de cuidados intensivos imediatos.

"Mas o que parece externamente não reflete o que está a acontecer internamente", advertiu Hagai Levine, chefe da equipa de saúde do Fórum das Famílias de Reféns, citado pela agência norte-americana Associated Press (AP), que tem estado envolvido no tratamento das pessoas devolvidas pelo Hamas.

Os reféns recém-libertados permanecerão no hospital durante vários dias e serão submetidos a exames, incluindo uma análise psiquiátrica completa, de acordo com os protocolos do Ministério da Saúde de Israel.

Um nutricionista irá orientar os reféns e as suas famílias sobre uma dieta para evitar a síndrome de realimentação, uma condição perigosa que pode desenvolver-se após períodos de inanição se voltarem aos seus hábitos demasiado depressa.

Após entregas anteriores, alguns reféns e as suas famílias optaram por ficar juntos num hotel a norte de Telavive durante semanas para se habituarem à nova realidade. Outros regressaram a casa imediatamente depois de receberem alta hospitalar.

Todos os reféns devolvidos estavam excecionalmente magros e pálidos, provavelmente em resultado de longos períodos sem comida suficiente, observou Levine.

A falta de luz solar e de nutrição pode levar a problemas renais, hepáticos e cognitivos, bem como à osteoporose.

Muitos reféns usaram correntes nas pernas durante todo o cativeiro, o que pode levar a problemas ortopédicos, perda de massa muscular e coágulos sanguíneos.

Elkana Bohbot, um dos reféns libertados na última leva, relatou à família que sofre de dores em todo o corpo, especialmente nas costas, pés e estômago, devido à alimentação forçada a que foi sujeito nos últimos dias de cativeiro, de acordo com o Canal 12 da televisão israelita.

"Antes da sua libertação, recebeu comida em grandes quantidades para que parecesse um pouco melhor para o mundo", observou Rebecca Bohbot, mulher de Elkana, aos jornalistas na terça-feira, a partir do hospital.

Alguns reféns que regressaram anteriormente tiveram derrames ligeiros em cativeiro que não foram tratados, prosseguiu Levine.

Muitos também tiveram infeções e regressaram com o sistema imunitário gravemente comprometido, razão pela qual o número de visitas deve ser reduzido ao mínimo, segundo o clínico.

Nesse sentido, o médico do Fórum dos Reféns critica as visitas de políticos, considerando que são desnecessárias e potencialmente perigosas.

Segundo a AP, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, visitou cinco reféns na noite de terça-feira e hoje foi diagnosticado com bronquite.

"Os reféns libertados anteriormente foram informados de que estavam 'muito bem', mas alguns necessitaram de cirurgias muito complicadas. Alguns sentiam dores constantes. Muitos têm todo o tipo de dores que não conseguem explicar, mas que estão a ter impacto real na sua qualidade de vida", contou Hagai Levine.

O médico assinalou que Israel também aprendeu com a guerra israelo-árabe de 1973, quando mais de 60 soldados israelitas foram mantidos presos durante seis meses na Síria. Muitos deles desenvolveram cancro, problemas cardiovasculares e envelhecimento acelerado, correndo o risco de morte precoce.

O passo mais importante para o regresso dos reféns é ajudá-los a recuperar a sensação de controlo, destacou à AP Einat Yehene, neuropsicóloga clínica e chefe de reabilitação do Fórum das Famílias de Reféns.

Como exemplo apontou que muitas das pessoas que estivam em cativeiro desde o início da guerra saíram agora diretamente dos túneis do Hamas e viram agora a luz solar pela primeira vez em quase dois anos.

"Estou feliz por ver o sol. Estou feliz por ver as árvores. Vi o mar. Não fazem ideia de como isto é precioso", afirmou Elkana Bohbot à sua família, segundo os media israelitas.

Em termos de estímulo e autonomia, "é realmente avassalador", observou Einat Yehene, acrescentando que, nesta fase, alguém estará a colocar certas perguntas - "Precisa de ir à casa de banho?", "Gostaria de comer alguma coisa?" - que os reféns "nunca ouviram durante dois anos".

A sensação de autonomia pode ser estimulada permitindo-lhes tomar pequenas decisões. De acordo com o protocolo, todos os que os tratam devem pedir autorização para cada coisa, por mais pequena que seja, incluindo apagar a luz, mudar lençóis ou realizar exames médicos.

Além disso, alguns reféns que regressaram têm pavor da sensação física de sede, que remete para o período de cativeiro, alertou a neuropsicóloga do fórum.

Outros não conseguem ficar muito tempo sozinhos e pedem acompanhamento de um familiar 24 horas por dia.

Hagai Levine referiu que os reféns que são pais experimentaram uma integração mais tranquila, embora tenha demorado algum tempo a reconstruir a confiança com os seus filhos pequenos.

"É um facilitador da recuperação, pois obriga-os a retomar o papel de pais", explicou.

Nenhuma das mulheres mantidas em cativeiro durante longos períodos era mãe.

Segundo a neuropsicóloga clínica Einat Yehene, nos primeiros dias após a libertação, os reféns passam por um estado de euforia, embora muitos se sintam culpados pela dor que as suas famílias enfrentaram.

Para aqueles que consultaram poucos meios de comunicação social e não têm ideia do que aconteceu em Israel durante a sua ausência, as pessoas devem ter o cuidado de os expor à informação lentamente, adicionou.

Einat Yehene disse ter visto também uma resposta psicológica imediata de reféns que foram libertados em tréguas anteriores após a vaga de entregas de segunda-feira.

Isto é explicado pela mobilização de reféns devolvidos anteriormente na luta para recuperar os últimos que permaneciam na Faixa de Gaza e que não conseguiam concentrar-se na sua própria recuperação até agora.

"Já não se sentem culpados. Não se sentem responsáveis", justificou Yehene.

Iair Horn foi entregue pelo Hamas em fevereiro, mas só se sentiu libertado quando o seu irmão mais novo, Eitan, foi também finalmente devolvido.

"Há cerca de oito meses, regressei a casa. Mas a verdade é que só hoje estou verdadeiramente livre", comentou Horn, soluçando enquanto falava do hospital onde o irmão estava a ser avaliado.

Liran Berman, irmão dos gémeos Gali e Ziv Berman, que também foram agora libertados, fala de um quadro de "vidas presas entre a esperança e o medo" durante 738 dias.

"Este capítulo terminou. Ver Gali e Ziv novamente, abraçá-los depois de tanto tempo, foi como sentir o mundo a começar a mexer-se novamente", contou.

Leia Também: EUA instam Hamas a cessar atos de violência contra civis na Faixa de Gaza

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