Ao longo dos últimos oito meses, Trump expressou admiração pelo líder do Kremlin mas também fúria e até repugnância devido aos violentos bombardeamentos na Ucrânia, que lhe deram a ideia de que "talvez Putin não queira terminar a guerra".
No seguimento de uma referência a uma "troca de territórios" entre a Rússia e Ucrânia, que mereceu uma contundente recusa do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e dos seus aliados europeus, a Casa Branca já baixou as expectativas sobre o encontro.
Eis o que se sabe sobre a cimeira de sexta-feira:
Onde acontecerá?
A cimeira terá lugar na Base Conjunta Elmendorf-Richardson, nos arredores de Anchorage. O início da reunião está marcado para as 11:30 locais (20:30 em Lisboa).
É a primeira viagem de Putin aos Estados Unidos desde que 2015 se deslocou à Assembleia-Geral da ONU, em Nova Iorque.
No Alasca, Putin não corre o risco de ver executado o mandato de detenção emitido em 2023 pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, uma vez que os Estados Unidos, tal como a Rússia, não estão vinculados à instância judicial.
A cimeira decorre onde o Oriente se encontra com o Ocidente, num local familiar para ambos os países como uma linha da frente da Guerra Fria, de defesa antimíssil, postos avançados de radar e recolha de informações.
O encontro prevê apenas as presenças de Trump e Putin, que só aceitará encontrar-se com Zelensky com uma base de acordo para o fim das hostilidades e sustenta que "ainda se está muito longe" desse momento.
Kyiv e os aliados europeus já expressaram oposição a um acordo sobre o conflito sem a participação de Kyiv.
O que quer a Rússia?
Como antecedente da reunião, Trump mostrou ao longo das últimas semanas sinais de exasperação com Putin pela sua recusa em travar os bombardeamentos em grande escala na Ucrânia, bem como de um cessar-fogo de 30 dias, defendido por Kyiv como primeiro passo para a paz.
Em alternativa, Moscovo exige condições inaceitáveis para Zelensky, como a retirada das suas tropas das quatro regiões que a Rússia invadiu desde 2022 (Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson) e a interrupção das entregas de armas ocidentais a Kyiv.
Para uma paz mais ampla, Putin pretende que Kyiv ceda as regiões anexadas, embora não controle a totalidade de nenhuma delas, e que renuncie à adesão à NATO e aos seus planos de fortalecimento militar, e ainda o reconhecimento do russo como língua oficial, a par do ucraniano.
A Rússia ocupa cerca de 20% do território ucraniano, incluindo a Crimeia, quase toda a região de Lugansk e praticamente dois terços de Donetsk, que, em conjunto, compõem o Donbass (leste), o centro industrial estratégico do país.
A Rússia controla também mais de metade da região de Kherson e partes de Zaporijia, ambas no sul da Ucrânia, e mantém pequenas bolsas de tropas em Kharkiv e Sumy, no nordeste.
O que quer a Ucrânia?
O Presidente ucraniano mantém-se firme na posição de que qualquer acordo de paz só acontecerá com a participação do seu país e deve contemplar garantias de segurança robustas para evitar novas agressões russas.
Desde o início do conflito, Putin tem jogado com o tempo e alertou a Ucrânia de que enfrentará condições negociais mais difíceis, à medida que as tropas russas progridem com vista a atingir outras regiões do país, como Dnipropetrovsk, no centro do país.
Alguns observadores sugerem que a Rússia poderia ceder estes ganhos recentes por territórios sob controlo ucraniano nas quatro regiões anexadas por Moscovo e o próprio líder da Casa Branca sugeriu "trocas territoriais" como parte dos seus esforços para terminar o conflito.
O Presidente norte-americano deu ainda a entender que poderiam ser adicionadas vastas áreas marítimas que Kyiv perdeu desde o início da invasão russa.
"Haverá alguma troca de terras em curso. Sei disso pela Rússia e através de conversas com todos. Para o bem da Ucrânia. Coisas boas, não más. E também algumas coisas más para ambos", disse Trump na segunda-feira.
No entanto, Zelensky alega que Putin "está a fazer 'bluff'" sobre o seu poderio militar e a ineficácia das sanções contra Moscovo como forma de condicionar as negociações.
Em simultâneo, insiste que "os ucranianos não entregarão as suas terras ao ocupante" e essa perspetiva representaria um desastre para a sua presidência, motivando protestos em potência ao fim de mais de três anos de derramamento de sangue.
Além disso, a alteração das fronteiras definidas em 1991 está fora da sua autoridade, pois seria uma violação da Constituição, um argumento que Trump não compreende.
"Quer dizer, ele obteve permissão para entrar em guerra e matar toda a gente. Mas precisa de permissão para fazer uma troca de território?", questionou o líder norte-americano.
Por outro lado, Zelensky considera que só o facto de a cimeira acontecer já é uma vitória para Putin, numa forma de legitimação que quebra o isolamento ocidental a que estava sujeito, apesar de Moscovo preservar o apoio tácito de outras potências, a começar pela China.
A Ucrânia pretende também garantir que Moscovo pague os bilionários prejuízos da destruição que causou e devolva cerca de 20 mil menores deportados à força para a Rússia, um tema muito sensível entre os ucranianos.
O que quer Trump?
Após ter defendido que esta guerra nunca teria acontecido se estivesse no seu início na Casa Branca e prometido acabar com ela em 24 horas, Donald Trump foi revendo o seu discurso desde que iniciou o seu segundo mandato, em 20 de janeiro.
Perante a intransigência das partes, o líder norte-americano evoluiu para manifestações de impaciência com os dois lados e, mais do que uma vez, suspendeu o apoio militar e informações a Kyiv e ameaçou Moscovo com o agravamento de sanções e tarifas secundárias a países importadores de petróleo russo.
Um ultimato nesse sentido expirou na passada sexta-feira, no mesmo dia em que foi anunciada a cimeira com Putin, ainda que Donald Trump mantenha a hipótese de "consequências muito graves" para a Rússia se o diálogo com o homólogo russo não produzir resultados em relação à Ucrânia, embora não sejam de descurar avanços no relançamento das relações entre Washington e Moscovo.
No início do seu segundo mandato, o político republicano posicionou-se como um "pacificador e unificador" e assumiu-se como candidato a um Prémio Nobel pelo seu envolvimento na Ucrânia, no Médio Oriente, ou mais recentemente no longo conflito entre a Arménia e o Azerbaijão.
No entanto, na terça-feira, a porta-voz da Casa Branca, Caroline Leavitt, baixou as expectativas sobre a cimeira no Alasca e indicou que será "um exercício de escuta", que servirá para Trump "obter uma melhor compreensão" da forma de colocar fim à guerra, que evoluirá para uma reunião alargada com o Presidente ucraniano se na sexta-feira houver progressos.
Na sua torrente de declarações sobre a cimeira, o Presidente norte-americano sinalizou no início da semana que se pode desligar deste processo: "Talvez diga 'boa sorte, continuem a lutar'. Ou talvez diga 'Podemos chegar a um acordo'".
O que querem os europeus?
O chanceler alemão, Friedrich Merz, promoveu na quarta-feira várias reuniões virtuais prévias de alto nível, que envolveram Trump e Zelensky, mas também representantes da União Europeia, o secretário-geral da NATO e vários destacados líderes europeus.
Como resultado, os dirigentes europeus transmitiram o seu apoio ao líder da Casa Branca na obtenção de um cessar-fogo, ou caso contrário Moscovo terá de se sujeitar a novas sanções.
Do mesmo modo, "os interesses fundamentais da segurança europeia e ucraniana devem ser protegidos", advertiu Merz, falando ao lado de Zelensky em Berlim.
O chanceler alemão defendeu também que, embora Kyiv esteja disposta a discutir questões territoriais, a base deve ser a atual linha de contacto na frente de combate e que "deve ser mantido o princípio de que as fronteiras não podem ser alteradas pela força".
Como sinal da continuação do apoio europeu a Kyiv, a Alemanha anunciou na quarta-feira o financiamento de um novo pacote de 500 milhões de dólares em equipamento militar norte-americano para a Ucrânia, no âmbito de uma iniciativa da NATO, o terceiro nas últimas semanas no mesmo valor, após os compromissos assumidos pelos Países Baixos e por Dinamarca, Noruega e Suécia.
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