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Compatibilizar lucro e direitos humanos...

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, advogado, professor de Direito, especialista em Direito Internacional e sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

Compatibilizar lucro e direitos humanos...
Notícias ao Minuto

13:26 - 04/03/24 por Notícias ao Minuto

Mundo Artigo de opinião

"Após a adoção, em 2011, dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, a Alemanha foi o primeiro país europeu a lançar um Plano de Ação Nacional sobre Empresas e Direitos Humanos, no qual lembrava (sem ser vinculativo) que as empresas devem respeitar os direitos humanos no exercício das suas atividades e cadeias de valor (todas as atividades coordenadas que permitem gerar produto).

Dez anos mais tarde, e de acordo com um estudo encomendado pelo governo germânico, apenas uma pequena proporção de empresas, cujo número se situa entre os 13 e os 17 por cento, cumpriram adequadamente as suas obrigações de devida diligência numa base voluntária, ao passo que 83 a 87 por cento das empresas não o faziam. Assim, em 11 de junho de 2021, o Parlamento Federal Alemão aprovou a lei do dever de diligência das empresas e da responsabilidade empresarial, cuja entrada em vigor se deu no dia 1 de janeiro de 2023. Objetivo: rastrear os direitos humanos e a proteção ambiental, estabelecendo regras vinculativas para as grandes empresas.

Impulsionada pelo efeito alemão, em 23 de fevereiro de 2022, a Comissão Europeia – conhecedora, na esfera internacional, de diversos instrumentos (princípios, guias e recomendações) de organizações internacionais, como a ONU e a OCDE, sobre a referida lei do dever de diligência para as empresas em matéria de direitos humanos e ambiente – propôs um projeto de diretiva sobre igual dever.

Mais recentemente, a 14 de dezembro de 2023, o Conselho e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo provisório sobre a diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, que visa reforçar a proteção do ambiente e dos direitos humanos na União Europeia e ao nível mundial. Este acordo, provisório, alcançado com o Parlamento Europeu, tem agora de ser aprovado e formalmente adotado por ambas as instituições, o que se prevê que venha a acontecer durante o ano corrente.

Ao ser aprovada a nova proposta de diretiva, isso significa que as normas sobre o dever de diligência em matéria de direitos humanos e ambiente passam a prescrever deveres específicos que vinculam diretamente as empresas e cuja violação poderá originar sanções.

Mas, em termos práticos, o que significa esta proposta e que alterações vem instituir na esfera europeia?

A proposta de diretiva baseia-se no artigo 50.º e no artigo 114.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e estabelece regras relativamente às obrigações das empresas em matéria de efeitos negativos, potenciais ou reais, nos direitos humanos e no ambiente. Estabelece, ainda, regras em matéria de responsabilidade por violações dessas obrigações.

A futura diretiva tem caráter obrigatório para os países integrantes da União Europeia e permitirá que, num futuro próximo, as grandes empresas olhem também para os direitos humanos e para o ambiente, e não apenas para os milhões que ganham e irão sempre ganhar

O objetivo principal é o de assegurar que as grandes empresas ativas no mercado interno da União Europeia contribuam para o desenvolvimento sustentável através da identificação, prevenção e atenuação, pondo termo e minimizando os impactos negativos, potenciais ou efetivos nos direitos humanos e ambientais relacionados com as operações das próprias empresas, filiais e cadeias de valor. 

Dito de outro modo, as empresas que operam no espaço europeu, independentemente de estarem estabelecidas ou não, são obrigadas a rastrear a cadeia de valor até à sua origem e analisar o seu impacto no meio ambiente. Igualmente, devem avaliar se os seus fornecedores respeitam as normas ambientais e não usam trabalho escravo ou infantil.  Em suma, o exercício do dever de diligência na boa governação, além de garantir uma resposta apropriada aos efeitos negativos no caso de ocorrerem, passará a constituir uma cláusula de salvaguarda contra a responsabilidade das empresas.

O exercício do dever de diligência aplica-se a empresas que tenham, em média, mais de quinhentos trabalhadores e um volume de negócios mundial líquido superior a 150 milhões de euros no último exercício financeiro. E, também, a empresas que tenham mais de duzentos e cinquenta trabalhadores e um volume de negócios mundial líquido superior a 40 milhões de euros no último exercício financeiro, desde que pelo menos 50 por cento desse volume de negócios líquido tenha sido gerado num ou mais dos seguintes sectores, a saber: a) fabrico de têxteis, couro e produtos afins (incluindo calçado) e comércio por grosso de tecidos, vestuário e calçado, agricultura, silvicultura, pescas (incluindo a aquicultura); b) fabrico de produtos alimentares e comércio por grosso de matérias-primas agrícolas, animais vivos, madeira, alimentos e bebidas, e c) extração de recursos minerais, independentemente do local onde são extraídos (incluindo petróleo bruto, gás natural, carvão,  metais e minérios metálicos e não metálicos e produtos de pedreira), fabrico de produtos metálicos de base, outros produtos minerais não metálicos e produtos metálicos transformados (exceto máquinas e equipamentos), comércio por grosso de recursos minerais, produtos minerais (incluindo metais e minérios metálicos, materiais de construção, combustíveis, produtos químicos e outros produtos intermédios).

As sanções e medidas cautelares calculadas com base no volume de negócios da empresa constam do artigo 20.º da proposta de diretiva, do qual se depreende que as empresas podem ter de terminar relações comerciais se se detetarem impactos negativos no meio ambiente e nos direitos humanos causados por essas relações, e não conseguirem evitar ou interromper tais impactos.

Ao nível da responsabilidade civil, o artigo 22.º prevê um prazo de cinco anos para que as pessoas, as comunidades afetadas, os sindicatos e as organizações da sociedade civil possam acionar as empresas pelos danos causados aos direitos humanos e/ou ao ambiente.

As quatro condições que têm de estar preenchidas para que uma empresa seja considerada civilmente irresponsável são: 1) a existência de um dano causado a uma pessoa singular ou coletiva; 2) a violação de um dever; 3) o nexo de causalidade entre danos e deveres; e 4) eventuais incumprimentos (com dolo ou negligência) por parte da empresa.

A futura diretiva tem caráter obrigatório para os países integrantes da União Europeia e permitirá que, num futuro próximo, as grandes empresas olhem também para os direitos humanos e para o ambiente, e não apenas para os milhões que ganham e irão sempre ganhar. No fundo, compatibilizar lucro e direitos humanos."

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