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"Se preço pela vitória é a morte" da população, mais vale largar Bakhmut

Algures entre Izium e a linha da frente em Bakhmut há um hospital 'escondido' que foi recuperado dos escombros da corrupção que assolou a Ucrânia no passado e hoje tem a finalidade de tratar militares em tempo recorde.

"Se preço pela vitória é a morte" da população, mais vale largar Bakhmut
Notícias ao Minuto

08:04 - 22/02/23 por Lusa

Mundo Guerra na Ucrânia

Vasyl, 39 anos, e Andryi, 30. Cinco quilómetros separavam estes dois militares na linha da frente na região de Donetsk. Hoje estão a menos de 50 centímetros um do outro, em camas separadas, mas no mesmo quarto de um hospital destruído há anos não pela artilharia, mas pela corrupção.

Os antigos líderes, favoráveis à Rússia, desta vila cujo nome por questões de segurança não pode ser revelado, desviaram financiamento para o hospital e estavam preparados para entregar a vila a Moscovo quando a invasão começou, mas acabaram por ser destituídos, assim explica um habitante que se encaminha para a unidade hospitalar que, entretanto, foi reequipada e reconvertida para ser a segunda linha na assistência médica a quem está a combater na primeira.

O hospital está completamente cheio. O rácio é de 1.000 militares nas instalações por cada dez habitantes. A esta unidade chegam apenas os militares com ferimentos ligeiros e há apenas um objetivo: recuperá-los num ápice para que consigam voltar para os pelotões.

É nessa situação que estão Vasyl e Andryi, vítimas dos estilhaços resultantes de bombardeamentos.

"Estive até agora a lutar em Soledar e Bakhmut, mas já cá estou há 11 dias", explica à Lusa Vasyl. Bibliotecário de profissão, diz estar "arrependido por estar a participar na guerra", mas agora sabe que tem "de voltar".

"Não tenho para onde ir, não tenho escolha, tenho de regressar", completa.

Já sobre a situação em Bakhmut, inacessível por causa de uma batalha que dura há semanas entre as Forças Armadas da Ucrânia e os militares do Kremlin apoiados pelos mercenários do grupo Wagner, Vasyl diz que "é muito difícil" e que "é impossível falar sem brincar", já que, para este militar, o humor é a única maneira de conseguir conviver com a brutalidade da guerra.

Mas sobre o desfecho da batalha, o tom já é sério: "Se o preço pela vitória é a morte de toda a população, então mais vale deixá-la [à cidade]".

O caminho de Andryi foi outro. Natural de Suma, uma cidade que foi ocupada, e, entretanto, libertada, decidiu fazer a recruta e continuou a formação militar para se tornar um 'sniper'.

"Era essa a função que vinha para cá desempenhar, mas o anterior 'sniper' morreu, também por causa de estilhaços, e a arma ficou danificada. Por isso fui para a infantaria servir o meu país", explicou.

Dois meses de formação específica e Andryi foi para o terreno, mas apenas dez dias depois de começar a combater, foi apanhado por uma explosão e ficou ferido.

Mas assim que voltar ao terreno e quando que chegar a nova arma, Andryi vai regressar como 'sniper'. Vasyl como soldado de infantaria, e, em princípio, desta vez integrarão o mesmo pelotão, pelo que a amizade que desenvolveram nestas camas de hospital poderá servir como 'âncora' para a tormenta do conflito.

É hora do almoço, uma grande panela de ferro com sopa é transportada por dois militares, um deles leva também dois sacos de pão, até uma cantina improvisada dentro de um gabinete. A equipa médica e militares que supervisionam as instalações aproveitam para descansar um pouco. Quase ninguém fala, ocasionalmente uma pessoa levanta-se para ir buscar mais uma fatia de pão e pergunta se "alguém quer".

A luz dentro desta unidade é reduzida ao máximo, as janelas estão emparedadas e no exterior há sacos de serapilheira cobertos de areia para proteger a estrutura de um bombardeamento.

Há camas no meio de uma sala de espera, que também serve de secretaria do hospital. O segundo piso e metade do terceiro estão completamente ocupados por militares.

A equipa médica militar veio quase toda de Kiev e está em permanência nesta unidade, tal é o volume de militares que dá entrada neste serviço. Só os que requerem intervenções cirúrgicas é que são diretamente transportados para Kharkiv.

Neste hospital apenas se estabilizam militares feridos em combate, que aqui permanecem até poderem regressar. Uma recuperação rápida é sinónimo de um reforço na linha da frente, a braços com uma pressão acrescida que os militares russos têm exercido sobre Bakhmut nas últimas semanas.

Vasyl, o médico, não o militar, chegou a este hospital há pouco mais de dois meses e já está a coordenar tudo. "Como está longe o suficiente da linha da frente, aqui podemos ter alguma calma", elucida.

No entanto, a Federação Russa está há semanas a tentar atingir a unidade hospitalar.

E já estiveram muito perto de o conseguir: "Há dez dias a artilharia caiu muito perto, alguns civis morreram. Nós tentámos salvá-los, mas não conseguimos", relata.

Impedir que a unidade trate de soldados que mais rapidamente podem regressar ao combate "traria vantagens à Rússia", acrescenta o diretor daquele serviço.

Por isso, a localização exata deste hospital não pôde ser revelada, a pedido das autoridades ucranianas.

Vasyl e Andryi deverão receber alta nos próximos dias. Serão novamente contactados pelo comandante a quem obedeciam ou então serão chamados para outra unidade. Tudo indica que da próxima vez vão estar lado a lado na linha da frente, mas enquanto Andryi aponta como inevitável o regresso à linha da frente, Vasyl esperava ser dispensado.

Mas nada indica que tal aconteça.

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