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Rebelião ameaça estatuto do Wagner enquanto braço armado de Moscovo

O Grupo Wagner (GW) desempenha desde há anos, de forma ambígua e informal, as funções de braço armado de Moscovo no estrangeiro, um estatuto posto em causa pela rebelião liderada pelo seu chefe, Yevgeni Progozhin.

Rebelião ameaça estatuto do Wagner enquanto braço armado de Moscovo
Notícias ao Minuto

10:16 - 01/07/23 por Lusa

Mundo Yevgeny Prigozhin

O GW, criado por um antigo tenente-coronel das forças especiais russas, Dmitry Utkin, na primavera de 2014, aquando da anexação russa da Crimeia, e liderado pelo oligarca Yevgeny Prigozhin -- que apenas assumiu esta liderança em janeiro deste ano - é o mais proeminente exército privado russo controlado pelo Kremlin, mas não o único.

Mais de uma dezena de empresas militares privadas russas estão presentes em África, Médio Oriente, Ásia e América Latina, incluindo unidades equipadas com equipamento militar na Ucrânia, República Centro-Africana (RCA), Líbia, Mali, Sudão, Síria e Venezuela, de acordo com um estudo do European Union Institute for Security Studies (EUISS) divulgado há menos de duas semanas.

O GW opera sob a égide do GRU -- sigla de Glavnoye Razvedyvatelnoye Upravlenie, a estrutura de inteligência militar russa), que o equipa, treina e dirige, não obstante "disputas constantes" com o Ministério russo da Defesa relativamente a estratégias, fornecimento de armamento pesado, munições e apoio logístico, ainda segundo o documento do EUISS, publicado antes da marcha dos homens liderados por Prigozhin sobre Moscovo no passado fim-de-semana, e que deixava já entender os desacordos e rivalidades entre o líder do GW e o ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu.

Desde a sua criação, O GW tem sido essencial na estratégia de Moscovo no combate às "esferas de influência" ocidentais e na retoma e alargamento da sua influência política, económica e securitária em vários continentes, com especial destaque - para além do papel desde sempre desempenhado na Ucrânia desde a criação - na Síria, Líbia, República Centro-Africana (RCA), Mali, Sudão, Sudão do Sul, ou Moçambique.

Para além destes, de acordo com o instituto de análise europeu, a presença do exército de mercenários liderado por Prigozhin foi ainda assinalada em Madagáscar, Botswana, Burundi, Chade, República Democrática do Congo, Congo-Brazzaville, Guiné, Guiné-Bissau, Nigéria, Zimbabué e Ilhas Comores.

No início de 2016, o GW contava com cerca de 1.000 operacionais no total. Em agosto de 2017, este número teria aumentado para 5.000 e, em dezembro de 2017, para cerca de 6.000, segundo o EUISS. Em janeiro de 2023, uma agência noticiosa ucraniana, citando fontes britânicas, estimou o número de combatentes do GW na Ucrânia em 50.000 homens.

O Die Welt publicou há cerca de duas semanas um dossier a que chamou "WagnerLeaks", com base numa fuga de informação -- relatos, folhas de cálculo, etc. -- sobre as atividades desenvolvidas pelo GW na RCA, onde o grupo mantém quase 1.500 operacionais.

Os documentos contam a história dos bastidores da presença da Rússia no país da África central, que contrasta com o discurso oficial de Moscovo.

Entre 2017 e 2021, os mercenários russos, oficialmente destacados como "instrutores" das forças armadas e de segurança do país, expandiram constantemente a sua presença militar, em total violação do embargo imposto à República Centro-Africana desde 2013 pela ONU.

Os relatos escritos pelos próprios mercenários, e corroborados por várias fontes, revelam ainda como o GW saqueou e, por vezes, torturou a população local.

O papel desempenhado pelo Grupo Wagner tem oferecido ao Kremlin dois benefícios cruciais - as suas baixas são invisíveis a nível interno e os défices do seu exército regular são largamente compensados.

Por outro lado, o GW não existe formalmente em letra de lei, pelo que tem até agora sido inimputável, tanto à luz das jurisdições nacionais dos países onde opera quanto à luz do direito internacional, não obstante as atrocidades de que os seus mercenários têm sido acusados, cometidas em vários teatros de operação.

Nos últimos dias, depois da rebelião de Prigozhin, o véu sobre a natureza do grupo foi finalmente levantado, primeiro pelo ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que afirmou que o mercenários continuarão a desempenhar as funções de "instrutores" militares e a proteger as lideranças na RCA e no Mali, e na passada terça feira pelo próprio Presidente russo.

"Financiámos totalmente este grupo a partir do orçamento federal. Só entre maio de 2022 e maio de 2023, o Estado [russo] pagou às empresas Wagner 86.262.000.000 rublos [cerca de mil milhões de dólares] em apoio em dinheiro e pagamentos de incentivos", anunciou Vladimir Putin.

Enrica Picco, diretora do programa para África do Internacional Crisis Group (ICG), e ex-membro do Painel de Peritos da ONU sobre a República Centro-Africana, explicou em declarações à Lusa a natureza difusa do GW com o exemplo da contraofensiva vitoriosa, lançada pelas forças da RCA e dos mercenários russos em julho de 2021 contra os grupos rebeldes.

"A vitória foi reivindicada pelo então embaixador russo em Bangui, que argumentou que foram as tropas russas -- as forças do Kremlin -- que apoiaram o exército centro-africano, quando na verdade foram os mercenários do Grupo Wagner", sublinhou Picco.

"O que sempre foi verdade foi que o GW teve sempre operações na RCA, e que os seus mercenários não respondiam aos responsáveis diplomáticos russos no país, a ninguém da embaixada da Rússia em Bangui, ou ao seu adido militar", acrescentou à Lusa uma fonte diplomática ocidental, sob condição de anonimato.

De acordo com a investigadora do ICG, "esta ambiguidade pode agora ser favorável ao Kremlin e permitir que um oficial russo ou representantes oficiais russos substituam os dirigentes do Grupo Wagner no terreno ou que pessoas de confiança no Kremlin assumam o controlo sobre os mercenários no terreno", mantendo o essencial da estrutura e num cenário de afastamento de Yevgeni Progozhin da liderança do grupo.

Leia Também: AO MINUTO: Sites ligados ao Wagner bloqueados; FSB vai matar Prigozhin?

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