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Protestos na China pretendem recuperar modo de vida pré pandemia

A especialista portuguesa em assuntos chineses Cátia Miriam Costa defendeu que os protestos na China não se destinam a derrubar o regime, mas a recuperar o modo de vida posto em causa pelas medidas anticovid.

Protestos na China pretendem recuperar modo de vida pré pandemia
Notícias ao Minuto

16:31 - 30/11/22 por Lusa

Mundo Protestos China

"Não me parece que seja uma contestação total a todo o arquétipo político chinês", disse à agência Lusa a investigadora do ISCTE -- Instituto Universitário de Lisboa.

Cátia Miriam Costa justificou que um eventual derrube do regime afetaria as pessoas que estão a protestar.

"Um dos primados dessas pessoas é manterem o seu nível de vida e continuarem a ter o poder aquisitivo que tinham e uma vida similar àquela que tinham" antes da pandemia, disse.

Desde o início da pandemia de covid-19, declarada em março de 2020, o Governo chinês adotou a política "zero casos" de infeção, com confinamentos forçados de milhões de residentes em cidades e restrições à circulação de pessoas no país.

Estas medidas têm sido contestadas em manifestações que se agravaram no último fim de semana, depois da morte de 10 pessoas num incêndio, alegadamente por demora no socorro devido às restrições de circulação.

Como habitualmente, o Partido Comunista Chinês (PCC), no poder desde 1949, atribui a contestação a "forças hostis" ao socialismo de características chinesas, o regime em vigor no país desde a abertura ao exterior da República Popular da China (RPC).

Essa abertura foi liderada pelo então líder Deng Xiaoping (1904-1997) na década de 1980, depois de ter sucedido ao fundador da RPC, Mao Tse-Tung (1893-1976).

Hoje mesmo, a Comissão Central para Assuntos Políticos e Jurídicos do PCC prometeu, num comunicado, "reprimir resolutamente as atividades de infiltração e sabotagem por forças hostis".

No livro "The World before and after Covid-19" (O mundo antes e depois da covid-19, em tradução direta), editado por Gian Luca Gardini e publicado pelo Instituto Europeu de Estudos Internacionais em 2020, a investigadora do ISCTE-IUL contribuiu com um artigo sobre a pandemia na China, em que previu as manifestações de agora.

"Se as autoridades não forem capazes de gerir o rescaldo da pandemia de forma eficaz, restaurando o crescimento económico e promovendo a melhoria social, a agitação é possível", escreveu em 2020.

Nessa altura, explicou Cátia Miriam Costa à Lusa, "já se tinha identificado uma série de manifestações por causa das medidas relativas à pandemia, nomeadamente os confinamentos absolutos".

Como essas medidas extremas implicavam o fecho da economia, a reação então verificada era à "perda de poder de compra por parte da classe média chinesa e também uma limitação à circulação e contacto com o exterior".

"Estamos a assistir a um elevar de tom, mas que também tem um elemento novo, que é ter entrado nas universidades, ou seja, não estar nos meios habituais de contestação", disse.

Cátia Miram Costa considerou errada a ideia de que a contestação social na China é rara, sendo recorrente e direcionada para objetivos específicos como as condições de trabalho ou a corrupção, com uma expressão regional.

"Estamos agora a ver uma contestação que está a ganhar contornos de expressão nacional, o que também é novo", disse.

No livro de 2020, a investigadora aludiu também à questão da confiança como "base da relação humana chinesa e um pilar do entendimento chinês de relações lucrativas", baseado no confucionismo, que ensina na Universidade de Aveiro.

"O confucionismo, de um ponto de vista mais académico, explica um pouco aquilo que se passa, ou seja, a contestação social é permitida sempre que o governante não está a corresponder aos anseios da população, mas a seguir deve vir a procura de equilíbrio", disse.

"Se, entretanto, o governante tenta reequilibrar a situação e dar uma resposta e a população aceita, temos um reequilíbrio", acrescentou.

Cátia Miriam Costa considerou que os pedidos de demissão de Xi, ouvidos nas manifestações do fim de semana, são também uma indicação de que a contestação não visa o regime.

"A contestação está centrada na figura do Presidente e o Presidente está a incarnar as medidas restritivas da covid-19", justificou.

A investigadora reconheceu que a contestação ocorre pouco tempo depois do congresso do PCC, em que algumas fações do partido perderam poder, mas considerou ser ainda cedo para perceber se as manifestações traduzem uma reação das forças perdedoras.

Quanto a um paralelismo entre a contestação atual e o movimento popular pró-democracia que foi esmagado pelo Exército de Libertação Popular (ELP) na Praça de Tiananmen, em 04 de junho de 1989, Cátia Miriam Costa disse tratar-se de "tempos históricos diferentes".

Nessa altura, assistia-se à derrocada da União Soviética, concretizada em 1991, e a China vivia um processo de evolução do regime ainda no rescaldo da Revolução Cultural (1966-1976) de Mao.

Os jovens que ocuparam a Praça Tiananmen, ou Praça da Paz Celestial, durante quatro meses até serem reprimidos pelo ELP, representavam uma fação política dentro do PCC que "defendia uma maior liberalização".

A ideia em jogo era que a introdução de princípios liberais de mercado na economia produziria a democratização do regime.

"A resposta da China foi a criação do socialismo com características chinesas, que vai reabilitar o confucionismo como filosofia" afirmou.

Confúcio (551- 479 a.C.) "começa a ser abraçado como orientador filosófico político chinês, depois de ter caído em desgraça durante o maoismo," para explicar a coexistência de uma economia de mercado num sistema económico e político planificado de partido único.

"São duas realidades antagónicas", disse a investigadora.

Em 1989, referiu, com a derrocada do bloco soviético em curso, Deng optou pela repressão do movimento de Tiananmen, porque estava em causa não só o regime, mas também o país, cujo desmoronamento teria consequências globais.

"Optou pelo bem maior", defendeu a investigadora.

Ao contrário de Tiananmen, que era um movimento muito centrado no meio urbano e numa população estudantil, a contestação atual também tem a ver com a liberdade de movimento.

"Não quer dizer que seja a liberdade política na aceção ocidental. A tradução do pensamento político chinês para as características ocidentais, por vezes coloca em risco a nossa compreensão do que se está a passar enquanto movimento social", disse.

Para Cátia Miriam Costa, "se tudo é desestruturado na China, também há uma perda de equilíbrio numa economia que é a segunda maior economia do mundo".

"Devemos manter-nos atentos, porque tudo o que se desarticula na China tem impacto no mundo", acrescentou.

Leia Também: NATO alerta para o risco de dependência económica e tecnológica da China

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