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O testemunho de um refém do Hamas: "Se encontrasse uma migalha, comia-a"

Esta terça-feira assinala-se o segundo ano do conflito na Faixa de Gaza, entre Israel e o Hamas, agravado pelos ataques de 7 de outubro. Entre as vítimas israelitas está a família do luso-israelita Eli Sharabi, que, após a libertação, decidiu escrever um livro a contar aquilo que viveu em cativeiro.

O testemunho de um refém do Hamas: "Se encontrasse uma migalha, comia-a"

© Beata Zawrzel/NurPhoto via Getty Images

Carolina Pereira Soares
07/10/2025 19:37 ‧ há 15 horas por Carolina Pereira Soares

Eli Sharabi foi um dos 251 reféns feitos pelo Hamas a 7 de outubro de 2023. Aos 491 dias em cativeiro foi libertado, no âmbito de uma das várias trocas de reféns entre Israel e o grupo palestiniano, e regressou a casa onde esperava reunir-se com a mulher e as duas filhas. Sharabi não sabia que elas não tinham sobrevivido ao ataque.

 

Esta terça-feira assinala-se o segundo ano do conflito na Faixa de Gaza, entre Israel e o Hamas, agravado pelos ataques de 7 outubro, que causou cerca de 1.200 mortos e desencadeou uma ofensiva militar israelita (há mais de 67 mil mortes registadas desde o início do conflito).

Entre elas, a família de Sharabi, que, após a libertação, decidiu escrever um livro a contar aquilo que viveu em cativeiro. Sharabi, recorde-se, é luso-israelita (o seu irmão Yossi Sharabi, de 53 anos, foi uma das vítimas mortais do grupo).

Durante aqueles quase 500 dias, o israelita conta que apenas a esperança em ver de novo a mulher, Lianne, e as duas filhas, de 16 e 13 anos, o fez suportar o cativeiro.

Eli Sharabi: O refém que não sabia que mulher e filhas estavam mortas

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Passou 491 dias em cativeiro e espera-o agora uma nova e trágica realidade.

Notícias ao Minuto com Lusa | 17:23 - 08/02/2025

Tinha-as visto pela última vez durante o ataque, quando um grupo armado invadiu a sua casa, no sul de Israel, e o arrastou para o aprisionamento. A última coisa que lhes disse foi: “eu vou regressar”, enquanto os olhos das suas filhas estavam “congelados em horror”.

“A crença de que elas estão vivas, a minha preocupação por elas, dá-me força”, recorda no livro ‘Hostage’, citado pelo New York Post.

Por isso, em fevereiro deste ano, quando soube que ia ser libertado, permitiu-se imaginar a vida, de novo, com a sua família. As filhas correriam na sua direção quando se reunissem, iria abraçá-las; e depois, iam mudar-se para Inglaterra, a terra natal da sua mulher, longe do conflito que os tinha separado.

Sharabi não sabia ainda da guerra ou que 101 dos seus vizinhos tinham morrido no ataque. Aliás, só soube da morte do próprio irmão, também ele refém, momentos antes de ser libertado.

Ao New York Post, o israelita detalha ainda a cerimónia de libertação em Gaza, considerando-a um “espetáculo de propaganda” do Hamas.

Na altura, Sharabi, com pouco mais de 43 quilos, foi levado a um palco, questionado sobre o que iria fazer com a sua recém-adquirida liberdade. “Eu disse que estava muito entusiasmado por ver a minha mulher e filhas”.

“Foi a nossa última humilhação”, contou. “Mas eu imaginei que as minhas filhas e a Lianne, em breve, estariam a correr para os meus braços.”

Quando, por fim, foi devolvido às mãos israelitas, a funcionária que o acompanhou disse-lhe que a sua mãe e irmã estavam à sua espera. Questionada sobre a família de Sharabi, a mulher disse apenas: “A tua mãe e irmã depois explicam-te”.

“Foi como se um martelo de cinco quilos me caísse sobre a cabeça”, disse, admitindo que percebeu, de imediato, que a sua família estava morta.

Lianne, Noiya e Yahel, mãe e filhas, foram baleadas após Sharabi ser capturado a 7 de outubro. Nem o cão, Mocha, sobreviveu ao ataque.

A força que lhe deu vontade de viver durante o cativeiro, afinal, nunca lá tinha estado à sua espera; mas a promessa de Sharabi às filhas foi cumprida: regressou a casa.

E o caminho até lá não foi fácil.

Notícias ao Minuto Eli Sharabi a discursar na ONU© Lev Radin/Pacific Press/LightRocket via Getty Images  

"Se encontrasse uma migalha no chão, comia-a"

Sharabi relatou que esteve acorrentado vinte e quatro horas por dia, todos os dias, com correntes em ferro que à volta dos tornozelos, que lhe rasgaram a pele. Os pulsos estavam amarrados com cordas tão apertadas “que ficaram marcados”. Mas o mais difícil, fisicamente, para o então refém foi a fome.

Sharabi disse que sobreviveu com um pita e meio (pão de trigo árabe) por dia, com esperas que, às vezes, chegavam às 30 horas “para próximo pita seco e água salgada para beber”.

“Se encontrasse alguma migalha no chão, agarrava nela e comia-a. Suplicava por comida constantemente”, recordou o israelita, confessando que sabia que os seus captores precisavam dele vivo.

O plano fez-se quase sozinho quando encontrou uma lâmina em cativeiro. Cortou a sobrancelha, garantindo que estava a sangrar consideravelmente, e fingiu desmaiar. A encenação garantiu-lhe uma metade extra de pita na semana seguinte.

“Foi um inferno”, disse, revelando que chegou a um ponto em que sentia que “podiam partir-me as mãos, os pés, as costelas, sem problemas, mas dêem-me mais comida”.

A fome não era o único problema no cativeiro. Sharabi reconta um incidente em que ouviu um dos seus captores ao telemóvel, a receber o que pareciam ser más notícias. A frustração foi descarregada no refém.

“Ele virou-se contra mim, espancando-me até eu perder os sentidos. Murros, pontapés nas costelas…”, escrevendo, recordando que os outros reféns o tentaram proteger. “Eu encolhi-me aos gritos por causa da dor. Tentei rastejar para longe dele, mas tinha os pés ainda algemados.”

Ao longo do mês seguinte, Sharabi não conseguiu sentar-se ou permanecer direito em pé.

Para além abuso físico, o israelita relembrou ainda o terror psicológico constante que tinham de enfrentar, especialmente às mãos dos guardas mais novos, e cruéis: “O tratamento deles era mais duro e mais degradante”.

“Eles tentavam fazer com que nós entrássemos em desespero, e acreditássemos que tínhamos sido verdadeiramente abandonados e que ninguém queria saber da nossa existência”, afirmou.

Um deles, dizia frequentemente a Sharabi que tinha visto a sua família em protestos na televisão: “Estão a lutar por ti. Tens filhas incríveis”.

Entre os guardas havia também quem os humilhasse com recurso à religião, obrigando judeus a citar versos do Corão em troca de fatias de fruta.

E apesar de saber que o Hamas precisava dos reféns vivos, uma parte de si permanecia sempre num estado de medo permanente de que, um dia, um dos captores ia perder a cabeça e matá-lo.

“Estava no ar o tempo todo, todos os dias”, com guardas a abanar as armas na direção dos reféns indiscriminadamente, a gesticular que os iam “massacrar”.

Sharabi garantiu que sempre quis “viver em paz com os seus vizinhos”, referindo-se aos palestinianos em Gaza, mas que, agora, perdeu essa esperança. “As pessoa que incendeiam, que violam… Vai demorar pelo menos duas gerações a educá-los para que amem e não odeiem” antes de as coisas mudarem.

O israelita contou que “não conheceu ninguém que não estivesse envolvido [no conflito] em Gaza, até mesmo os civis”. As próprias crianças, disse, atiraram sapatos aos reféns quando chegaram após o ataque de 7 de outubro. Sharabi disse que quase sofreu um linchamento às mãos da “multidão enraivecida que me queria desfazer em pedaços”.

A 7 de outubro o Hamas atacou, mas o conflito remonta a 1948

O ataque de 7 de outubro de 2023, levado a cabo pelo Hamas, fez mais de 200 reféns e 1.200 mortos. 

O grupo palestiniano governa, de forma autocrática, a Faixa de Gaza desde 2006, quando foi eleito por uma população que vive há longas décadas um conflito com Israel. Aliás, desde a formação do Estado israelita, em 1948 (como resultado da II Guerra Mundial e da perseguição a judeus), têm existido diversos confrontos armados, levando à morte de milhares.

A guerra declarada por Israel a 7 de outubro de 2023 em Gaza para "erradicar" o Hamas - horas após um ataque a território israelita com cerca de 1.200 mortos e 251 reféns - fez, até agora, pelo menos 67.173 mortos (incluindo mais de 20.000 crianças) e 169.780 feridos, na maioria civis, segundo números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.

Leia Também: Trump promete usar "poder" dos EUA para impor plano de paz para Gaza

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