Hércules Sousa, membro da ONG, explicou à Lusa que "são garrafas ainda com rótulo, que dá para ver que não existem em Cabo Verde", mas que estavam às centenas entre os 680 quilos de lixo recolhido por 73 voluntários, no último sábado de abril, da costa norte da ilha de São Vicente.
Uma amostra entre 3,2 toneladas recolhidas pela Biosfera (com 350 voluntários) em 2024, naquela ilha, a que se junta um volume 20 vezes maior: cerca de 62 toneladas de lixo apanhado na última edição da megacampanha anual na ilha desabitada de Santa Luzia, local privilegiado de desova de tartarugas.
A maneira como as correntes oceânicas funcionam faz com que o lixo vá parar ao arquipélago, depois de ser atirado aos rios nos países de origem ou através de navios que cruzam os mares -- e mais haveria para contar, porque a Biosfera atua apenas em duas das 10 ilhas de Cabo Verde.
"Isto afeta os ecossistemas, principalmente os animais marinhos que acabam por ficar presos" em argolas ou nas próprias garrafas, como já aconteceu com tartarugas pequenas, depois de saírem dos ninhos, descreveu Hércules Sousa, que se dedica à temática da poluição marinha.
"Acabam por entrar dentro dessas garrafas e morrer. Mas temos também os tubarões que ficam presos nas redes", que é um outro tipo de detrito recolhido com muita frequência nas campanhas de limpeza.
Os animais ficam presos e "não conseguem mergulhar para comer ou ir à superfície para respirar", acrescentou.
Para o ser humano, o problema é a entrada da poluição na cadeia alimentar: "já foram encontrados microplásticos no sangue e em leite materno", referiu Hércules Sousa, descobertas relatadas em artigos científicos publicados nos portais nature.com e da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA (NIH, sigla inglesa).
Além da recolha, a Biosfera procura também soluções para o destino do lixo.
Algum até vem do outro lado do planeta, mas acaba num arquipélago ainda sem soluções: o tipo de plástico (PET) das garrafas, por exemplo, é difícil de reutilizar e acaba invariavelmente entre o lixo queimado a céu aberto.
"Em Cabo Verde, a maioria do lixo é queimada a céu aberto, então isto é um problema para resolver. Os nossos resíduos de campanhas de limpeza vão para a lixeira, para serem queimados", exceção feita aos resíduos recolhidos pela Biosfera em Santa Luzia (entre 180 a 190 toneladas só nos últimos três anos) que ali permanecem, armazenados em segurança, à espera de uma solução logística para os transferir.
Outras ações tentam remar contra a maré, como a iniciativa de reciclagem Plasticina, da própria Biosfera, ou o projeto Simili, que transforma redes de pesca descartadas, conhecidas como redes fantasmas, em bolsas, calçado e outros produtos exclusivos.
A Biosfera tem inscrições abertas para a edição deste ano da megacampanha de limpeza de Santa Luzia, de 31 de maio e 16 de junho, com os voluntários a juntarem-se em três grupos de 20 pessoas, cada qual a permanecer na ilha por um período de seis dias, com alojamento em tenda.
O objetivo é retirar o lixo das zonas de nidificação das tartarugas, antes que elas cheguem, de forma a permitir que a espécie se reproduza em segurança.
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