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O relato de um jornalista (que esteve) detido em Israel: "Animais"

Carlos de Bárron, jornalista do El País que participou na flotilha humanitária, escreveu sobre os dias em que foi detido pelas forças israelitas e levado para uma prisão. Definiu a sua experiência como "desumana e extrema", referindo a negação de comida e água, assim como de medicamentos.

O relato de um jornalista (que esteve) detido em Israel: "Animais"

© Global Sumud Flotilla/Anadolu via Getty Images

Notícias ao Minuto
06/10/2025 20:08 ‧ há 11 horas por Notícias ao Minuto

Um jornalista do jornal El País esteve entre os centenas de ativistas que fizeram parte da Flotilha Global Sumud que tinha como destino Gaza. Já de regresso ao seu país, Espanha, descreveu como foram os dias desde que os barcos foram intercetados pelas forças israelitas até ao dia em que foi deportado.

 

"Definir a experiência que vivi desde a madrugada de quinta até domingo é muito difícil. Mas desumano e extremo são dois adjetivos que se encaixam na realidade", começou por escrever Carlos de Barrón.

E continuou: "Humilhação, abuso psicológico, agressão física, intimidação e uma infinidade de ações e comportamentos que tinham como objetivo fazer com que nos sentíssemos extremamente vulneráveis". 

Carlos Barrón referiu que qualquer gesto ou resposta má poderia levá-lo "a uma situação em que o que se sabia era que regressaria num estado muito pior".

"Foi isso que testemunhei, sofri e senti desde o momento em que, pelo menos, quatro navios militares israelitas intercetaram o 'Captain Nikos' - a embarcação onde eu estava, credenciado como jornalista na Flotilha Global Sumud, uma missão humanitária cujo principal objetivo era entregar ajuda e medicamentos à Faixa de Gaza - até domingo , dia em que eu e 20 colegas fomos libertados e repatriados", notou.

"Interminável". Como foram os dias?

O jornalista afirmou que "a noite de quarta-feira para quinta-feira pareceu interminável". "Por volta das 20h00 (horário de Espanha), o 'Alma', que liderava a missão, foi o primeiro a ser atacado por soldados fortemente armados. O nível de alerta estava no auge e todos nos preparámos para o momento". 

A partir daí, as restantes embarcações foram atingidas por "um fluxo interminável de informações" sobre barcos que estavam a ser atacados. 

"No 'Captain Niko', de repente, vimos uma grande navio militar a aproximar-se e a cegar-nos com um enorme holofote. Todos nos preparámos para o momento. No entanto, no último momento, vimos [o navio] virou e colidiu com o 'Spectre'. Seguiu-se um momento de grande confusão e o capitão decidiu continuar em frente".

Carlos Barrón revelou que viveram ainda mais "três" situações com navios israelitas a cercar a embarcação, mas não intervieram. Já por volta das 06h30, "com os primeiros raios de luz a aparecer, avistamos ao longe o que seriam os soldados que poriam fim, pela força, à missão humanitária". 

"Pelo menos, foram quatro os barcos que nos cercaram e, a apontar as metralhadoras, exigiram que subíssemos ao convés. Cerca de uma dúzia de soldados abordaram o navio com uma mensagem clara em inglês: 'Quem não obedecer às nossas ordens sofrerá as consequências'. Destruíram as câmaras, revistaram o barco e descobriram que até as facas de cozinha tinham sido atiradas ao mar para demonstrar a natureza não violenta da missão", explicou. 

Depois de intercetados e abordados, foram levados para o porto israelita de Ashdod, revelando que estava uma "multidão de polícias" à espera e que conseguiu identificar Itamar Ben Gvir - ministro da Segurança israelita.

"O medo tomou conta de nós. O tratamento que recebemos dos militares que estavam nos barcos foi aceitável, até melhor do que o esperado, mas sentimos que estávamos prestes a enfrentar um cenário novo e completamente diferente. E não demorou um minuto para o confirmar", salientou. 

E acrescentou: "Assim que pisámos terra firme, dois polícias fizeram-nos andar alguns metros com as mãos atrás das costas e depois ajoelhar-nos. 'Vocês são terroristas', disse-nos Ben Gvir, um dos membros mais extremistas do governo de Netanyahu, enquanto não nos era permitido levantar a cabeça sequer". 

O jornalista detalhou, não sabendo precisar o tempo que esteve ajoelhado, que depois de feito o registo policial, foi levado para um depósito. "Um dos polícias que me escoltava viu o colete a dizer 'Press' e depois de dizer 'Imprensa?', deu-me uma cotovelada na nuca para me forçar a baixar a cabeça até à altura da cintura. Manteve-me naquela posição durante cerca de uma hora". 

"Depois, fomos postos numa carrinha da polícia debaixo de temperaturas escaldantes por quase três horas. As nossas camisolas e cabelos estavam encharcados de suor. Foram momentos de grande angústia. Quase sem conseguir respirar, as reclamações que fizemos, a bater nas paredes do veículo, provocaram uma reação e os polícias decidiram ligar o ar condicionado no máximo", descreveu. 

E depois do calor o frio que sentiram durante "cinco ou seis horas" até os ativistas chegarem à prisão. "O riso dos guardas enquanto nos viam sair, congelados até aos ossos, era acompanhado por comentários como 'pobres terroristas". 

"Tinha uma marca visível no rosto, resultado de uma agressão"

Já na prisão, os ativistas foram levados para uma "cela a céu aberto", onde o jornalista reencontrou algumas pessoas que tinham estado com ele na sua embarcação: "Abraçámo-nos e chorámos juntos". 

"Também vi como o Lionel Simonin e o Pascal André, também tripulantes do 'Captain Nikos', foram transportados vendados e algemados. Também observei, angustiado, como o primeiro tinha uma marca visível no rosto, resultado de uma agressão", revelou.

Depois de várias horas, vestiu o "uniforme da prisão" e foi levado para uma outra cela. "Passaram-se mais de 12 horas e o meu acesso a comida e água potável foi negado".

"Logo depois de adormecer, os guardas entraram repentinamente. Às vezes, faziam uma contagem e, outras vezes, adicionavam presos à cela", disse, acrescentando que "esse padrão se repetiu durante as três noites", mas "com vários acréscimos".

Explicou que, "entre seis a oito polícias, armados com espingardas, pistolas e spray de gás pimenta, entravam a cada duas os três horas", chegando até a levar cães. 

"Apontavam as armas a zonas vitais do nosso corpo, como corações e cabeças. O laser verde das armas podia ser visto em vários prisioneiros. De forma completamente aleatória, escolheram quatro, cinco e até seis pessoas e transferiram-nas para outras celas. Numa das ocasiões, fui selecionado. Entrei na nova cela completamente apavorado e com esperança de ver algum rosto familiar", contou. 

Bárron afirmou que, a dada altura, já não haviam colchões para dormir e que, por isso, fez uma "cama com cobertores". Contou também que não tinham autorização para sair da cela durante o dia e que só aqueles que tinham apoio consular é que tinham esse "privilégio". 

"O acesso a medicamentos também foi negado. Duas pessoas que estavam comigo tinham diabetes e ficaram três dias sem insulina ou atendimento médico. Quando chamaram um médico, a resposta inicial foi: 'Não há médicos para animais como vocês'. Outro preso teve uma crise de asma e levou mais de três horas para que um especialista médico chegasse. Uma mulher de 70 anos tinha problemas cardíacos e precisava de alguns comprimidos. Quando os pediu, a resposta foi: 'Vai ser um problema quando o coração parar'".

O jornalista do El País deu ainda conta de que partilhou a cela com um cidadão tunisiano de 29 anos, que lhe mostrou que o seu lado direito do corpo estava ferido.

"No porto, tinha adesivos palestinianos no bolso e a bandeira. Gritei 'Palestina Livre' antes de desembarcar. Levaram-me para um quarto individual e espancaram-me durante 15 minutos", contou o jovem de 29 anos a Barrón. 

Carlos de Bárron notou que os guardas procuravam provocá-los para obter reações. Assim, poderiam levá-los, isolá-los e deixá-los ao sol durante horas. 

"O que vivenciámos na prisão levou-nos, a todos nós, a uma reflexão. Se eles foram capazes de nos tratar assim, muitos dos quais ocidentais e de países que mantêm relações com Israel, o que farão com prisioneiros palestinianos? A sensação de total impunidade que se tem percebido tem sido uma das maiores frustrações para todos nós que fomos detidos, mas também para aqueles que permanecem lá. Muitos deles estão em greve de fome", terminou.

Leia Também: Israel deportou mais 171 ativistas da flotilha (incluindo Greta Thunberg)

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