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Medo deixa vila Chiùre deserta à noite e só se vive de dia

Na vila de Chiùre, sul da província moçambicana de Cabo Delgado, a vida muda, agora, do dia para a noite e o amanhecer na rua deixou de ser possível com a aproximação dos ataques terroristas na última semana.

Medo deixa vila Chiùre deserta à noite e só se vive de dia
Notícias ao Minuto

06:28 - 26/02/24 por Lusa

Mundo Cabo Delgado

Na avenida principal da vila, o movimento intenso das primeiras horas do dia, com comércios abertos, centenas de vendedores ao longo de uma rua que se mistura entre terra batida, buracos e algum alcatrão, centenas a comprar ou caminhar sob um sol escaldante, vai esmorecendo ao início da tarde.

Pelas 18h00 todos começam a recolher a casa, com o pôr do sol, com receio da noite e dos ataques terroristas que agora se fazem sentir naquele distrito, a cerca de dez quilómetros.

No balcão do bar Mucacata, pelas 19h30, três clientes são servidos por Alfredo Severiano, 45 anos. Têm trinta minutos para consumir e rapidamente regressar a casa por uma avenida já totalmente deserta.

"A esta hora a vila estava tranquila, não tinha problema. Os problemas começaram esta semana. A esta hora era só movimento", explica à Lusa, enquanto se prepara para recolher as duas mesas que ainda estão à entrada.

Em Chiùre, vila com cerca de 75 mil habitantes, mas que com os deslocados dos ataques terroristas às aldeias vizinhas na última semana já abriga quase 100 mil pessoas, mesmo não havendo nenhuma ordem oficial, todos sabem que às 20h00 é hora de já não sair de casa.

"Nós é que pensamos isso. Só evitar os problemas. À noite não se sabe, agora, se é inimigo ou se não é inimigo", explica o barista do Mucacata, desde 1983.

"Nesta semana é que saiu a confusão", acrescenta, dando conta que antes, "nunca aconteceu uma coisa destas".

Enquanto isso, os últimos clientes, para uma cerveja ou um refrigerante, começam a despedir-se.

"Já sabem que têm que ir embora. Não tem como amanhecer [ficar até tarde, como antes", diz.

Wilson, 28 anos, vende roupa na mesma avenida central de Chiùre, e bebe o último refrigerante ao balcão.

"Por causa do terrorismo em Cabo Delgado a situação não está nada boa", explica, reconhecendo que lá fora "já estão a dormir", com receio da noite.

"De dia sim, de manhã até 15.00 existem pessoas", acrescenta.

Pouco depois é tempo de ir para casa, quando faltam poucos minutos para as 20:00.

"Tenho medo, sim. Mas não tenho maneira, não tenho onde ir", desabafa, antes de ir ver se tudo está bem com a barraca onde leva a vida.

Carimo Manuel, 46 anos, está à porta do bar, mas, ao contrário dos outros, por ali vai ficar. É o guarda do Mucacata à noite e trabalha nas machambas, no campo, durante o dia.

Está "muito aflito" por causa da situação, conta à Lusa.

"Não sabemos onde podemos ir (...) Vamos esperar", relata, num tom que junta calma e apreensão de mais uma noite pela frente, numa realidade que se tornou diferente na última semana.

Só vai sair da porta do bar de manhã, até lá é esperar pelo melhor numa avenida em que só alguns guardas permanecem fora.

"Fico com medo porque não há como fazer. Não temos outro trabalho", desabafa, sobre as noites que mudaram em poucos dias.

"Estava cheia, agora desapareceram. Não há mais ninguém", diz.

Bahari Ali Cassimo, 36 anos, é vereador da Planificação, Administração e Finanças na autarquia da vila de Chiúre, há cinco anos. Já vai no segundo mandato, mas desde o início dos ataques terroristas em Cabo Delgado, em 2017, nunca a ameaça tinha chegado às portas da vila.

"Estamos inseguros (...) É muito perto. Mais ou menos 15 quilómetros", relatou à Lusa, sobre os ataques desta semana na aldeia de Mmala, que provocaram pelo menos sete mortos e a fuga de milhares de pessoas para Chiùre.

Um professor da vila, relata o autarca, foi capturado pelos insurgentes e libertado nos dias seguintes.

Um cenário que justifica este recolher a casa mal o sol se põe.

"Na verdade é a insegurança. A insegurança que temos. Até 17h00, 18h00, a vila não pode ser movimentada por causa da insegurança. Esses insurgentes, pelo que ouvi, agora andam de motorizada, então nem táxi nem moto pode circular, porque pode ser desconfiado", detalha.

Em Chiùre, vila que dista 150 quilómetros de Pemba, capital provincial, percurso que leva mais de três horas a percorrer, numa estrada em permanente ameaça de novos ataques, tudo era diferente há uma semana.

"Muito movimento, muito movimento. Amanhecia-se a brincar-se [toda a madrugada] na rua".

Agora, lamenta, "não há nada", inclusive receitas para a autarquia: "Nem coleta de receitas. Está tudo parado".

No bar Mucacata, está na hora de Alfredo Severiano fechar as portas e ir rapidamente para casa, ainda assim, acredita que tudo vai ficar melhor.

"A alegria da vila diminuiu, não fugiu. Só diminuiu", diz.

Leia Também: Mortes, ataques e medo deixam aldeia de Mmala deserta em Moçambique

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