Depois do fim da «guerra fria», a maior parte dos países membros da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da União Europeia (UE) foram pondo fim ao serviço militar obrigatório, na sua maioria a partir do ano de 2000, mas no contexto geopolítico atual, com a guerra de volta ao continente europeu, a questão volta a estar na ordem do dia, e mais países poderão seguir o exemplo da Letónia, que voltou a adotar o regime a 01 de janeiro passado.
Atualmente, entre os 32 membros da Aliança Atlântica, apenas nove (sete dos quais também Estados-membros da UE) têm serviço militar obrigatório: Dinamarca, Estónia, Finlândia, Grécia, Letónia, Lituânia, Noruega, Suécia e Turquia.
Entre os quatro dos 27 Estados-membros da UE que não pertencem à NATO, Áustria e Chipre também têm serviço militar obrigatório, enquanto os outros dois, Irlanda e Malta, são precisamente os únicos Estados-membros do bloco comunitário que nunca o tiveram.
Num clima que recentemente o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, classificou "de pré-guerra", e também face à perspetiva de um possível regresso de Donald Trump à Casa Branca e o que tal pode significar em termos de desinvestimento dos Estados Unidos na NATO, são cada vez mais as vozes em diversos países ocidentais a defender a necessidade de reintroduzir o serviço militar obrigatório, para suprimir as óbvias carências de pessoas nas Forças Armadas.
À cabeça dos países que mais defendem o serviço militar obrigatório encontram-se os três países bálticos -- Estónia, Letónia e Lituânia -, aqueles que mais se sentem ameaçados por Moscovo e uma possível confrontação militar com a Rússia, e que têm exortam os membros da Aliança a seguirem o seu exemplo, dado em todos eles o alistamento obrigatório estar em vigor, depois de a Letónia o ter reintroduzido no primeiro dia do corrente ano.
Se nalguns casos o debate já começou há algum tempo e a ideia parece para já descartada -- como é o caso da Polónia ou de Itália -, noutros é um tema que passou a estar na ordem do dia, como é o caso da Alemanha, onde as opiniões se dividem: a União Democrata-Cristã (CDU), principal partido da oposição, manifestou interesse na obrigatoriedade do serviço militar, enquanto a coligação governamental, formada pelo Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e os liberais do FDP, tem sido mais cautelosa, com a exceção do ministro da Defesa. Boris Pistorius, que já classificou a suspensão do alistamento militar como um "erro" e quer debater a melhor forma de o repor.
Nos Países Baixos, onde o serviço militar obrigatório foi suprimido em 1997, também o ministério da Defesa tem estado a avaliar a possibilidade de o reintroduzir, enquanto a Dinamarca anunciou no mês passado que o recrutamento obrigatório, que já era aplicado aos homens a partir dos 18 anos, abrangerá também as mulheres a partir de 2026.
A Dinamarca passa a ser o terceiro país da Europa a introduzir o recrutamento feminino obrigatório - depois da Noruega (em 2015) e da Suécia (em 2017) -- alterando o atual sistema em que as mulheres apenas podiam ser voluntárias para o serviço militar.
A Noruega, país que faz parte da NATO mas não da UE e que foi o primeiro país europeu a introduzir o serviço militar obrigatório para ambos os sexos (2015), anunciou na terça-feira que vai aumentar o número de recrutamentos, pois, à semelhança do que sucede em muitos países com serviço obrigatório, nem todos aqueles em idade de alistamento e considerados aptos são chamados.
Com o tema a conhecer um crescente debate na generalidade dos países europeus, ainda que em muitos a eventual reintrodução do serviço militar obrigatório não se afigure viável ou sequer desejada a curto prazo, o assunto também volta a ser tema de discussão em Portugal, 20 anos depois do seu fim.
Na passada sexta-feira, num artigo no Expresso, o Chefe do Estado-Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, afirmou que pode vir a ser necessário "reequacionar o serviço militar obrigatório, ou outra variante mais adequada", de forma a "equilibrar o rácio despesa/resultados" e "gerar uma maior disponibilidade da população para a Defesa".
Esta posição foi também partilhada pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, Eduardo Ferrão, que, em declarações ao Expresso, defendeu que "uma reintrodução do serviço militar obrigatório justifica-se ser estudada e avaliada sob várias perspetivas".
Entretanto, numa resposta à Lusa, o Estado-Maior-General das Forças Armadas remeteu a decisão sobre um eventual regresso do serviço militar obrigatório para o Governo, mas salientou que esta hipótese não irá "solucionar, pontualmente, desafios de gestão de efetivos".
O serviço militar obrigatório terminou em 2004. O seu fim foi aprovado em 1999, por um executivo liderado pelo socialista António Guterres, ficando estabelecido um período de transição de quatro anos.
A passagem para a profissionalização ficou concluída em setembro de 2004, dois meses antes da data prevista, 19 de novembro, com o centrista Paulo Portas como ministro da Defesa.
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