Em entrevista à agência Lusa em Ramallah, Shawan Jabarin considera que, quando se fala em genocídio na Faixa de Gaza, os últimos dois anos comparam com os 76 anteriores, que remetem para "outro genocídio", referindo-se à Naqba e expulsão de palestinianos na fundação de Israel, em 1948.
"Isso significa que desde 1948 não saímos da primeira casa", declara o diretor-geral da organização de direitos humanos fundada em 1979, que se apresenta como a primeira não só na Palestina como em todo o Médio Oriente, já galardoada pela Fundação Carter, a par da israelita B'Tselem, e apoiada pela União Europeia, mas sancionada pela atual administração dos Estados Unidos e considerada terrorista por Israel.
No início deste mês, o Departamento do Tesouro norte-americano incluiu a al-Haq e outras duas organizações palestinianas na sua lista de sanções, pelos seus esforços junto do Tribunal Penal Internacional de investigação de cidadãos israelitas "sem o consentimento de Israel".
Em 2021, a União Europeia chegou a congelar os financiamentos à al-Haq, no seguimento de ligações ao terrorismo alegadas por Israel, mas no ano seguinte retomou-os após uma investigação de Bruxelas não ter encontrado nenhuma prova nesse sentido.
Em resposta aos ataques liderados pelos islamitas palestinianos do Hamas, que, em 07 de outubro de 2023, fizeram 1.200 mortos e 251 reféns, Israel lançou uma devastadora ofensiva militar na Faixa de Gaza, que peritos da ONU enquadram como um genocídio, além de o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyau, e o seu ex-ministro da Defesa Yoav Gallant serem procurados pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e contra a humanidade.
Para Shawan Jabarin, os acontecimentos atuais no enclave palestiniano, mas também na Cisjordânia ocupada e Jerusalém Oriental, representam apenas "a concretização do que os líderes israelitas e os lideres sionistas têm dito claramente: 'Não acabámos o jogo em 1948".
Após os ataques do Hamas, "pensaram que é o momento de o terminar, e terminar significa expulsar os palestinianos da sua pátria, do seu país e limpar a terra", afirma o ativista, para dar lugar "à construção daquilo a que chamam 'Grande Israel'",.
Esta narrativa, prossegue o responsável da al-Haq, nem sequer são palavras suas, mas correspondem ao que defendem os ideólogos de Israel e usadas abertamente pelos seus dirigentes, apontando o caso de Netanyahu e do seu livro "Place Under the Sun" ["Lugar ao Sol", de 1996], em que já diz que "os árabes só entendem uma linguagem, batendo-lhes e dominando-os". Ou seja, atualmente "está a por em prática a sua ideologia".
Ao longo de quase cinco décadas, a al-Haq tem vindo a documentar a apropriação de terras, a expansão dos colonatos, bem como a violência dos colonos e os assassínios de palestinianos, recordando que, após a Segunda Intifada, em 2000, a cidade de Hebron, onde ele próprio nasceu há 64 anos, ficou sujeita a um recolher obrigatório durante largos meses, paralisando a economia e empurrando os habitantes para a pobreza: "Alguém imagina o que isto significa?"
A "punição coletiva", acusa o ativista, "faz parte da política oficial de Israel" e, além da sua face mais visível na Faixa de Gaza, pode ser encontrada nas demolições de casas na Cisjordânia e Jerusalém ocupada, tornando a paisagem de colonatos que as comunidades estavam acostumadas a ver apenas como "pequenos postos avançados" em lugares parecidos com "grandes cidades". Isto leva a que "os palestinianos estejam, hoje em dia, espremidos e a fragmentar-se".
Essa fragmentação representa igualmente "uma política muito profunda" de Israel, procurando destruir a consciência e identidade nacional dos palestinianos, através de exemplos no passado de cartões que usavam cores diferentes para distinguir os habitantes de cada região, ou na divisão das comunidades pelas suas etnias e religiões.
"Só que falharam sempre nas suas manobras de diversão contra a identidade nacional e consciência nacional da Palestina e bem que tentaram", observa o diretor da al-Haq desde 2005, elencando vários casos nas últimas décadas e que cabem na expressão de "uma guerra contra o povo" palestiniano.
"Após o 07 de Outubro, sentimos logo nos dois primeiros dias, através da nossa experiência anterior, que eles estavam a conduzir um genocídio, porque lemos os seus lábios, desde o Presidente ao primeiro-ministro, passando pelo ministro da Defesa e por outros ministros, quando disseram que não há inocentes em Gaza", recorda.
E receia que tenha sido "exatamente isso o que aconteceu", numa guerra que não era dirigida "apenas contra o Hamas, mas contra um povo inteiro", a partir do momento em que "a intenção já estava lá desde o primeiro momento", na justificação de todas as mortes porque não há inocentes.
"Sou uma pessoa ingénua. Pensava que Israel tinha limites, para ser sincero. Pensava que eles tinham um sistema, mas descobri que não há linhas vermelhas", declara, adicionando a crítica a "uma cultura na essência de superioridade, e não apenas contra os palestinianos".
Além disso, mesmo que sugira ser compreensível que as autoridades israelitas perseguissem e prendessem os autores dos ataques liderados pelo Hamas, avisa que permanecem questões em aberto, em que milhares de palestinianos estão desaparecidos desde aquele dia de outubro de 2023.
"O que lhes aconteceu? Se foram torturados e mortas, onde é que estão?", questiona, repetindo a mesma questão que peritos do Conselho de Direitos Humanos da ONU levantaram em julho passado, a propósito de quatro mil pessoas, incluindo crianças e idosos, em parte incerta, e que se juntavam aos 48 reféns israelitas capturados na Faixa de Gaza, dos quais se estima que 20 estejam vivos.
Shawan Jabarin defende que os acontecimentos dos últimos dois anos na Faixa de Gaza não têm paralelo, na sua natureza e escala, na história contemporânea, desafiando a que lhe apontem um caso em que, durante por exemplo na Segunda Guerra Mundial, se procurasse a destruição não apenas de um hospital ou de uma clínica, mas da totalidade a 100% do sistema de saúde
"É isso que está a acontecer em Gaza. E em Gaza tentam também enviar uma lição e uma mensagem ao resto da região de que se alguém lhes tocar, não há limites", insiste, ao referir no entanto que este conflito, ao contrário de outros no passado, está amplamente divulgado nas televisões e na Internet: Ninguém pode dizer que não sabia".
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