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'Dahiya', a estratégia militar iniciada no Líbano e prosseguida em Gaza

A ofensiva militar de Israel assenta numa doutrina já aplicada em 2008 na Faixa de Gaza, com origem na guerra do Líbano, denunciada pela ONG israelita "Breaking the Silence" e descrita à Lusa pelo especialista militar Agostinho Costa.

'Dahiya', a estratégia militar iniciada no Líbano e prosseguida em Gaza
Notícias ao Minuto

10:32 - 07/12/23 por Lusa

Mundo Israel

A destruição generalizada no enclave da Faixa de Gaza -- a resposta ao ataque do Hamas em 07 de outubro --, e as declarações dos dirigentes israelitas "indicam que o Exército aplica a mesma estratégia utilizada em operações precedentes, a 'doutrina Dahiya'", assinalou recentemente na página digital Breaking the silence" (Quebrar o silêncio) Nadav Weiman, dirigente desta Organização não-governamental (ONG) de veteranos militares das Forças de Defesa de Israel (IDF), fundada em 2004.

Na perspetiva do veterano militar, esta doutrina foi já aplicada em 2008 na Faixa de Gaza durante a operação "Chumbo fundido", mas a sua origem remonta a 2006, quando foi testada no decurso da guerra no vizinho Líbano.

Baseado nas experiências de combate e nos posteriores relatos de veteranos no decurso da sua experiência nos territórios palestinianos ocupados, Nadav Weiman assinala que as anteriores campanhas militares em Gaza assentaram em dois princípios base: "risco zero" para as forças israelitas, que significa fornecer alta prioridade à segurança dos militares, mesmo transferindo os riscos para os civis em Gaza, e a "doutrina Dahiya", o nome de um bairro xiita do sul de Beirute arrasado pela aviação de Israel em 2006 durante a guerra no Líbano.

"A 'doutrina Dahiya' é uma estratégia que é deliberadamente dirigida para as infraestruturas civis, uma espécie de "choque e pavor" levada ao extremo. Implica fundamentalmente a destruição de infraestruturas e dirigida ao conjunto da população, para que dessa forma seja diminuído o apoio da população ao inimigo, neste caso o Hamas", indicou à Lusa o major-general Agostinho Costa, especialista em assuntos de segurança, também numa alusão à doutrina militar "Choque e Pavor" ('Shock and Awe') aplicada pelos Estados Unidos no decurso da invasão do Iraque.

"Trata-se de uma estratégia premeditada, e por isso destroem-se tribunais, o parlamento, escolas, padarias... Uma estratégia verdadeiramente punitiva, para virar a população contra o que Israel considera o seu inimigo", precisou.

A "doutrina Dahiya" baseia-se desta forma no pressuposto que, num conflito assimétrico com um "ator não estatal", poderá ser garantido um eventual e posterior "período de acalmia" através de danos desproporcionados nos recursos militares do inimigo e nas infraestruturas e propriedades civis.

Estes dois princípios, aplicados desde 2008 no enclave palestiniano, voltaram agora a ser adotados, o que, segundo diversas organizações de direitos humanos, constitui uma violação das leis da guerra e do direito internacional, sugerindo crimes de guerra.

Uma estratégia que no atual contexto e segundo Nadav Weiman, citado pelo jornal digital Mediapart, "não é apenas errada e inútil: é também imoral porque assenta em enormes perdas civis. Dezenas de milhares de habitações em Gaza foram destruídas ou danificadas. Bairros inteiros foram literalmente apagados. E isto porque, devido à 'doutrina Dahiya', o poder de fogo utilizado deve ser desproporcional. Por isso, o resultado é sempre o mesmo: colocar em risco a segurança do país a longo prazo, em benefício, a curto prazo, de uma ilusão de calma".

Uma estratégia que suscita apreensão nos próprios Estados Unidos, principal aliado de Israel e fornecedor de sofisticado armamento para o seu Exército. No passado fim de semana, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, advertiu que Israel "arrisca uma derrota estratégica" caso continue a ignorar os avisos sobre a crescente morte de civis.

"Esta estratégia é uma ilusão", acrescenta Agostinho Costa, ao recorrer às recentes declarações de Lloyd Austin. "Israel pode ter uma vitória tática, mas se forem formados mais membros do Hamas que os que conseguirem matar, em vez de debilitar o Hamas vai fortalecê-lo. Até Lloyd Austin vê isso".

O objetivo desta estratégia de "força desproporcionada" consiste em indicar aos palestinianos "quem é o mais forte para que entendam ser inútil resistir",

Para os defensores da doutrina, visa "restabelecer a capacidade de dissuasão" e garantir no curto prazo uma "ilusão de calma" -- que ocorreu com a curta trégua de uma semana que terminou na passada sexta-feira entre acusações mútuas --, mas mantendo os objetivos da operação: a "destruição do Hamas", a libertação dos reféns ainda em poder do grupo islamita e a pacificação de Gaza.

A "doutrina Dahiya" foi concebida pelo general israelita Gadi Eizenkot, 63 anos, proveniente de uma família de imigrantes judeus marroquinos, ex-chefe do estado-maior e responsável pelo seu departamento de operações, considerado um especialista em "combate assimétrico em meio urbano" e apologista em dar prioridade à potência de destruição em detrimento da precisão dos ataques.

"O que aconteceu em Dahiya vai acontecer em todas as localidades que sejam a base de disparos contra Israel. Faremos um uso desproporcionado da força contra essas zonas e provocaremos enormes danos e destruições. Não é uma recomendação, é um plano, e já foi aprovado", tinha já indicado Eizenkot em 2008, também citado pelo jornal digital Mediapart.

A doutrina será depois exposta por subordinados em nome do Instituto nacional israelita de estudos de segurança (INSS), também com o objetivo de "infligir destruições e perdas consideráveis, impor uma punição a um tal nível que exigirá um processo de reconstrução longo e custoso".

Desta forma, a "doutrina Dahiya" já orientou as operações do Exército israelita em Gaza em 2008, 2012 e 2014, com a intenção explícita de infligir destruições em larga escala, sem na prática distinguir alvos militares e civis. Até ao momento os relatórios internacionais, em particular das Nações Unidas e que denunciaram estas ações, não implicaram qualquer indiciamento de responsáveis israelitas.

Gadi Eizenkot está atualmente integrado no gabinete de guerra do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, com o cargo de ministro sem pasta e com a função de observador.

Segundo o major-general Agostinho Costa, esta "estratégia punitiva" tem "o efeito contrário e revela alguma ingenuidade".

"Quando o terror é estratégico, deliberado, torna-se apenas num jogo de palavras... chamar-lhe "Dahiya" ou 'Choque e Pavor', ou "terrorismo de Estado", fica ao critério da análise de cada um", resume.

Leia Também: ONU aponta para a morte de 100 civis no norte de Gaza nas últimas horas

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