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Chilenos divididos votam em referendo nova Constituição

Um total de 15,1 milhões de chilenos vota no domingo num referendo sobre a nova Constituição, divididos entre os que a veem como uma oportunidade histórica para recuperar direitos e os que consideram que restringe liberdades.

Chilenos divididos votam em referendo nova Constituição
Notícias ao Minuto

09:28 - 02/09/22 por Lusa

Mundo Chile

Mas entre uns e outros, existe a convicção generalizada da necessidade de alterar a atual Constituição do Chile, redigida em 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), e apenas parcialmente revista em 2005, durante a Presidência de Ricardo Lagos (2000-2006).

Apesar de nas últimas semanas diversas sondagens darem vantagem à rejeição da proposta de nova lei fundamental, a deputada comunista Karol Cariola, considerada porta-voz do "Sim", mostrou-se otimista quanto à aprovação do texto, por considerá-lo "uma oportunidade histórica" para recuperar recursos e garantir direitos fundamentais, além do seu caráter paritário, aplaudido a nível internacional e que poderá torná-la a Constituição "mais feminista" do mundo.

"Nesta nova Constituição, concretiza-se a recuperação dos [recursos] naturais como a água, a proteção dos rios, a saúde, a educação, a habitação, as pensões ou o reconhecimento do trabalho doméstico, maioritariamente feito pelas mulheres, que, na atual Constituição, nem sequer são mencionadas, mas que na nova têm reconhecidos direitos e oportunidades", disse a deputada, citada pela agência de notícias espanhola Efe.

"Este é um processo que decorreu democraticamente, de forma igualitária, uma conquista que hoje muitas mulheres reivindicam fortemente porque se trata de sermos encaradas como pares, iguais aos homens, que têm sido um género que geralmente tem vivido privilégios resultantes de um sistema patriarcal, mas agora estamos a começar a nivelar o terreno", acrescentou.

Uma das críticas mais recorrentes dos setores que rejeitam a carta magna é que não "se pronuncia sobre a segurança", uma das preocupações sociais devido ao aumento dos crimes violentos.

Mas Cariola assegura: "Trata-se de um problema que não tem que ver nem com uma Constituição nem com um Governo, mas com o tipo de sociedade que temos vindo a construir".

"Uma sociedade sem oportunidades, onde parece que o que prevalece é a violência -- essas são situações de insegurança social que levam à violência e, portanto, à delinquência. As pessoas têm o direito a viver uma vida livre de violência e esta Constituição consagra esse direito, pela primeira vez assume o direito à segurança pública", afirmou.

"É um passo em frente no sentido de reconhecer que todas as pessoas, independentemente da sua origem social e do lugar onde vivem, têm esse direito [à segurança pública]. A falta de justiça territorial na distribuição dos recursos é também um dos problemas, e este texto assume-o estabelecendo uma distribuição equitativa das forças policiais", sublinhou.

Por seu lado, quem se opõe ao novo texto considera que "restringe liberdades", "não estabelece limites" e faz com que "o Estado se sobreponha" aos cidadãos, explica Claudio Salinas, ex-militante da ultraconservadora União Democrata Independente (UDI) e um dos porta-vozes da "Casa Cidadã pelo Não", que reúne dezenas de organizações sociais.

Salinas considera que a Convenção que durante um ano redigiu a nova proposta de Constituição "não ouviu os cidadãos".

"Participámos nas audiências públicas, onde houve um mecanismo bastante aleatório e questionável para definir quais eram as organizações assistentes. Nós inscrevemos mais de 50 organizações para participarem nestas audiências e só duas ou três foram selecionadas", observou.

Explicou que promoveram iniciativas sobre questões de segurança, saúde, educação e pensões, mas "lamentavelmente, todas foram rejeitadas pela Convenção, algumas delas nem sequer conseguiram chegar ao plenário", acrescentou.

Segundo Salinas, faltam à nova Constituição "contrapesos fundamentais para uma democracia estável", eliminando instituições como o Senado, retirando à Presidência da República muitos poderes ou criando uma Câmara das Regiões que não tem capacidade de fiscalização mas participa no processo legislativo juntamente com a Câmara de Deputados.

"O mais grave é que, como cidadãos, nos retira determinadas liberdades. Uma Constituição deve fornecer os princípios gerais sobre os quais vamos continuar a trabalhar e a garantir aos cidadãos que o Estado não nos passará por cima", acrescentou.

Para Salinas, uma das mudanças mais profundas é a passagem de um Estado subsidiário (em que vigora o princípio da subsidiariedade, um princípio de organização social segundo o qual as questões sociais ou políticas de uma sociedade devem ser resolvidas no plano local mais imediato que tenha capacidade para resolvê-las) para um "Estado social", em que se aposta no fortalecimento dos serviços públicos para garantir benefícios universais.

Embora Cariola tenha asseverado que a rejeição desta proposta de texto constitucional desencadearia um cenário de "incerteza total", Salinas disse que o processo constituinte prosseguiria e que seria necessário "criar um grande acordo político cidadão o mais rapidamente possível para fazer as mudanças de que o país precisa".

O processo constituinte surgiu no contexto da gigantesca vaga de protestos contra a desigualdade que começou em finais de 2019 e que fez cerca de 30 mortos e milhares de feridos em todo o Chile -- a mais grave desde o fim da ditadura --, criando uma situação de desordem pública que os académicos consideram que, no fundo, nunca acabou, apenas baixou de tom nos três anos seguintes.

Para a redação da nova lei fundamental do Chile, decidida por acordo das forças políticas, foi criada uma Convenção Constitucional composta por 154 representantes, com igual número de homens e mulheres -- a primeira no mundo - e lugares reservados para os povos indígenas, que durante um ano elaborou o texto que submeterá no domingo à aprovação popular num referendo obrigatório, o sétimo sufrágio no país em dois anos e talvez até agora o mais importante do século XXI.

Apesar do entusiasmo inicial, a Convenção foi perdendo apoios devido a atritos internos e a vários escândalos que mancharam a reputação de alguns dos constituintes.

As últimas sondagens revelaram que se imporia, com mais de 10 pontos percentuais de diferença, o "Não" ao novo texto, que declara o Chile um Estado social de direito e consagra direitos fundamentais.

Os especialistas consideram, no entanto, que o resultado está em aberto, porque desta vez o voto é obrigatório e há mais de 50% do eleitorado que não vai às urnas desde 2012, ano em que o voto passou a ser voluntário no país.

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