"Não posso dizer nunca. O que posso dizer é que com o regime atual, com o sistema judiciário atual, será muito difícil nós termos Justiça. É por isso que temos que fazer pressão, é por isso que estou neste momento já a começar a lançar a ideia de um protesto nacional relativamente a estes crimes não esclarecidos", disse o político, em entrevista à Lusa.
Em causa está o homicídio, com dezenas de tiros, dos seus apoiantes Elvino Dias e Paulo Guambe, em outubro de 2024, logo após as eleições gerais, em pleno centro da cidade de Maputo, crime que continua por explicar e que dois dias depois marcou o início da contestação popular ao processo eleitoral, que se prolongou por mais de cinco meses em Moçambique.
"É preciso uma pressão popular, é preciso que todos nós, a sociedade, os jornalistas, os académicos e a comunidade internacional façam pressão sobre o executivo e pressão sobre o sistema judiciário para que não continuemos a ter este sistema de coisas", disse Venâncio Mondlane, que foi candidato presidencial nas eleições de 09 de outubro de 2024.
Elvino Dias, conhecido em Moçambique como "advogado do povo", pelas causas sociais e apoio que prestava sobretudo aos mais desfavorecidos, morreu na noite de 18 de outubro de 2024, numa emboscada, segundo a polícia, que passado praticamente um ano não apresentou explicações ou suspeitos do crime, associado desde então a motivações políticas.
Na altura era assessor jurídico de Venâncio Mondlane e o carro que conduzia, no centro de Maputo, foi intercetado por duas viaturas, de onde saíram homens armados que fizeram dezenas de disparos, atingindo mortalmente, além de Elvino Dias, de 45 anos, também Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoiou aquele candidato nas eleições de há um ano.
O homicídio levou a manifestações de protesto em Maputo dois dias depois, reprimidas pela polícia, seguindo-se a contestação aos resultados eleitorais, que Venâncio Mondlane nunca reconheceu.
"Para mim não há dúvidas absolutamente nenhumas que isto é um trabalho encomendado pelos esquadrões da morte", afirmou ainda Venâncio Mondlane, apontando que o crime apresentou o "mesmo 'modus operandi'" de "tantos outros que tombaram pela luta pela verdade".
Afirma que nas imediações do local do crime, na movimentada avenida Joaquim Chissano, centro da capital, existem câmaras de videovigilância públicas, bem como de dois bancos e instituições, as quais podiam mostrar "com grande precisão" os "que executaram Paulo Guambe e Elvino Dias", mas que, afirma, não foram utilizadas na investigação.
"Existe um bloqueio propositado e institucional sobre a verdade relativamente aos assassinatos de Elvino Dias e Paulo Guambe. Portanto, é um trabalho encomendado por aqueles que, neste momento, gerem, promovem e governam os esquadrões da morte", criticou, defendendo um "sinal de protesto" para o dia 19 de outubro.
"Porque não é só o problema de Elvino Dias. Nós temos uma lista, uma precedência de assassinatos, de raptos, de crimes variados que hoje colocam Moçambique no mapa dos países mais perigosos, mais criminosos e que têm as quadrilhas mais proeminentes do mundo", acusou, afirmando que é "preciso um dia de reflexão" em Moçambique.
"Vamos ter que parar pelo menos um dia neste mês de outubro, que é para refletir que tipo de sociedade, que tipo de Estado, que tipo de Governo nós queremos para o futuro", concluiu.
O Conselho Constitucional proclamou em 23 de dezembro, dois meses e meio após a votação, Daniel Chapo como vencedor da eleição presidencial, com 65,17% dos votos nas eleições gerais de 09 de outubro, seguindo-se Venâncio Mondlane, com 24%, mas que nunca reconheceu os resultados.
A plataforma eleitoral Decide, organização da sociedade civil que monitoriza os processos eleitorais avançou em abril que pelo menos 388 pessoas foram mortas e mais de 800 baleadas em cerca de cinco meses de protestos pós-eleitorais, 90% dos quais "foram causados por disparos com recurso a balas reais".
Daniel Chapo e Venâncio Mondlane reuniram-se em Maputo, pela primeira vez desde as eleições, em 23 de março, e no dia seguinte o ex-candidato presidencial apelou ao cessar da violência, não se tendo registado casos de agitação social associados à contestação eleitoral desde então.
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