"O galardoado deste ano com o prémio Nelson Mandela é o advogado Elvino Dias, assassinado em outubro do ano passado enquanto desempenhava as funções de representante de Venâncio Mondlane, candidato às eleições presidenciais em Moçambique", afirmou Agostinho Pereira de Miranda numa entrevista à Lusa.
Com a escolha do premiado deste ano, a associação pretendeu "honrar o exemplo de um advogado que perdeu a vida quando desempenhava as suas funções", mas também "manifestar (...) solidariedade aos advogados moçambicanos e, genericamente, aos advogados africanos que desempenham funções extraordinariamente importantes na defesa dos direitos humanos", fazendo esse trabalho "em circunstâncias muito, muito difíceis", acrescentou.
Defendendo que "um advogado nunca pode ser confundido com o interesse do seu cliente", porque "os advogados representam pessoas e não as causas, que são dos clientes", o presidente da PorPública sublinhou que sobre o assassinato de Elvino Dias não será "sequer legítimo" dizer-se que foi por força de convicções políticas.
"Na verdade, nós nem sequer sabemos quais eram as suas convicções políticas", salientou.
Agostinho Miranda afirmou que Elvino Dias "foi assassinado porque representava alguém incómodo para o poder" e foi-o de uma forma que a Associação de Juízes moçambicana considerou "hedionda".
O advogado moçambicano era mandatário da Coligação Aliança Democrática (CAD) e assessor jurídico do então candidato à Presidência da República Venâncio Mondlane e, alguns dias antes do homicídio, anunciara publicamente que estava a recolher provas da fraude eleitoral reclamada pelo seu constituinte.
Para Agostinho Miranda, o que Elvino Dias demonstrou "foi uma característica que nenhum advogado pode deixar de ter, coragem cívica, física e moral", qualidades que marcaram a sua carreira, tal como "orgulho naquilo que fazia, não obstante ter sido ameaçado repetidamente", e a persistência, porque nunca desistia dos casos, "fossem eles de importância nacional, como era o caso da representação do candidato Venâncio Mondlane, ou pequenos casos de pequenos diferendos entre vizinhos".
O advogado moçambicano e o mandatário do Podemos Paulo Guambe foram mortos a tiro numa mesma emboscada na avenida Joaquim Chissano, no centro de Maputo, em outubro do ano passado, um crime que a Procuradoria-Geral da República de Moçambique disse que continua a ser investigado, ainda sem ter apresentado resultados.
Agostinho Miranda lembrou que foi pedido pela comunidade internacional, designadamente pela IBA -- International Bar Association, que representa mais de um milhão de advogados em todo o mundo, que houvesse uma investigação internacional sobre o caso em pleno período eleitoral.
"Mas, o que se vê, sete meses depois, é que não se conhecem resultados úteis das investigações", frisou.
Este crime foi condenado pelo secretário-geral das Nações Unidas, pela presidente da Comissão Europeia, diversos governos, incluindo o de Moçambique, e múltiplas organizações internacionais profissionais e de Direitos Humanos. A Ordem dos Advogados de Moçambique classificou-o como um "bárbaro assassinato", sublinha a ProPública em comunicado a divulgar hoje.
Agora, "a voz de Elvino Dias calou-se, mas o seu exemplo de coragem, independência e integridade continuará a inspirar os advogados de Moçambique e de todo o mundo", refere.
O prémio, no montante de 10.000 euros, vai ser entregue no dia 18 de julho, Dia Internacional Nelson Mandela, que celebra a data do nascimento do homem que pôs fim ao regime do 'apartheid' na África do Sul.
Ainda sem indicar o local da cerimónia, Agostinho Miranda afirmou que a família de Elvino Dias estará presente e que o valor será entregue à viúva.
Em edições anteriores do Prémio Nelson Mandela foram distinguidos os advogados Francisco Teixeira da Mota (2021), Leonor Caldeira (2022), Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves ex aequo (2023) e António Garcia Pereira (2024).
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