Ucrânia. Diáspora expressa indignação a Rui Valério por palavras do Papa

O Congresso Mundial Ucraniano, uma organização que representa 20 milhões de pessoas na diáspora, transmitiu ao patriarca de Lisboa indignação pelas palavras do Papa sobre negociações com Moscovo, avisando que só haverá paz após a derrota russa na Ucrânia.

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© Presidência da Ucrânia

Lusa
13/03/2024 11:36 ‧ 13/03/2024 por Lusa

Mundo

Guerra na Ucrânia

De visita à capital portuguesa, Paul Grod, presidente do Congresso Mundial Ucraniano (CMU) há seis anos, manteve contactos com a comunidade ucraniana em Portugal, uma das mais expressivas do país, e, no domingo assistiu a uma missa celebrada pelo patriarca de Lisboa, Rui Valério, no momento em que o Papa Francisco sugeriu a Kyiv "coragem para levantar a bandeira branca e negociar" com Moscovo, palavras que provocaram uma onda de críticas.

"Expressei ao patriarca as nossas preocupações e pedi-lhe que transmitisse a mensagem do Congresso Mundial Ucraniano e da Associação dos Ucranianos em Portugal de que estamos muito desiludidos e indignados com as recentes declarações do pontífice", afirmou Paul Grod em entrevista à agência Lusa.

O presidente da organização, fundada há 57 anos e que está representada em 60 países, disse que foi também pedido a Rui Valério que transmitisse a Francisco que "chame à Rússia o agressor e à Ucrânia a vítima", alertando que, em relação à invasão russa, iniciada em fevereiro de 2022, "se alguém deve falar a verdade é o Papa".

De acordo com o líder do CMU, Rui Valério "demonstrou compreensão" com a indignação das comunidades ucranianas, mas não podia fazer qualquer declaração formal, se bem que, na sua "bela homilia" de domingo, "tenha sido muito claro quando denunciou a agressão da Rússia contra a Ucrânia", e outros altos clérigos que rodeiam o Papa deverão pensar o mesmo.

Ainda que o Vaticano, face a reações muito duras das autoridades de Kyiv a também de alguns aliados ocidentais, tenha procurado posteriormente atenuar as palavras de Francisco, indicando que não estava a referir-se a uma rendição mas a uma negociação, Paul Grod adverte que não há diálogo possível com a Rússia.

Sugerir uma conversação de paz, segundo o líder da organização internacional, sinaliza àqueles que se encontram divididos a este respeito "motivos para deixarem de apoiar a Ucrânia e forçá-la a negociar, que é a última coisa que os ucranianos desejam" e que também deveria ser para os europeus, avisa, porque uma vitória russa "vai criar uma guerra a longo prazo na Europa"

Aconteça o que acontecer, "os ucranianos vão continuar a lutar, porque as suas famílias estão nos territórios ocupados [pelas forças russas], pelas suas famílias, pelas suas casas e não há nada mais importante do que isso", prossegue numa linha de discurso semelhante à que se ouve dos militares nas frentes de combate.

"Se o seu vizinho do lado invadisse a sua casa, matasse o seu filho e violasse a sua mulher, iria querer negociar a seguir com essa pessoa?", questiona, o que tornará ainda mais relevante a visita em preparação de Francisco à Ucrânia.

Nessa altura, o Papa poderá testemunhar "aldeias e edifícios destruídos, sepulturas de dezenas de milhares de pessoas que foram mortas por esta invasão, visitar os sobreviventes de territórios libertados da ocupação russa e ouvir as suas histórias", e então convencer-se de que "a Rússia está a cometer crimes de guerra e que é a Rússia que representa o mal" neste conflito.

"Vimos o que aconteceu nas cidades libertadas de Bucha e Irpin [no final de março de 2022 nos arredores de Kyiv] e noutras cidades. Quando os soldados russos partiram, deixaram para trás destruição em massa, assassínios, tortura e agressões sexuais", descreve.

Nascido e radicado no Canadá, Paul Grod já visitou na Ucrânia "algumas das câmaras de tortura russas, onde as pessoas eram mantidas semanas e meses a fio, sem qualquer respeito pela dignidade humana", alertando que essa é a situação de muitos ucranianos que ainda permanecem sob ocupação.

"[O Presidente russo] Vladimir Putin afirmou publicamente, em muitas ocasiões, que a nação ucraniana não existe e que precisa simplesmente ser assimilada pela Rússia", recorda, chamando a atenção para a implicação destas palavras, que diz invocarem o ditador soviético Josef Estaline e "as suas tentativas de erradicar o povo da Ucrânia há 90 anos através da fome, da guerra e do genocídio -- o Holodomor", tal como o líder do Kremlin atualmente.

Nesse sentido, o presidente do CMU insiste que "a única forma de haver paz com a Rússia é a Ucrânia derrotar a Rússia", do mesmo modo que "só há uma possibilidade de haver uma mudança em grande escala na Rússia, que é através da vitória da Ucrânia".

Em vésperas das presidenciais russas, a decorrer entre sexta-feira e domingo, a que Putin se recandidata a um mandato que o deverá manter no Kremlin até 2030, Paul Grod destaca a natureza do regime de Moscovo, caracterizado por "execução de opositores políticos e proibição de qualquer tipo de discurso político", e descrito como um 'gulag' ou "um estado policial", mostrando-se, porém surpreendido com o apoio do povo russo a uma "visão imperialista da história, que se permite exercer a sua vontade sobre os vizinhos".

O líder do Congresso Ucraniano considera que se trata de uma perspetiva anacrónica, que remonta ao período anterior à II Guerra Mundial e "o mundo já não funciona assim", vendo na Rússia "uma potência em declínio, que tenta inverter a sua situação com esta guerra".

A Europa parece ter despertado para a real ameaça russa, "quando levou com um balde de água gelada" desde a invasão da Ucrânia, de acordo com Paul Grod, que observa, no entanto, com preocupação o que vai acontecer após as eleições europeias, em junho, nas quais se espera um aumento da expressão de forças nacionalistas e populistas.

Mas inquieta-o sobretudo as presidenciais nos Estados Unidos em novembro e o possível regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca, quando no Congresso em Washington continua bloqueado pela ala radical do seu partido um pacote de ajuda militar a Kyiv de mais de 55 mil milhões de euros.

O presidente do CMU aponta a centralidade agora assumida pelos estados europeus e defende que avancem desde já com planos para o congelamento de ativos russos.

"Ao confiscá-los, poderiam criar uma reserva para ajudar a Ucrânia a suportar o esforço de guerra se - Deus nos livre - o apoio americano diminuir", sugere Paul Grod, em alusão aos efeitos para Kyiv caso Trump volte a ocupar a Casa Branca.

Leia Também: Diáspora ucraniana receia "perda de identidade" de crianças refugiadas

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