"A estratégia da Rússia é tentar manter os Estados Unidos numa posição de não aplicarem sanções, mas acredito que os eles já estão muito impacientes com esta abordagem russa e os sinais que chegam do lado norte-americano apontam para que não estejam dispostos a continuar a tolerar essa postura", diz Yevhenii Tsymbaliuk, em entrevista à Lusa na Representação Permanente da Ucrânia junto das Nações Unidas em Genebra.
O diplomata lembrou que, há cerca de duas semanas, a Ucrânia teve finalmente "oportunidade de falar diretamente com os russos, em Istambul", mas lembrou que o Presidente russo, Vladimir Putin, depois de ter dado conta da sua disponibilidade de viajar até à Turquia e sentar-se à mesa para negociações, "acabou por não comparecer e, em vez disso, enviou uma delegação de baixo nível".
Tsymbaliuk admitiu "desapontamento" do lado ucraniano "por a liderança [russa] não estar presente, pois em regimes totalitários apenas o ditador toma decisões, e com a equipa que foi enviada, que simplesmente seguia instruções, não foi possível alcançar praticamente nada em termos de acordar um cessar-fogo ou paz sustentável", ainda que se tenha congratulado com o acordo para a maior troca de prisioneiros - 1.000 de cada lado - até ao momento, "que foi implementado".
"Apesar de os representantes da Rússia que estavam em Istambul não terem mandato para acordar paz, foi importante fazer regressar a nossa gente", apontou.
Lembrando que, ainda no passado fim de semana, a Federação Russa lançou um dos maiores ataques à Ucrânia desde o início da invasão em grande escala de fevereiro de 2022, com "centenas de drones 'kamikaze' e mísseis balísticos e de cruzeiro", o embaixador, ressalvando que "a lógica russa é uma lógica especial, usualmente é ilógica", entende que a intensificação de ataques numa altura em que os Estados Unidos exigem o fim das hostilidades, revela a tática de Putin de "perder tempo".
"Penso que a Rússia não pode ignorar as iniciativas dos Estados Unidos para estabelecer um cessar-fogo e alcançar a paz. Nós apoiámos desde o início todas as iniciativas para estabelecer um cessar-fogo - no ar, no mar, na linha da frente -, tão longo quanto possível, pelo menos 30 dias, para iniciar negociações. Apoiámos desde sempre, o que não é o caso de Vladimir Putin", diz.
Segundo Tsymbaliuk, "Putin tentou jogar com o tempo de modo a alcançar algo que pensa poder alcançar no campo de batalha, e assim ter, do seu ponto de vista, uma posição negocial mais forte".
"Mas acontece que eles não têm conseguido progressos praticamente nenhuns. E não conto os 100 metros conquistados ou perdidos, porque temos uma defesa dinâmica, que nos permite ser bem-sucedidos contra um inimigo muito maior em números. E a verdade é que eles estão a ter perdas massivas na linha da frente", diz.
Para o embaixador, "a lógica de Putin de ir adiando o arranque das negociações é alimentada por aqueles que o rodeiam e que estão sempre a prometer-lhe que vão conseguir algo, 'na primavera que vem, ou no verão que vem, ou no ano de 2025'", quando na verdade "não são capazes de conquistar as regiões que se propunham ocupar totalmente, designadamente Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia, que eram os seus grandes objetivos".
Questionado sobre a postura dos EUA com a nova administração norte-americana liderada por Donald Trump, o diplomata insiste que Kyiv "apoia muito o envolvimento dos Estados Unidos" e nota que, "desde 2014, os Estados Unidos estão a apoiar a Ucrânia".
"O apoio militar dos Estados Unidos não parou, continua. Nós usamos mísseis norte-americanos. Os primeiros que me vêm à mente são obviamente os Patriot, para intercetar os mísseis balísticos russos, e que se têm revelado os melhores. Recebemos muitos mísseis Patriot de países europeus, e esse facto também demonstra que os Estados Unidos prosseguem o seu apoio, pois sem o seu aval, as armas norte-americanas não poderiam ser enviadas para a Ucrânia. Portanto, eles prosseguem o seu apoio", argumenta.
"Claro que os Estados Unidos têm a decisão soberana sobre como tratar Putin e a forma de participação nas negociações, sejam elas bilaterais, trilaterais ou qualquer o formato, mas para nós é importante sentir o seu apoio. E acreditamos que se continuarem desapontados com a posição da Rússia acabem eventualmente por aplicar sanções adicionais contra a Rússia e aumentar o apoio militar à Ucrânia", acrescenta.
Segundo o embaixador, "a nova administração é muito dinâmica e criativa, está a colocar sobre a mesa muitas novas ideias", e a diplomacia ucraniana "está agora aberta a essas novas iniciativas", encarando-as "como uma oportunidade, e não como um desafio", no que classifica como uma "abordagem e relação pragmática".
Falando do apoio prestado pelos aliados da Ucrânia, Yevhenii Tsymbaliuk sublinhou que "praticamente todos os 27 países da União Europeia são importantes para a Ucrânia" e fez questão de fazer uma referência a Portugal, "que também tem prestado grande apoio à Ucrânia".
O diplomata observou que "com base em análises estratégicas feitas há 15 ou 20 anos, havia a ideia de que os países do sul da Europa focavam-se em questões mais relacionadas com o sul e ignoravam questões como alargamento ou países da nossa região, mas a realidade mostra que isso não é verdade".
"Encontramos em Portugal grande apoio à integração europeia da Ucrânia, assim como apoio político e militar durante esta situação difícil de guerra de agressão da Rússia. Se calhar, em particular a nossa diáspora fez bom trabalho", disse, com um sorriso, referindo-se à grande comunidade ucraniana em Portugal.
"É muito importante para nós termos tão boas relações com Portugal", concluiu.
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