"Moçambique é um Estado de Direito. Há, portanto, separação e interdependência de poderes. E esta separação e interdependência de poderes assegura que neste país haja um poder executivo, um poder legislativo e um poder judicial. E estes têm um contexto de cada um trabalhar no quadro da sua própria independência", afirmou o porta-voz do Conselho de Ministros, Inocêncio Impissa, questionado pelos jornalistas no final da reunião daquele órgão.
"Não há de se compreender, por exemplo, que o Presidente da República vá mandar no poder judicial. Nem vai se compreender que o poder judicial vá mandar, por exemplo, no poder legislativo. Não se pode compreender este tipo de interferências", acrescentou.
O político Venâncio Mondlane foi acusado pelo Ministério Público moçambicano de cinco crimes, no âmbito das manifestações pós-eleitorais, incluindo incitamento à desobediência coletiva e instigação ao terrorismo, revelou o próprio, à saída da Procuradoria-Geral da República (PGR), na manhã de hoje.
Perante um forte aparato policial, com a sede da PGR, em Maputo, interdita à circulação automóvel e pedonal, e com elementos do Ministério Público a receberem-no à entrada com coletes antibala, o ex-candidato presidencial explicou, após 30 minutos no interior para receber a notificação, que vai para julgamento, com o apoio de uma "equipa internacional" de advogados, de "consciência tranquila".
Mondlane revelou que está acusado de um crime de apologia pública ao crime, de um crime de incitamento à desobediência coletiva, um crime de instigação pública a um crime, um crime de instigação ao terrorismo e um crime de incitamento ao terrorismo, acusação que não reconhece.
"A componente da constituição ou não em arguido, há de compreender que não veio do Presidente da República. Há de ter vindo de um outro órgão, que naturalmente apreciou, verificou, aprofundou os elementos de conexão entre os prejuízos causados a determinados cidadãos ou ao país (...), desconheço completamente o conteúdo dessa acusação, mas há de ser dentro do exercício do poder judicial e quem exerce não é o Presidente da República. Estamos entre dois poderes diferenciados", disse, por sua vez, Impissa.
O porta-voz do Governo sublinhou a necessidade de ficar claro que os três poderes, na Constituição, "estão claramente instituídos" e "estão separados do ponto de vista formal e funcional", apesar da "interdependência entre as unidades", sem isso significar "interferência no exercício desses poderes".
Já Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados das eleições gerais de 09 de outubro, afirmou ter prestado "um grande serviço" à nação: "É a primeira vez em 30 anos de democracia em que nós conseguimos levar até ao extremo a questão de desvendar, tirar o véu da fraude. Tirámos a máscara da fraude e levámos até à extrema resistência contra um regime ditatorial que se mantém com base nas armas, com base nos assassinatos e nos sequestros".
Mondlane acusou a Justiça moçambicana de ser "seletiva", no tratamento deste processo.
O político foi hoje chamado à PGR, pela terceira vez, no âmbito dos processos das manifestações pós-eleitorais, tendo o Ministério Público mantido o Termo de Identidade e Residência, como medida de coação, segundo disse o próprio, à saída.
Moçambique viveu desde as eleições de outubro um clima de forte agitação social, com manifestações e paralisações convocadas por Mondlane, que rejeita os resultados eleitorais que deram vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo, partido no poder, como quinto Presidente da República.
Segundo organizações não-governamentais que acompanham o processo eleitoral, cerca de 400 pessoas morreram em resultado de confrontos com a polícia, além de destruição de património público e privado, saques e violência, conflitos que cessaram após encontros entre Mondlane e Chapo em 23 de março e em 20 de maio, com vista à pacificação do país.
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