"Todos os personagens são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si", disse Paulo Gonet, durante leitura da acusação no primeiro dia do julgamento que pode levar Jair Bolsonaro a mais de 40 anos de prisão, frisando que "os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denúncia [acusação] são fenómenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas".
Segundo Paulo Gonet, "todos convergiram, dentro do seu espaço de atuação, para o objetivo comum de assegurar a permanência do Presidente da República na época na condução do Estado, mesmo que não vencesse as eleições, e mesmo depois de ter efetivamente perdido a preferência dos eleitores em 2022".
Para o procurador-geral, tanto Bolsonaro, como os outros sete arguidos em julgamento, colaboraram "em cada etapa do processo de golpe, para que o conjunto de acontecimentos criminosos ganhasse realidade".
Gonet salientou não ser necessária uma ordem oficial assinada por Bolsonaro para que haja crime de golpe de Estado, até porque "não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o Presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso".
Por essa razão, Paulo Gonet apelou à condenação de todos os envolvidos: "Punir a tentativa frustrada de tentativa de ruptura é imperativo, opera como elemento dissuasório contra o ânimo de aventuras golpistas".
Segundo a acusação, o plano foi discutido antes mesmo das eleições de outubro de 2022, começando com uma campanha contra o sistema eleitoral e tomou forma concreta após a derrota de Bolsonaro nas urnas para Lula da Silva.
A acusação sustenta que, na investigação, foi encontrado o rascunho de um decreto que anulava as eleições e ordenava a detenção de alguns juízes, entre eles Alexandre De Moraes, hoje relator do processo.
Também foram encontrados documentos sobre um plano para vigiar os movimentos de Lula da Silva, do vice-Presidente, Geraldo Alckmin, e de Alexandre de Moraes.
No documento, o "punhal verde e amarelo", sugeria-se até a possibilidade de assassiná-los através de "envenenamento", disse.
Paulo Gonet acusou ainda Bolsonaro de ter incentivado os acampamentos em frente aos quartéis do Exército, logo depois das eleições presidenciais, nos quais se exigia a intervenção militar para impedir a posse de Lula da Silva.
Meses de desinformação e de ataques verbais levaram a que, a 08 de janeiro de 2023, milhares de radicais invadissem e atacassem as sedes dos três poderes em Brasília, cerca de uma semana depois da tomada de posse de Lula da Silva.
A primeira sessão do julgamento que pode levar à prisão por mais de 40 anos de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado foi aberta sem a presença do ex-Presidente brasileiro, que decidiu não comparecer e que se encontra em prisão domiciliária a poucos quilómetros do tribunal.
A sessão em Brasília foi aberta por volta das 09:00 pelo juiz presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, Cristiano Zanin, marcada por fortes medidas de segurança nas imediações do tribunal.
Além de Jair Bolsonaro, vão a julgamento o deputado federal Alexandre Ramagem, o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o general na reserva e ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República Augusto Heleno, o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, o general e ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o general na reserva e ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Neto.
O coletivo do STF é formado pelo juiz Alexandre de Moraes (considerado o 'inimigo número um' do 'bolsonarismo'), por Flávio Dino (ex-ministro da Justiça do Presidente, Lula da Silva), Luiz Fux (indicado ao STF pela então Presidente Dilma Roussef), Cármen Lúcia (indicada ao STF por Lula da Silva) e Cristiano Zanin (ex-advogado pessoal de Lula da Silva).
Nesta primeira audiência, apenas um dos réus está presente: o general na reserva Paulo Sérgio Nogueira, que foi ministro da Defesa durante o governo Bolsonaro.
Leia Também: Brasil. Julgamento de tentativa de golpe de Estado começa sem Bolsonaro