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Distinção entre alvos civis e militares é praticamente impossível em Gaza

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, advogado, professor de Direito, especialista em Direito Internacional e sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

Distinção entre alvos civis e militares é praticamente impossível em Gaza
Notícias ao Minuto

10:53 - 29/01/24 por Notícias ao Minuto

ao minuto Ao Minuto Mundo Artigo de opinião

"A guerra é cruel. Porque consiste no uso da violência organizada para atingir fins políticos. O papel do direito internacional na guerra é conter essa violência com normas, uma das quais, porventura das mais discutidas, é o exercício da legítima defesa. 

Daí, no atual contexto do conflito que opõe Israel ao Hamas, a recorrência das dúvidas: a resposta dada por Israel ao ataque terrorista de 7 de outubro poderá incluir-se no âmbito da legítima defesa, tal como estabelecida no art.º 51.º da Carta das Nações Unidas, que diz, «nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais»? Poderá uma eventual «legítima defesa» de Israel legitimar a morte de mais uns quantos milhares de civis? Existem, ou não, limites para os mortos por guerras?

O Direito Internacional Humanitário, conhecido por ser o direito da guerra e dos antagonismos armados, constitui o ramo do direito internacional que se aplica a situações de conflitos, regulando as hostilidades e limitando os meios e as formas de combate, tendo sempre como principal objetivo a proteção de civis.

Seguindo as diretrizes do comité da Cruz Vermelha Internacional, o Direito Internacional Humanitário procura limitar os efeitos dos conflitos armados, protegendo as pessoas que neles não participam, através da restrição dos meios e métodos de guerra, tendo como objetivo a «humanização» dos combates, limitando, na medida do possível, os chamados efeitos colaterais que deles possam advir (e advêm sempre, porque a guerra não é uma ciência exata).

Daí o Direito Internacional Humanitário se encontrar legislado: 1) nas quatro convenções de Genebra, de 1949, e nos protocolos adicionais (que são atualmente as principais fontes legais); 2) na convenção da Haia, para a Proteção de Bens Culturais em Caso de conflito armado, de 1954; 3) no protocolo facultativo à convenção sobre os direitos da criança, relativo à participação de crianças em conflitos armados; e 4) nas várias convenções das Nações Unidas que proíbem a utilização de certas armas.

O Direito Internacional Humanitário é, antes de tudo, um compromisso entre quatro princípios subjacentes que moldam todas as suas normas, ou seja, os princípios da Distinção, da Proporcionalidade, da Precaução, e da Necessidade Militar.

A explicação para estes princípios é dada pelo Tribunal Internacional de Justiça no parecer consultivo de 8 de julho de 1996, relativamente à legalidade da ameaça e uso de armas nucleares, onde se lê: «o principio da distinção tem como objetivo a proteção da população civil e dos bens civis e estabelece a distinção ente combatentes e não combatentes; os Estados não podem nunca fazer do civil objeto de ataque e, consequentemente, não devem em qualquer situação usar armas que sejam incapazes de distinguir entre alvos civis e militares; os alvos civis gozam de imunidade de ataque, ou seja, não podem ser alvo direto de um ataque».

O princípio da Proporcionalidade proíbe causar sofrimento desnecessário aos combatentes. Pressupõe que se pondere a vantagem militar que é esperada com um determinado ato e os danos colaterais que daí poderão resultar.  A sua aplicação concreta torna-se difícil, na medida em que pressupõe que se faça um raciocínio entre «vantagem militar» e «danos colaterais», sendo que os danos colaterais em bens ou pessoas civis que ocorrem no âmbito de um ataque dirigido a um alvo militar não ditam automaticamente que esse ataque seja juridicamente ilícito. Só o será se os danos colaterais forem excessivamente desproporcionais.

O princípio da Necessidade Militar estabelece que, no âmbito de um conflito, qualquer ato tem de ter subjacente uma necessidade militar justificada, em último caso, no objetivo militar de cada uma das partes que será o de derrotar o inimigo. Este princípio é indissociável da ideia de humanidade, na medida em que, apesar de à luz do Direito Internacional Humanitário a violência ser legítima, esta só o será se for militarmente necessária.

Regressando a Israel, o direito a autodefender-se de ataques armados, nos termos do artigo 51.º da Carta das Nações Unidas, é indiscutível. No entanto, esse direito de legítima defesa é limitado pelo direito humanitário internacional. E um dos princípios mais importantes encontra-se plasmado na exigência de diferenciação, a qual obriga as partes a distinguir entre civis e combatentes, entre objetivos civis e objetivos militares. Mas isso significa apenas que civis ou bens civis não devem ser deliberadamente alvo de ataques. Por conseguinte, a morte de civis só é proibida se for provado que foi intencional.

Explicando melhor: se o Hamas instalar uma plataforma de mísseis numa área residencial civil, Israel tem o direito de atacar essa área residencial, mesmo provocando os anteriormente referidos danos colaterais à população civil. E esses danos colaterais podem ser elevadíssimos, dependendo do objetivo e das necessidades militares.

A distinção entre alvos civis e militares exigida pelo direito internacional é praticamente impossível em Gaza, já que se trata de uma das cidades mais densamente povoadas e urbanizadas do planeta, e onde a logística do Hamas se encontra localizada em edifícios residenciais ou escritórios, sem referir uma boa parte do subsolo, que nem o «Tzahal» nem a própria «Mossad» conhecem bem.

Se o Hamas está disseminado por mesquitas, por estabelecimentos de ensino e por hospitais, então, todos esses edifícios constituem alvos militares absolutamente legítimos."

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