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Rússia pretender converter a Ucrânia "numa Bósnia"

 A Rússia pretendia converter a Ucrânia numa Bósnia e manter uma influência decisiva sobre Kiev, mas a situação alterou-se e o acordo Minsk II já não é aplicável, defendeu em entrevista à Lusa o investigador Arkady Moshes.

 Rússia pretender converter a Ucrânia "numa Bósnia"
Notícias ao Minuto

10:04 - 12/02/22 por Lusa

Mundo Investigador

"A Rússia pretendia converter a Ucrânia numa Bósnia. Criar um Estado fraco e poroso, com uma parte com possibilidade de veto sobre opções de política externa do conjunto do Estado", considerou Arkady Moshes, numa referência ao Acordo de Dayton de 1995 sobre a Bósnia-Herzegovina que pôs termo à guerra civil e criou duas entidades autónomas com um fraco Estado central.

"Isso foi entendido desde o início, e o que a Ucrânia tem feito nos últimos oito anos tem sido tentar progredir nessa área apesar do conflito. O cálculo seria que a Ucrânia poderia admitir fazer concessões para garantir o controlo de todo o território, mas basicamente a Ucrânia estabilizou a linha da frente e começou a fazer o que pretendia, designadamente prosseguir o acordo de associação com a União Europeia e o acordo de comércio livre abrangente, prosseguir a cooperação militar bilateral com a NATO, e o regime livre de vistos. Apesar do conflito, voltou-se para o ocidente", explicitou o diretor do programa para a Europa de leste e Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA), sediado em Helsínquia.

Segundo Arkady Moshes, não existe uma perspetiva de integração formal da Ucrânia na UE e na NATO, nem se registaram conversações sobre o tema, mas antes "um intenso processo de cooperação e integração, não no ocidente, mas com o ocidente", com Moscovo a "perceber" que se construiu um cenário que pretenderia evitar.

Pelo contrário, os líderes russos e os dirigentes das duas repúblicas separatistas "pró-russas" do leste da Ucrânia continuam a insistir na aplicação dos acordos de Minsk II, assinados em fevereiro de 2015 pelos Presidente da Rússia, Ucrânia, França e a então chanceler da Alemanha, sob os auspícios da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), e considerados favoráveis às pretensões dos dirigentes russófonos do leste ucraniano.

"O acordo Minsk II não é aplicável, é uma folha e papel que está morta. Não pode ser aplicado pela simples razão de que a sua lógica está totalmente errada. Diz que devem ser realizadas eleições antes de a Ucrânia restabelecer o seu controlo [nos territórios separatistas], e que devem ser realizadas em conformidade com os padrões europeus. Mas quem pode imaginar a realização de eleições segundo esses padrões se a liberdade de reunião, de divulgar informação, de ser feita campanha em todo o território, não existirem", interrogou-se o investigador, também membro do Programa de Novas Abordagens sobre Pesquisa e Segurança na Eurásia (PONARS, Eurásia).

Na perspetiva de Moshes, o escrutínio apenas poderá ser concretizado após o "controlo soberano" da Ucrânia sobre esses territórios.

"Caso contrário, os resultados serão obviamente inaceitáveis para a Ucrânia, porque haverá pessoas que a Ucrânia pretenderá provavelmente indiciar por crimes de guerra que se tornariam membros do parlamento, ou membros da polícia nacional nessas áreas", sugeriu.

Ao abordar ainda os potenciais novos referendos sobre a autodeterminação previstos em Minsk II, o académico também se interrogou sobre em que territórios deveria decorrer a consulta, pelo facto de as fronteiras terem ficado indefinidas na sequência do conflito indicado em 2014 e que já provocou cerca de 14.000 mortos e pelo menos 1,5 milhões de deslocados.

Nos territórios secessionistas concentram-se cerca de quatro milhões de pessoas, num país com cerca de 36,5 milhões de habitantes, e o conflito implicou uma importante transferência de populações, que se mantiveram na região do Donbass mas separadas pela designada "linha de contacto".

O académico e especialista nas relações União Europeia-Rússia e nas políticas interna e externa dos países desta região e ex-repúblicas soviéticas, refere-se às populações deslocadas, questiona-se se também seriam elegíveis num referendo sobre a independência caso fossem autorizadas a votar, ou no destino das significativas populações russófonas, de língua russa, talvez 30% da população do país e sobretudo concentrada no centro-leste ucraniano e sul do país, e que se queixam de várias discriminações do poder de Kiev.

"Pelo menos 700.000 pessoas, ou agora cerca de um milhão, que vivem nesses territórios tornaram-se cidadãos russos devido à entrega massiva de passaportes. Votaram nas eleições na Rússia e são cidadãos de outro Estado, um estatuto que a Ucrânia não permite. São questões técnicas, e sem referência às políticas. Do ponto de vista técnico é muito difícil responder, mas se formos para o campo político, não sou um advogado mas sei que o direito à autodeterminação, e o direito de um Estado controlar todo o seu território, sempre estiveram em contradição".

"O direito à autodeterminação não se aplica a estes territórios" pelo facto de já existir uma "nação" russa, considera Moshes.

Para além das questões "técnicas", a realidade política continua a impor-se e Arkady Moshes não tem dúvida em considerar que vai permanecer "uma questão estratégica" para a Rússia. "Não se trata necessariamente de um controlo territorial, mas uma espécie de possibilidade de decidir sobre o destino da Ucrânia, e que Putin tenta obter desde que assumiu o poder", indicou.

O que nunca implicará que a Rússia se "esqueça" da Ucrânia, mesmo na perspetiva de um acordo de âmbito global.

"Seria positivo mas isso não vai acontecer, Moscovo vai prosseguir a sua política, a Rússia é um grande país e possui outros instrumentos de pressão. Os instrumentos económicos de pressão são enormes devido à dependência energética da Ucrânia, e a sua ineficiência energética é ainda mais importante que a dependência, a cibersegurança, também a possibilidade de manter a pressão através da mobilização de forças militares para junto das fronteiras, incluindo na Bielorrússia, mas sem escalada", prognosticou.  

Numa referência à posição dos Estados Unidos nesta séria crise internacional, considerou ser este "o momento da verdade nas relações dos EUA com a Europa" e após a nova administração da Casa Branca se ter confrontado com diversas realidades.

"Quando o Presidente Joe Biden subiu ao poder, penso que poderia ser fácil reconstruir as pontes com a Europa, semidestruídas durante o mandato de Trump. Pensou que poderia efetuar alguns gestos, como em relação aos planos económicos da Alemanha relacionados com o gasoduto Nord Stream II, e outros temas", referiu.

"Mas percebemos que não havia unidade na administração Biden face à Rússia, e houve pessoas com perspetivas muito mais céticas em relação à Rússia", apontou, apesar de considerar "positivo" que Washington tenha passado a "prestar mais atenção" à Rússia, tendo neste aspeto "agitado" a Europa.

"Mas esta situação ainda não terminou. Se a escalada se verificar, o Nord Stream II [o novo gasoduto entre a Rússia e a Alemanha, já concluído, mas ainda sem licença para funcionar] estará em risco, e terão de ser aplicadas sanções norte-americanas a um gasoduto também alemão, agravando as relações EUA-Europa. Aproximamo-nos de um difícil ponto de bifurcação. A cooperação transatlântica pode melhorar, mas se ocorrer uma escalada ainda não sabemos quais as contradições que podem emergir entre os EUA e a Europa", concluiu.

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