A questão é descrita por peritos da ONU como "apartheid de género", sobretudo na sequência dos protestos maciços de 2022 após a morte sob custódia da polícia da moralidade da jovem curda Mahsa Amini, de 22 anos, que sucumbiu à tortura três dias depois de ter sido detida por "uso irregular" do 'hijab'.
Domingo, o presidente do parlamento iraniano, Mohamed Bagher Ghalibaf, precisou que o órgão, que tem por objetivo "salvaguardar os interesses nacionais e preservar a Revolução Islâmica" de 1979, entre outros, tinha recebido ordens para não aplicar esta legislação, aprovada pelo parlamento em setembro de 2023, meses depois do início dos protestos do movimento 'Mulheres, Vida, Liberdade'.
A legislação, oficialmente conhecida como a Lei para a Proteção da Família através da Promoção da Cultura do 'Hijab' e da Castidade, recebeu 'luz verde' da legislatura a 20 de setembro de 2023, tendo sido aprovada pouco mais de um ano depois pelo Conselho dos Guardiães, que deve aprovar todos os projectos de lei enviados pelo Parlamento e garantir que não violam a Constituição ou a lei islâmica.
No entanto, o Conselho Supremo de Segurança Nacional acabou por se pronunciar face às críticas dos setores ultraconservadores sobre o facto de o Presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, um aparente reformista, não ter promulgado a medida, declarando que esta não deve ser aplicada para já, embora esteja por se perceber se poderá ser aprovada no futuro.
"Por isso, não posso promulgar a lei", disse Ghalibaf, referindo-se à lei de 74 artigos que visa reforçar a aplicação do véu obrigatório e de outros códigos de vestuário e de moralidade.
O Conselho Supremo de Segurança Nacional é composto pelos chefes dos três ramos do governo, pelo chefe do Conselho de Comando Supremo das Forças Armadas, pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, do Interior e da Informação, pelos chefes das Forças Armadas e da Guarda Revolucionária e por dois representantes nomeados pelo líder supremo, ayatollah Ali Khamenei.
A lei impõe multas pesadas, a retirada de serviços públicos e, em caso de reincidência, penas de prisão às mulheres que não cubram o cabelo em público. Até ao anúncio de Ghalibaf, a lei estava a ser revista após vários episódios de protesto e sob as reservas de Pezeshkian.
O parlamento insistiu em aplicar a lei de uma vez por todas para defender os valores islâmicos da "invasão cultural do Ocidente".
A decisão reflete as tensões no seio dos órgãos de poder do Irão, marcadas pela pressão dos setores ultraconservadores para endurecer estas medidas face às "reservas" expressas publicamente por Pezeshkian sobre esta nova lei, devido às "dúvidas e ambiguidades" em torno da aplicação da polémica legislação.
O Presidente, em funções desde julho de 2024, argumentou que "ao tentar consertar algo, muitas outras coisas podem ser prejudicadas por essa intervenção", antes de apelar a "conversações" para encontrar uma solução que "preserve os princípios e valores religiosos sem fazer nada que perturbe o consenso e gere descontentamento na sociedade".
Durante a campanha, o próprio Pezeshkian defendeu a retirada da "Polícia da Moralidade" das ruas e também a necessidade de uma abordagem mais aberta ao código de vestuário, criticando simultaneamente a repressão dos protestos contra a morte de Amini, que morreu sob custódia depois de ter sido detida em Teerão por alegadamente usar o véu de forma incorreta.
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