Meteorologia

  • 27 ABRIL 2024
Tempo
12º
MIN 11º MÁX 17º

Refugiados rohingya no Bangladesh continuam apátridas cinco anos depois

Quase um milhão de refugiados da minoria muçulmana rohingya, de Myanmar, vive atualmente em campos "temporários" e sobrelotados do vizinho Bangladesh, sem solução à vista, cinco anos após a sua fuga maciça à perseguição no país de origem.

Refugiados rohingya no Bangladesh continuam apátridas cinco anos depois
Notícias ao Minuto

08:04 - 25/08/22 por Lusa

Mundo Bangladesh

A denúncia é da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF), que hoje assinala em comunicado a data exata desse êxodo dos rohingyas "à maior e mais recente vaga de violência em Myanmar" - 25 de agosto de 2017 - para o país mais pobre do mundo, coligindo testemunhos de pessoas de várias gerações que foram ou são doentes da MSF e vivem desde então nos campos de refugiados situados junto à cidade portuária de Cox's Bazar, no sudeste do Bangladesh.

Os cerca de 750.000 rohingyas que nesse dia fugiram de Myanmar, juntando-se a mais de 100.000 que já se tinham refugiado no país vizinho e a outros que se lhes seguiram, dependem, segundo a MSF, de ajuda humanitária e têm "escassíssimas perspetivas de futuro".

A MSF sublinha que, cinco anos volvidos, "os rohingyas continuam a não ser reconhecidos como cidadãos de nenhum país e oficialmente não são também reconhecidos como refugiados, apesar de receberem alguma proteção" do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) -- ou seja, são apátridas.

"Nos campos de refugiados, os rohingyas têm acesso muito limitado a educação ou trabalho, o que gera impactos na saúde mental e um sentimento de desesperança. As necessidades de saúde, de água e saneamento e de proteção são enormes e avassaladoras", prossegue a MSF na sua nota, acrescentando que uma das pessoas com quem falou disse: "Os nossos abrigos são tão temporários hoje como no dia em que chegámos".

"As equipas da MSF observam o impacto que as condições de sobrelotação e insalubridade nos campos têm na saúde física e mental dos refugiados rohingyas", refere a organização médica humanitária, o que faz com que receba "um número cada vez maior de pessoas que precisam de tratamento para infeções de pele e doenças relacionadas com a água [não-potável], assim como doenças crónicas, como diabetes e hipertensão".

Num dos depoimentos recolhidos pela MSF, Mohamed Hussein, de 65 anos, faz um resumo bastante eloquente da história da perseguição à minoria muçulmana na Birmânia, depois Myanmar, país maioritariamente budista: "Éramos tratados como párias, e a retirada gradual de direitos transformou-se em perseguição".

Hussein trabalhou como funcionário público no gabinete do Ministério da Administração Interna de Myanmar durante mais de 38 anos. Em 1982, foi-lhe retirada a nacionalidade por pertencer à etnia rohingya.

Desde então, assistiu a uma cada vez maior restrição dos seus direitos e liberdades -- os rohingyas deixaram de ser autorizados a estudar, trabalhar, casar, tirar a carta de condução, votar, etc. - acabando por abandonar o país com destino ao Bangladesh, onde há cinco anos reside num campo de refugiados.

"Terminei o ensino secundário em 1973. Até tinha um emprego como funcionário do Governo, porque, na altura, os rohingyas eram reconhecidos pela Constituição (...) Após a independência do poder britânico, em 1948, o Governo aceitou os rohingyas como cidadãos do país, e pessoas de todas as etnias tinham direitos iguais", relatou.

"Ninguém era vítima de discriminação", frisou, acrescentando que "tudo isso mudou em 1978, quando o censo Naga Min, ou 'Rei Dragão', foi realizado", porque esse censo "determinou quem era cidadão de Myanmar e quem era do Bangladesh".

Nessa altura, "muitas pessoas foram presas por não terem os documentos certos. Temendo pela minha vida, fugi", relatou, acrescentando: "Mais tarde, o Governo de Myanmar voltou a aceitar-nos".

"Eles fizeram um acordo com o Governo do Bangladesh e foi-nos prometido que, se regressássemos, teríamos os nossos direitos garantidos. Essa promessa não foi mantida. As terras foram devolvidas aos seus proprietários, mas os nossos direitos não foram assegurados -- isso foi o início da nossa opressão", recordou.

"As autoridades retiraram-nos a nacionalidade. Nos termos da Lei da Cidadania [de 1982], eles reconheciam categorias de etnias, e percentagens de cada uma delas foram anunciadas -- uma categorização que nunca antes existira", explicou.

Contudo, ainda eram aceites no país como estrangeiros; mas depois do golpe militar, deixaram de poder frequentar as universidades, foram-lhes impostas proibições de viajar, elementos prestigiados da comunidade rohingya eram presos ou multados por alegadamente oprimirem os budistas, foi-lhes imposto um recolher obrigatório e se alguém fosse encontrado de visita em casa de outra pessoa, era torturado.

"Todos os anos, eles impunham novas regras, e quem não as cumprisse era preso", indicou, acrescentando que "apesar de tudo", ainda podiam votar -- um direito que lhes foi retirado em 2015, altura em que passaram a ser considerados "intrusos" no país.

Quando, numa manhã de 2017, acordou com o som de tiros vindo de um posto militar próximo de casa, soube, horas depois, que rohingyas tinham sido mortos, e a sua comunidade começou a ver o exército birmanês a avançar sobre eles abrindo fogo, então fugiu, como mais de 700.000 dos seus compatriotas, para o Bangladesh, que -- reconhece -- os defendeu, lhes deu esperança e faz muito por eles.

Todavia, o tempo passou, e "a vida tornou-se difícil": "Cada vez que saio [do campo], sou revistado pelos guardas. Nem sequer posso visitar os meus filhos (...) e sinto-me preocupado com o nosso futuro, porque as nossas crianças não estão a receber uma educação adequada", admitiu.

"Agora que todos os direitos nos foram retirados, não somos mais que cadáveres ambulantes. O mundo é feito para toda a gente nele viver. Atualmente, nós não temos um país que seja nosso, apesar de sermos humanos", concluiu, deixando um apelo: "Pedimos ao mundo que nos ajude a viver como seres humanos. O meu desejo é ter direitos. E paz".

Leia Também: Myanmar. Rohingya devem fazer parte da solução para a crise, diz Guterres

Recomendados para si

;
Campo obrigatório