O essencial dos 10 anos de guerra no Iémen (e de crise humanitária)
O Iémen, o país mais pobre da Península Arábica, vive uma guerra entre os rebeldes hutis e as forças pró-governamentais desde 2014, conflito que já causou centenas de milhares de mortes e uma das piores crises humanitárias do mundo.
© Mohammed Hamoud/Anadolu via Getty Images
Mundo Médio Oriente
Embora os combates tenham cessado nos últimos dois anos, o país está dividido entre as zonas controladas pelos rebeldes, próximos do Irão, controlando cerca de dois terços da população, e as zonas nas mãos das forças pró-governamentais, apoiadas por uma coligação militar liderada pela Arábia Saudita.
A população enfrenta sérias dificuldades económicas, além de restrições às liberdades, detenções e perseguições políticas.
Uma década depois de os rebeldes terem assumido o controlo da capital iemenita, Saná, data assinalada no sábado, eis alguns pontos essenciais sobre este conflito:
Saná nas mãos dos hutis
Em julho de 2014, os hutis, sentindo-se marginalizados, lançaram uma ofensiva a partir do seu bastião de Sadah (norte). São membros do zaidismo, um ramo do xiismo maioritário no norte e que representa mais de 30% da população do Iémen, que é predominantemente sunita.
Juntando-se às unidades leais ao antigo presidente Ali Abdallah Saleh, tomaram o controlo da sede do governo na capital, Saná, a 21 de setembro, e do porto de Hodeida, no Mar Vermelho, a oeste.
Em janeiro de 2015, apoderaram-se do palácio presidencial. O Presidente Abd Rabbo Mansour Hadi fugiu para Aden (sul).
Coligação militar
Em 26 de março de 2015, uma coligação liderada pela Arábia Saudita e incluindo os Emirados Árabes Unidos lançou uma operação aérea para bloquear o avanço dos rebeldes. Washington forneceu apoio logístico e de informação.
O Presidente Hadi refugiou-se na Arábia Saudita enquanto os rebeldes se aproximavam de Aden.
Em julho, o governo anunciou a "libertação" da província de Aden, o seu primeiro êxito. A cidade de Aden tornou-se a capital "provisória" do executivo.
Arábia visada
Em 14 de setembro de 2019, os rebeldes reivindicaram a responsabilidade por ataques a duas instalações do gigante petrolífero Aramco na Arábia Saudita, o maior exportador mundial de petróleo bruto.
Os hutis intensificaram os seus ataques com 'drones' e mísseis. Em março de 2021, as instalações petrolíferas sauditas foram alvo de dois grandes ataques.
Seis meses de tréguas
Em 17 de janeiro de 2022, os hutis atacaram instalações em Abu Dhabi. O ataque matou três pessoas.
Em 25 de janeiro, realizam novos ataques na Arábia Saudita, provocando um incêndio de grandes proporções numa instalação petrolífera em Jeddah.
Uma trégua mediada pela ONU entrou em vigor em abril de 2022. O acordo expirou seis meses mais tarde sem ser oficialmente renovado, mas o cessar-fogo continua de facto em vigor.
Aproximação Irão/Arábia
Em 10 de março de 2023, a Arábia Saudita e o Irão surpreendem o mundo ao anunciarem o restabelecimento de relações diplomáticas, uma aproximação que favorece a paz no Iémen após oito anos de guerra.
O Governo e os rebeldes, reunidos na Suíça, acordaram, a 20 de março, a troca de cerca de 900 prisioneiros.
Riade, que procurava sair do conflito, iniciou negociações com os hutis. Em dezembro, as Nações Unidas anunciaram um acordo entre os beligerantes sobre "o reinício de um processo político inclusivo".
Ataques no Mar Vermelho
Pouco mais de um mês após o início da guerra entre Israel e o movimento islamita palestiniano Hamas em Gaza, os hutis - que fazem parte do chamado "eixo de resistência" a Israel liderado pelo regime de Teerão - lançaram os seus primeiros ataques com mísseis e 'drones' contra Israel em novembro de 2023.
No Mar Vermelho, começaram a atacar navios que acreditavam estar ligados a Israel.
Em 18 de dezembro, Washington criou uma coligação naval para fazer face a estes ataques e, a partir de janeiro de 2024, começou a atacar as instalações dos rebeldes, por vezes com a ajuda do Reino Unido.
Em 19 de julho, um 'drone' lançado pelos hutis atingiu Telavive e fez uma vítima mortal. Israel retaliou atacando o porto de Hodeida, matando nove pessoas e provocando um enorme incêndio.
Em 15 de setembro, um míssil disparado pelos hutis caiu no centro de Israel sem causar vítimas.
"O país recuou 50 anos"
Apesar de o Iémen nunca ter sido uma verdadeira democracia e de a sociedade ter sido sempre conservadora, a sua capital tinha "partidos políticos, uma sociedade civil ativa, organizações não-governamentais (...) havia cafés onde mulheres e homens se podiam sentar juntos", afirma a investigadora Maysaa Shuja Al-Deen, do Centro de Estudos Estratégicos de Saná, citada pela agência francesa AFP.
Atualmente, de acordo com a investigadora, "o clima político e social tornou-se muito fechado", a segregação foi imposta nos espaços públicos e os 'slogans' huthi - apelando à morte da América e de Israel - e as fotografias dos seus líderes ou "mártires" dominam a paisagem.
A Amnistia Internacional afirma ter documentado "dezenas de casos de jornalistas, defensores dos direitos humanos, opositores políticos e membros de minorias religiosas" condenados por espionagem desde 2015.
Em junho passado, uma nova vaga de detenções visou funcionários de organizações iemenitas e internacionais e 13 membros do pessoal da ONU, que ainda estão detidos.
O movimento utiliza sobretudo os meios de comunicação social para difundir a sua propaganda. Também alterou os manuais escolares e modificou os costumes.
As tradicionais festividades da "revolução de 26 de setembro" - data do derrube do Imamat (regime político liderado por um imã) pelos republicanos em 1962 - foram, por exemplo, substituídas pelas da "revolução de 21 de setembro", que assinala a chegada dos hutis ao poder.
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