"Foi uma coisa imprevisível. Ligaram-me por volta das 03h00 (05h00 em Lisboa) para vir à Praça Estrela [no centro do Mindelo] ver o meu carro que podia ser arrastado para o mar. Havia trovoada, chuva intensa, e não vim logo porque era arriscado", conta à Lusa Amadeu Rocha, 61 anos, morador e comerciante no Mindelo.
Uma hora depois, Amadeu conseguiu chegar ao local, mas o seu veículo pesado já tinha sido arrastado pelas águas, até chegar ao mar, cerca de 200 metros da Praça Estrela, centro histórico da cidade e uma das zonas mais afetadas.
"Um amigo e as autoridades ajudaram-me a tirá-lo", afirma ainda.
O veículo, mesmo recuperado, ficou com o motor, para-brisas e os bancos destruídos.
Além disso, motores de carros e bicicletas que vendia diariamente também foram levados pelo mar.
Conseguiu resgatar alguns, mas calcula já um prejuízo de cerca de um milhão de escudos (9.069 euros).
"O dano é enorme. É o carro que usava todos os dias para vender. Desde a madrugada estou aqui, nem sei como está a minha casa. As mercadorias ficam no carro e não consigo levá-las para casa porque são pesadas", disse, pedindo apoio do Governo.
"Pelo menos sete viaturas foram parar ao mar. Perdeu-se tudo. Nem sei quando vou esquecer isto", acrescenta, com lágrimas nos olhos.
Alcir Lima, 70 anos, vive há 64 na Praça Estrela e relata que a "madrugada foi inédita".
"Deitei-me normalmente, começou a chover, depois veio muita trovoada e as águas começaram a entrar em casa, subiram até 1,20 metros. Com a ajuda dos rapazes consegui tirar a lama, mas ainda há muita lama nas ruas. De manhã, havia sete carros na praça. É a primeira vez que vejo algo assim na ilha", conta.
Na mesma zona, no principal mercado do Mindelo, onde trabalhavam quase 200 vendedores, a destruição foi generalizada.
Manuel Ramos, de 62 anos, vendia telemóveis e outros artigos eletrónicos, mas "perdeu tudo".
"O prejuízo ultrapassa um milhão de escudos (9.069 euros)", lamenta.
Para Patrícia Almeida, 31 anos, o sentimento é de tristeza, apesar de a sua família estar a salvo.
"A nossa ilha está destruída. É a primeira vez que vejo uma chuva destas. Os meus sentimentos para as famílias das vítimas. Espero que as autoridades ajudem quem mais precisa, com casas, roupas, tudo o que for necessário", disse ainda.
António Martins, morador de 64 anos, relata que a chuva na ilha sempre ocorreu na normalidade.
"Nunca vi um relâmpago tão forte assim, sinto muito triste, porque várias pessoas estão desalojadas, comerciantes que vivem aqui, estão todos afetados. Mas estamos a ajudar uns aos outros a limpar as águas. Algo tem que ser feito. Ficámos com medo porque há mais previsões de chuvas", acrescenta.
O taxista Balduíno Gomes, 49 anos, conta que há poucos táxis a circular e que alguns colegas estão a usar carrinhas de caixa aberta para transportar pessoas.
"Nunca vi nada assim", resume.
O impacto da tempestade também se sentiu no Aeroporto Internacional Nelson Mandela, na cidade da Praia, onde viajantes para São Vicente mostravam preocupação e tristeza.
Fátima Pires, 50 anos, regressava de urgência: "Deixei o meu filho de 20 anos sozinho em casa no domingo e agora tenho que voltar. Passei horas no aeroporto à espera de lugar porque os voos estavam cheios".
Benito Lopes, 46 anos, também tentava voltar à ilha.
"Um vizinho perdeu uma criança de sete anos. As pessoas precisam de apoio psicológico e material para conseguir estabilizar a vida", afirma.
Pelo menos sete pessoas morreram em São Vicente devido às chuvas intensas que caíram esta madrugada, havendo ainda desaparecidos e registo de danos em vias públicas, habitações e viaturas.
O Governo cabo-verdiano declarou situação de calamidade nas ilhas de São Vicente e Santo Antão e dois dias de luto nacional.
O Governo português já expressou "profundo pesar pelas vítimas da tempestade", apresentando "condolências às famílias, ao povo irmão cabo-verdiano e às autoridades, manifestando todas as formas de solidariedade".
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