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Telemóveis em Mariupol revolucionaram cobertura de guerras, diz BBC

A jornalista da BBC Hilary Andersson, produtora do documentário 'Mariupol - a História das Pessoas', considera que os telemóveis estão a revolucionar a cobertura de guerras, o que permitiu reconstituir os acontecimentos daquela cidade ucraniana flagelada pela Rússia.

Telemóveis em Mariupol revolucionaram cobertura de guerras, diz BBC
Notícias ao Minuto

08:46 - 21/02/23 por Lusa

Mundo Guerra na Ucrânia

Ao fim de quase um ano da invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, Mariupol, no sudeste do país, tornou-se num dos principais símbolos da brutalidade do conflito, quando a cidade esteve sob cerco durante mais de dois meses, contando apenas com uma bolsa de resistência militar no complexo siderúrgico de Azovstal, e os habitantes totalmente entregues a si mesmos, numa estimativa das autoridades ucranianas de pelo menos 25 mil mortos.

Durante esse período, e após a partida dos dois últimos repórteres que permaneciam no local, a cobertura jornalística em Mariupol tornou-se impossível e a história que Hilary Andersson conta no filme, dirigido pelo repórter Robin Barnwell, assenta nos testemunhos dos sobreviventes que conseguiram escapar de uma cidade arrasada e nas imagens de telemóvel que iam captando em tempo real do terror que atravessavam.

"É uma ferramenta jornalística poderosa, usar essas imagens para tentar realmente saber, geolocalizar o que aconteceu e onde", comentou em entrevista à Lusa a produtora de "Mariupol -- a História das Pessoas", com a chancela Panorama BBC, cuja divulgação está prevista para 06 de março e, nesse dia, disponível no TVCine em Portugal.

Este tipo de conteúdos permitiu à equipa da BBC reconstituir a história do cerco de Mariupol, verificando cada segundo das imagens, onde e quando foram filmadas, "o que ajudou a juntar os factos reais do que aconteceu e em que momento", numa nova era em que os telemóveis "estão a revolucionar o mundo das notícias e documentários".

Segundo Hilary Andersson, o público está a começar a perceber isso e próprios cineastas "estão a entender que as pessoas fazem esse tipo de filmagens muito poderosamente e que nem tudo tem que ser lindamente filmado num tripé".

No fundo, em pleno século XXI, aquela era a única forma de documentar visualmente o cerco de Mariupol, na primavera do ano passado, em que a equipa da BBC passou meses à procura na Ucrânia e no resto da Europa de qualquer pessoa que tivesse qualquer fragmento de imagens, num "projeto imenso", em que os habitantes iam captando os seus vídeos ao mesmo tempo que tentavam sobreviver e, sem energia e cobertura de rede, ficavam apenas registados nos seus telemóveis.

Isto conduziu a um perigo adicional para aqueles que tentaram escapar da cidade, porque tinham de atravessar as linhas russas e os seus equipamentos eram inspecionados. "Então as pessoas estavam com muito medo de levar qualquer imagem para fora e 99%, se não mais, das pessoas contactadas disseram que as apagaram por causa dos postos de controlo".

Para conseguir as poderosas imagens que constituem grande parte dos 90 minutos do documentário, o plano foi basicamente de "recuperação de dados excluídos, encontrar qualquer coisa que tivesse ido para a nuvem", num projeto "muito complicado, difícil e demorado", mas "extremamente valioso no final, porque foi possível montar uma versão visual do que aconteceu em Mariupol graças às imagens encontradas".

Com vasta experiência em zonas de conflito, nomeadamente em África, Médio Oriente e Afeganistão, que lhe mereceu numerosos prémios internacionais, Hilary Andersson alude às suas experiências anteriores, acreditando que não teria sido possível concretizar o que fez neste documentário, quando os telefones ainda não vinham equipados com câmaras. Sem elas, "seria uma idade das trevas" no que respeita a Mariupol.

O documentário entrevista igualmente muitos sobreviventes civis, em testemunhos crus e dramáticos, e encontrar essas pessoas foi uma tarefa apenas possível com o advento de outras aplicações modernas: as redes sociais.

"O Telegram e as redes sociais como um todo foram uma ferramenta incrivelmente poderosa", recordou, em que um contacto levaria a outro, em estreita colaboração com a equipa ucraniana, seguindo pistas, ampliando a base de potenciais entrevistados, inclusive em grupos matrimoniais 'online', deixando mensagens sobre qualquer elemento das suas famílias que pudesse conduzir aos sobreviventes de Mariupol.

Apesar de ter sido "incrível e extraordinário" montar 90 minutos "muito poderosos" apenas usando as imagens dos telemóveis, Hilary Andersson imagina o que teria sido possível fazer com câmaras profissionais, concretamente no bombardeamento do teatro da cidade, em março do ano passado, onde se encontravam milhares de desalojados, após o falhanço do primeiro "corredor verde" de evacuação, num local sinalizado para visualização aérea como de refúgio civis, incluindo crianças, e já denunciado por várias entidades como um crime de guerra que provocou centenas de mortes.

Mais uma vez, tudo o que existe foi registado pelas vítimas. "O que nos resta visualmente? Temos alguns fragmentos que as pessoas filmaram nos seus telefones", contou, acrescentando que se houvesse equipas de repórteres no local, "teríamos uma história muito mais completa e maior e esse é um exemplo do que aconteceu em toda Mariupol".

As imagens contidas no documentário mostram ataques em tempo real contra alvos civis - como a maternidade local, também em março de 2022, numa cidade que tinha cerca de meio milhão de habitantes antes da guerra e acabou totalmente destruída - e podem ser igualmente um instrumento jurídico de crimes de guerra, mas a produtora da BBC afirmou que esse não foi o seu objetivo.

"Eu sou uma produtora e um jornalista e é isso que toda a nossa equipa é. Nós não somos uma organização não-governamental, não somos uma instituição de caridade. Não fizemos este filme para defender uma causa", declarou, esclarecendo: "Fizemos este filme para permitir que o povo de Mariupol contasse as suas experiências e ele fez isso".

Leia Também: Mariupol é maior tragédia europeia desde a II Guerra, diz produtora BBC

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