"É um erro total caso pretendamos abordar os factos a que estamos a assistir como um conflito social. Aqui não há conflitos sociais. Nem sequer há vandalismo. São exercícios de violência com uma agenda política bem clara: Assembleia constituinte, renúncia de Boluarte e encerramento do Congresso", disse o militar reformado, na segunda-feira, na véspera de ser eleito para o cargo.
Juan Carlos O'Connor exerceu funções na DINI quando este organismo foi acusado de graves abusos durante o mandato do ex-Presidente Alberto Fujimori, no cargo presidencial entre 1990 e 2000 e que em 2010 foi condenado a 25 anos de prisão por corrupção e graves violações dos direitos humanos.
"Isto repete-se como objetivo político em cada local onde bloqueiam uma estrada, onde atiram pedras, onde encerram aeroportos. Em cada local onde se ataca a polícia e as Forças Armadas, há um objetivo político, e a isso chama-se insurgência terrorista", disse O'Connor em declarações à Willax TV.
O novo chefe dos serviços secretos peruanos elogiou a atuação da polícia e do exército no decurso da atual crise política no Peru, apesar dos quase 30 mortos civis desde o início da contestação há duas semanas em apoio ao ex-Presidente Pedro Castillo, justificando que estas mortes são "instigadas pelo terrorismo".
"Pude apreciar um exército treinado, disciplinado, atuando de forma eficiente com o uso das armas", prosseguiu nas suas declarações, enquanto manifestantes e organizações políticas e internacionais têm denunciado um uso excessivo da força durante as ações de repressão dos protestos.
Antes de ser eleito para este cargo, O'Connor -- que acusou o anterior governo de Castillo de ter de novo "projetado" o Sendero Luminoso, a violenta guerrilha maoista que assolou o país na década de 1980 e 1990 até ser praticamente extinta -- integrou o Serviço nacional de Informações (SIN), uma das anteriores versões da DINI.
Nesse período, entre 1991 e 1998, o SIN estava sob o controlo de Fujimori e de Vladimiro Montesinos, também na prisão por delitos relacionados com o narcotráfico e assassinatos.
Durante esses anos, O'Connor trabalhou com Júlio Salazar Monroe, ex-chefe do SIN e ex-ministro da Defesa de Fujimori, que cumpre atualmente uma pena de 35 anos de prisão pela matança de Cantuta, na qual nove estudantes e um professor foram assassinados, com a versão oficial a referir que se tratavam de "terroristas".
Em paralelo, uma delegação técnica da Comissão interamericana de Direitos Humanos (CIDH) chegou hoje ao Peru para se reunir, entre outros, com Dina Boluarte, e analisar esta nova crise política no país andino.
A equipa da CIDH é formada por nove peritos de diversos países e desloca-se ao Peru a pedido do executivo de Boluarte, com quem se reuniram hoje no Palácio do Governo. Prevê-se ainda que o grupo visite Ayachcho, na região andina do Peru e onde se têm registado os confrontos mais graves.
Os protestos iniciaram-se quatro dias após Castillo ter emitido um discurso em 07 de dezembro, na sequência de uma terceira tentativa de destituição, no qual anunciou a dissolução do Congresso, a formação de um executivo de emergência que iria governar por decerto, a reorganização do sistema de justiça e a convocação de uma Assembleia constituinte.
O Congresso acabou por destituí-lo, após denunciar um "golpe", com Dina Boluarte, vice-presidente de Castillo e elemento do mesmo partido de esquerda Peru Libre (PL), a assumir o cargo de chefe de Estado.
Castillo e apoiantes denunciaram, por sua vez, um "golpe da direita", apoiado pelos "meios de comunicação" e com a cumplicidade dos Estados Unidos, recordando que a sua Presidência iniciada em julho de 2021 sempre foi alvo de boicotes sistemáticos por parte da "elite e da oligarquia" peruanas concentrada em Lima, a capital do país.
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