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Alvejado e enterrado vivo, Mykola sobreviveu para contar a sua história

O ucraniano de 33 anos foi levado por militares russos para ser executado. Foi o único dos três irmãos que sobreviveu e agora a sua história servirá de testemunho a favor da Ucrânia.

Alvejado e enterrado vivo, Mykola sobreviveu para contar a sua história
Notícias ao Minuto

13:25 - 16/05/22 por Notícias ao Minuto

Mundo Rússia/Ucrânia

Mykola Kulichenkoa e os seus dois irmãos, Yevgen e Dymytro, estavam ajoelhados junto a uma campa acabada de cavar quando foi disparado o primeiro tiro. Yevgen, o irmão mais novo, foi o primeiro a morrer - vendado e amarrado, tal como os seus irmãos. O mais velho de todos, Dymytro, foi o segundo.

Ao Wall Street Journal (WSJ), Mykola conta como foi o único a sobreviver ao ataque à família, no norte da Ucrânia, mesmo depois de os militares russos o terem atingido na cara. "Sobreviver à execução foi só o início. Pela frente ainda tinha um angustiante regresso a casa, evitando as forças russas no caminho", escreve a publicação.

Mykola conseguiu escapar à morte quando já estava a ser enterrado. Depois de a bala ter passado pelo interior da bochecha junto ao maxilar superior, o homem, de 33 anos, foi enterrado por cima de um dos seus irmãos, e o cadáver do outro caiu em cima de si. Depois, a terra começou a cair em cima dos corpos. "Percebi que estava vivo", contou à publicação.

Os militares chegaram à aldeia de Dovzhyk dias depois de a invasão ao país começar, a 24 de fevereiro. Os tanques passaram pela casa que os irmãos partilhavam, juntamente com a sua irmão, Iryna, de 36 anos. Os quatro viviam escondidos, e "usavam a janelas das traseiras para sair e entrar em casa". "Yevgen tinha razões para se esconder. O homem de 30 anos tinha lutado contra os separatistas na Ucrânia antes de se retirar do exército", lê-se.

Segundo os irmãos contaram à publicação, os militares não "os perturbaram" até meio de março, quando uma escola de veículos militares foi destruído por minas terrestres.

"Os soldados russos começaram a revistar a aldeia, que tem cerca de 570 habitantes, à procura de alguém que pudesse estar envolvido. Foram a casa a casa para verificar quem tinha estado no exército, inspecionaram os troncos, tatuagens e cicatrizes dos homens", contaram os habitantes ao WSJ.

Iryna não estava em casa quando os soldados russos entraram em casa e obrigaram os seus irmãos a despirem-se até à cintura e a ajoelharem-se junto à vedação.

Mykola conta que não demoraram muito até chegar com um saco que tinha munições e antigo uniforme de Yevgen, que tinha planeado juntar-se a um batalhão próximo.

"Quem aqui é o militar?", perguntaram os soldados russos enquanto atiravam o saco do militar para perto deles.

“Eu sou”, respondeu Yevgen, antes de os militares encapuzarem os irmãos e levarem-nos para o campo. Pelo caminho, Mykola conseguiu ter alguns vislumbres do caminho.

"Os irmãos passaram a noite numa cave fria com cerca de dez homens. Chegou a um ponto que os braços de Mykola ficaram ficaram inflamados de estarem apertados nas costas", escreve o jornal, que conta que foi feito um interrogatório aos irmãos, questionando os soldados russos quem tinha informado o exército ucraniano da sua localização. "Quando Mykoal disse que não sabia, bateram-lhe nas pernas com uma a espingarda. Um deles colocou uma lâmina na sua garganta e ameaçou que lhe cortava as orelhas".

Ao terceiro dia, o irmão de 33 anos foi atingido por um objeto pesado. "Estava quase inconsciente quando os soldados russos ataram as suas pernas" e os levaram para o sítio onde iam morrer. "[Mykola] ouviu o disparar de uma arma com silenciador. Virou-se ao som do segundo disparo. O próximo atingiu-o abaixo da orelha direita. A gola do seu casaco estava para cima - o que ele acredita que o salvou, por ofuscar o ângulo".

Ao WSJ, Mykola conta que pensou que "se isto é o fim, pelo menos estava com os seus irmãos", porém, o homem acabou por se "arrastar" da campa, que não estava "completamente coberta" de terra.

Removeu a sua venda, as cordas à volta das pernas e, antes de se ir embora, "tapou os seus irmãos com mais alguma terra". "Não sabia onde estava, mas tinha que encontrar um caminho sem se cruzar com as forças russas", conta a publicação, que explica que o homem fugiu, de mãos atadas, para longe do som de um gerador.

À noite, Mykola chegou à aldeia de Chumak e, exausto, entrou numa casa vazia e conseguiu libertar-se, escondendo-se numa adega. Ao amanhecer, continuo a caminhar e, numa localidade, perguntou as direções numa casa que tinha fumo a sair da chaminé. "Mas alguma coisa no homem idoso que vivia lá o fez desconfiar e ele acabou por ir na direção oposto àquela que o homem lhe aconselhou".

Uns quilómetros mais à frente, Mykola cruzou-se com o filho de Valentina Rydia, uma mulher que lhe deu abrigo, e que lhe disse que se podia lavar. "Foi a primeira vez que me vi ao espelho", contou ao WSJ. "A minha bochecha estava toda inchada. Apesar de Valentina lhe ter oferecido comida, foi difícil para Mykola. "Estava a lutar para comer porque tinha sido agredido de forma violenta no estômago", contou-lhe a ela, e a bala tinha deixado um buraco perto da sua boca. "O sangue escorria da sua orelha até à mesa", descreveu Valetina, que lhe desenhou um mapa de regresso à sua aldeia,  especificando as zonas onde as forças russas não estavam em peso. "Eu sabia que o tinha que ajudar", disse a mulher de 55 anos.

Mykola percorreu 12 km de regresso até Dovzhyk, depois de 12 horas de caminho, e algum tempo de boleia a cavalo. A sua primeira paragem foi na casa do pai, que lhe perguntou pelos irmãos.

Os cuidados médicos foram-lhe prestados por um médica através do telefone.

Dois dias depois de as tropas russas abandonaram Dovzhyk, a 2 de abril, Iryna e Mukola foram à procura dos restos mortais dos irmãos, mas as tropas ucranianas mandaram-nos recuar porque ainda poderiam haver minas espalhadas. 

Tal como é usual nas vítimas de guerra, "o tempo e o trauma" distorceram a memória de Mykola. "Fiquei confuso", contou o homem, que, juntamente com a sua irmã, procuraram ajuda junto das autoridade locais, que ficaram com o caso. "Primeiro, era difícil acreditar que esta história era verdade", disse uma fonte da autoridade.

No entanto, as autoridades acabaram por encontrar a adega onde Mykoal tinha estado, com algumas partes ensanguentadas. Também o local onde os irmãos foram agredidos foi identificado. "Um chapéu que pertencia um dos irmãos foi encontrado".

A história de Mykola é uma das que servirá para testemunhar a favor da Ucrânia, no que diz respeito aos cerca de 8 mil crimes de guerra que a procuradoria-geral do país informou que já reuniu contra a Rússia.

Leia Também: Mariupol. Separatistas de Donetsk dizem ter retirado mais de 300 cidadãos

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