Em Angola, os mapas enganam. A distância de Mavinga, capital do Cuando, a Rivungo --- 223 quilómetros em linha reta --- traduz-se em 16 horas de viagem por picadas quase invisíveis, entre mata cerrada e trilhos de areia fofa que desafiam os motores e a paciência dos viajantes.
A caravana que integrava os repórteres da Lusa chegou de madrugada, depois de uma noite de estrada interrompida por pneus furados, pausas forçadas, muita tensão e cansaço acumulado.
A vila, situada no extremo leste-sul do país e agora integrada na nova província do Cuando, tenta aproveitar os benefícios da recente divisão administrativa e atrair visitantes interessados em conhecer a fauna selvagem, os rituais locais e receber a bênção do rei Kaputungo VIII.
Mateus Alfredo Malita, administrador municipal adjunto, acredita que a aposta no turismo e nas tradições pode ser um caminho para o desenvolvimento:
"O Rivungo é um dos nove municípios do Cuando. Está em franco desenvolvimento, tendo em conta as infraestruturas que o Estado está a construir, como o novo hospital municipal, com capacidade de 30 camas, escolas e projetos de combate à pobreza", enumera.
O acesso continua a ser o principal obstáculo.
"Sabemos das dificuldades de ligação rodoviária, mas o Estado está a trabalhar para tirar o município do isolamento. Já se vêem máquinas no troço Cuito Cuanavale--Mavinga, e esperamos que em breve cheguem até aqui. Isso vai mudar tudo", disse à Lusa.
O Rivungo, sublinha o responsável, tem uma vantagem rara: a proximidade com a Zâmbia, que abre perspetivas para o comércio e o turismo transfronteiriço.
"A nossa relação com a vizinha Zâmbia é boa", afirmou, acrescentando que há cooperação e segurança, sem registo de crimes associados ao contrabando de combustível, um bem escasso na localidade e que é obrigatório transportar face à ausência de postos de abastecimento.
"Queremos atrair investidores para instalar aqui uma bomba de combustível, algo que facilitaria muito a vida dos munícipes e do setor privado", sublinha.
A par da administração do Estado angolano, as autoridades tradicionais continuam a ser também detentores do poder simbólico e efetivo e é quase obrigatório para os visitantes uma paragem na "embala" (aldeia) real.
À entrada, um grupo de mulheres dança ao som dos tambores reais antes dos guardas do rei conduzirem os visitantes na labiríntica Embala Fumu Kaputungo, coração do antigo reino do Cuando.
É aqui que reside o soberano Golden Mangisi Kaputungo VIII, oitavo descendente de uma linhagem que remonta ao século XIX.
O rei recebe a comitiva sentado num trono elevado, com um jacaré esculpido sob os pés -- "o rei da terra sobre o rei do rio", como explica o regedor Eduardo Chicote Dandula, soba grande do município e conselheiro real.
"Aqui só existe o rei Kaputungo", repete o soberano durante a bênção.
Um a um, os visitantes ajoelham-se em frente ao trono, depois de cumprido o protocolo: avisar com antecedência, levar prendas de cortesia (normalmente vinho) e depositar oferendas nos balaios (cestos) para obter a bênção e a proteção dos antepassados.
Entre o som dos tambores e o chilreio das aves, ficamos imersos no espírito dos antepassados e na paisagem quase intocada do Rivungo, pontuada por rios e cacimbas entre matas e capim onde se esconde a fauna que circula pelo Parque Nacional Luengue-Luiana, parte do projeto transfronteiriço Okavango-Zambeze, um dos maiores corredores ecológicos da África Austral.
"O município está dentro do parque e isso é uma vantagem", afirmou Mateus Malita, que antevê a criação d pequenos empregos para os jovens e oportunidades no comércio e hotelaria.
O turismo ainda é tímido, mas promissor, sustenta o administrador-adjunto.
"Mesmo com os acessos difíceis, já recebemos visitantes interessados em conhecer a realidade local e a nossa fauna. O Rivungo é fértil, tem terras aráveis e muita água. Tem tudo para atrair quem queira investir, seja na agricultura, seja no turismo."
Apesar da falta de hotéis e restaurantes, Mateus Malita pensa que serão em breve construídos por habitantes que acreditam numa futura presença de visitantes.
"Ainda não temos as infraestruturas que desejamos, mas estamos a começar. Um dia quem sabe teremos aqui um hotel de cinco estrelas para acolher turistas e visitantes", sonha o administrador adjunto.
A região de Rivungo integra o território ancestral do Reino do Cuando, fundado pelo povo Kwamashi, um grupo ribeirinho originário da atual República Democrática do Congo, que migrou para o sul há séculos em busca de terras férteis.
A linhagem real Kaputungu manteve-se até hoje, sendo o atual rei o guardião dessa herança espiritual e cultural.
O nome Rivungo -- derivado da árvore Muvunguvungu -- foi adotado pelos missionários católicos que aqui fundaram, em 1936, a Missão Santa Cruz do Cuando, um dos primeiros núcleos coloniais da região.
O Rivungo é hoje o retrato de uma Angola profunda, que pouco mudou nas últimas décadas e onde o futuro emerge em ritmo lento.
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